Pernambuco

Coluna

Organização das mulheres, resistência e produção de alimentos saudáveis nas periferias

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O objetivo das hortas é produzir alimentos livres de veneno e plantas medicinais para as famílias das comunidades - Mãos Solidárias
As hortas populares, cuidadas a várias mãos, têm um papel fundamental no enfrentamento à fome

A soberania alimentar e a agroecologia têm sido ferramentas de organização das mulheres nos contextos urbano e também rural. Há algumas décadas, os movimentos populares de mulheres e feministas debatem e fortalecem iniciativas ligadas a estes temas por entenderem como formas de potencializar a autonomia econômica e a produção de saúde na realidade de vida das mulheres trabalhadoras e suas famílias. 

Na região metropolitana do Recife, estamos engajados no enfrentamento ao agronegócio e em favor das iniciativas agroecológicas como estratégias de resistência fundamentais em uma conjuntura em que o país retornou ao Mapa da Fome e em que as regiões norte e nordeste são as mais gravemente atingidas. 

Como exemplo desta experiência, no mês de agosto se completam dois anos que inauguramos a Horta Popular Agroecológica Dandara, localizada no Nascedouro de Peixinhos. Lugar simbólico, que dentre outros, marca o processo de urbanização do estado de Pernambuco, considerando que sediou o maior matadouro da América Latina, ocasionando a migração de um grande contingente de pessoas para o bairro e que na década de 1980 foi reinaugurado pelos movimentos culturais como Nascedouro.

A Horta Dandara surge desta culminância, um lugar histórico limítrofe entre as cidades de Recife e Olinda, marcado por intensa organização popular e em um contexto de agravamento das condições de vida do povo, principalmente no que se refere ao direito básico à alimentação. Constituiu parte das iniciativas de solidariedade implementadas no ano de 2020, início da pandemia do coronavírus como uma alternativa popular de enfrentamento à fome, em uma parceria entre a Biblioteca Multicultural Nascedouro de Peixinhos, Centro Sabiá, Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos, Marcha Mundial das Mulheres, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Consulta Popular, Nação Mulambo, Grupo de Saúde Condor e Cabo Gato, moradoras das ocupações urbanas do entorno, dentre outras organizações que ao longo do tempo vieram e vêm se somando. 

Destacamos a importância das hortas populares e agroecológicas na dinâmica da vida e luta urbanas, assim como neste elo importantíssimo que interliga o campo e a cidade, a materialização desta aliança da classe trabalhadora como fundamental para a construção de um projeto popular nacional. Estes espaços são férteis em diversas frentes de luta, se constituindo como ocupação do território urbano, ressignificação cultural do equipamento público, produção de comida de verdade, promoção da agroecologia, resistência diária e construção de vínculos comunitários e afetivos. 

Nestes um ano e oito meses de existência da Horta Dandara muitos desafios já foram enfrentados coletivamente. A falta de água em 2021 fez com que boa parte da produção fosse perdida, no entanto com muita criatividade e solidariedade entre a vizinhança conseguimos recuperar o seu bom funcionamento.  Em dezembro do ano passado tivemos a vitória de conseguir uma cisterna de 16 mil litros de água para aumentar a produção de alimentos, através de projeto executado pelo Centro Sabiá. No mês de março, em meio às lutas das mulheres, promovemos o Mutirão Agroecológico pela vida das mulheres e contra a fome, atividade descentralizada do #8M, em que iniciamos uma expansão da área produtiva da horta com o intuito de ampliarmos a plantação para ciclos médio e longo, a exemplo de macaxeira, milho, feijão, alimentos com mais substância que se somaram ao plantio de ciclo curto que já existe, tais como tomates, hortelã, manjericão, fitoterápicos.

Diante da violação do direito constitucional à alimentação, as hortas populares, cuidadas a várias mãos, têm um papel fundamental no enfrentamento à fome, a partir do engajamento coletivo de diversas pessoas e organizações. Assim, a resistência em cultivarmos este trabalho a partir da terra em meio às adversidades do contexto urbano tem se mostrado uma possibilidade de promover a autonomia da produção e do consumo de alimentos para as moradoras e moradores das periferias. Processos realizados respeitando a relação das mulheres e homens com a natureza e com a qualidade daquilo que se consome, sem uso de agrotóxico e que driblam o preço exorbitante que se encontram os alimentos vendidos nos mercados.

Afirmamos assim que a Horta Popular Agroecológica Dandara tem uma história. Temos história porque o bairro de Peixinhos representa grande parte dos acontecimentos do estado de Pernambuco, com repercussão nacional e internacional, a exemplo do movimento manguebeat que aqui surgiu, a partir da confluência de centenas de grupos culturais nascidos nas ruas de Peixinhos. Todas e todos que acreditam na organização popular como fonte de justiça social estão convidadas e convidados a fazer parte desta história. É fundamental que cultivemos o hábito de relembrar nossa ancestralidade, nossa cultura, de onde viemos e nossas memórias. Assim, a Horta Dandara pulsa e resiste!

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga