Quanto mais acesso à tecnologia, mais fortalecemos o que temos de ancestral no nosso território
Se você quer assistir um filme atualmente, é muito provável que seja através do acesso às principais plataformas de streaming na internet, como a Netflix, Prime Amazon e Globo Play. No entanto, o audiovisual é um segmento ainda marcado pelo racismo. Seja na frente das telas ou atrás, a presença de pessoas brancas ainda predomina. Para lutar contra essa hegemonia, indígenas do Nordeste pensaram uma plataforma que une produções feitas exclusivamente por povos indígenas: é a plataforma Narrativas Indígenas.
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Uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) com obras audiovisuais de longa-metragem, entre 2002 e 2014, mostrou dados graves no que diz respeito a posições de poder na produção. Entre roteiristas, 69% são homens brancos; 24% mulheres brancas; ocupando o cargo de diretor (a), 84% são homens brancos; 14% mulheres brancas. No Narrativas Indígenas, são coletadas obras em que os indígenas são protagonistas do começo ao fim da produção.
Essa é uma das ações de um projeto de pesquisa maior, o "Narrativas, memórias e diálogos interculturais: construindo uma rede audiovisual indígena do Nordeste como estratégia de agroecologia e promoção da saúde para o fortalecimento do SasiSUS nos territórios”. Promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com universidades, organizações e pesquisadores indígenas do Nordeste, o projeto traz como temática central nas produções audiovisuais questões sobre a saúde indígena e sobre os conhecimentos tradicionais e agroecológicos.
Na plataforma, estão catalogados mais de 200 filmes de 16 núcleos do Nordeste. Nela, é possível fazer uma busca de acordo com uma etnia específica, com o nome do diretor e com o gênero do filme (documentário, animação, ficção, etc). Dessa forma, são encontradas produções de coletivos espalhados por vários estados da região.
A realização de um sonho
Kleber Xukuru, do território Xukuru do Ororubá, em Pesqueira, é um dos pesquisadores e coordenadores do projeto. Ele enfatiza ter sido a realização de um sonho colocar a plataforma no ar. "Era uma coisa que a gente [comunicadores indígenas do Nordeste] sempre planejava, planejava, tentava e não conseguia", desabafa.
Ele cita a participação de Alexandre Pankararu, integrante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do NE, MG e ES (Apoinme), na tentativa de dar visibilidade às produções indígenas. "Alexandre ainda chegou a criar uma web TV, chamada TV Maracá, mas não conseguimos [uma plataforma], porque para financiar era complicado sem ter recurso". Através de um edital da Fiocruz, o Narrativas Indígenas foi um dos 14 selecionados para receber incentivo.
Deixa que a gente conta a nossa história
Há anos, Kleber Xukuru também atua como diretor, câmera, editor, roteirista e produtor no coletivo de audiovisual Ororubá Filmes. Ele conta que o coletivo surgiu de uma indignação. Por volta de 2006-2007, uma grande emissora foi ao território Xukuru para gravar o dia-a-dia de um cacique por uma semana.
"A gente estava naquele período de conflito... há pouco tempo tínhamos perdido o nosso cacique Xicão e tinha ocorrido um atentado contra o nosso cacique Marcos Xukuru", relembra. Ao soltarem a reportagem, uma surpresa. "Indígena Xukuru de aparelho e celular, essa foi a capa. A gente acha até um pouco engraçado, ironizando isso aí. A partir daí, o nosso cacique Marquinhos disse 'eu tenho que preparar minha tropa, minha juventude tem que estar pronta para produzir o nosso próprio audiovisual'", compartilha.
E foi assim que os jovens do Ororubá passaram a ver na comunicação uma ferramenta para conseguir reivindicar os direitos dos povos indígenas, mostrar a pluralidade de vozes dentro do território e enfrentar o monopólio da grande mídia.
Leia aqui: O que tu indica? | Ororubá Filmes, realização do povo indígena Xukuru
Quer conhecer mais sobre o coletivo e suas produções? Acompanha o Instagram @ororuba_filmes. Para acessar a plataforma Narrativas Indígenas, clique aqui. Ouça o Vozes Populares na íntegra através do áudio anexado no início desta matéria.
Edição: Vanessa Gonzaga