Quem tem dinheiro, tem direito. Quem não tem, sofre todas as consequências de uma proibição injusta
Não é de hoje que eu falo em legalizar a maconha. Na verdade, não é de hoje que muita gente luta pela relegalização de uma planta conhecida pelos seres humanos há milênios. Uma planta que foi criminalizada em muitos países no mundo há menos de cem anos, por motivos econômicos e racistas. Uma planta sobre a qual se descobrem cada vez mais propriedades terapêuticas e que cada vez mais, em mais lugares, vem sendo tratada de forma mais séria por quem legisla e quem gerencia a coisa pública.
No Brasil, é bem verdade, ainda engatinhamos – embora sempre em frente. Aqui as leis ainda são confusas, o sistema é perverso e mesmo pessoas que já têm laudos médicos que atestam sua necessidade têm dificuldade de acessar remédios feitos a partir dessa planta. A burocracia é grande, o custo é alto, a informação nem sempre chega. Como em muitos outros casos, envolvendo muitas outras questões, quem tem dinheiro, tem direito. Quem não tem, sofre todas as consequências de uma proibição injusta que não encontra justificativas racionais para seguir existindo.
Nas últimas duas décadas, iniciativas como a Marcha da Maconha têm chamado cada vez mais atenção e avançando no debate. Cada vez mais gente dos bairros periféricos tem protagonizado as manifestações que, no Recife, estão marcadas para voltar às ruas no próximo dia 21 de maio. Cada vez mais pessoas que precisam de tratamentos feitos com remédios derivados da planta têm participado. Só em Pernambuco, nos últimos seis anos, pelo menos cinco associações canábicas surgiram, como surgiu também um ambulatório inserido no Sistema Único de Saúde, em que médicos e médicas examinam, acompanham e prescrevem terapias com maconha para centenas de pacientes.
A cada passo que a gente dá, a reação de uma extrema direita conservadora e preconceituosa acontece de forma mais violenta. A gente avança, eles gritam. A gente segue avançando, eles acompanham. Enquanto isso, a maioria da sociedade vai observando, aprendendo, as pessoas percebendo o quanto têm sido enganadas pelo discurso proibicionista ao longo de décadas. Afinal de contas, enquanto a literatura médica segue sem registrar nenhum óbito por overdose do uso desta planta, os principais efeitos da proibição são prisões e assassinatos em nome de uma guerra contra as drogas que país nenhum no mundo chegou perto de vencer.
No Recife, este debate veio à tona nas últimas semanas, depois que eu mandei colocar três outdoors pela cidade. Enquanto um pedia o "Fora Bolsonaro", outro manifestava a necessidade de uma política de Despejo Zero.
O último era bem objetivo, dizia: "Legaliza: remédio, trabalho e renda para quem precisa". Acredito que não havia nada de revolucionário no meu texto. Nada que eu já não tenha dito antes em artigos, vídeos, falas na tribuna da Câmara, cartilhas e panfletos. A iniciativa, porém, despertou a ira de um punhado de parlamentares (e de gente que quer virar parlamentar). Seguindo o manual de identificar 'um inimigo comum', aproveitaram para me atacar em suas redes sociais e até no próprio plenário do poder legislativo. Com argumentos da década de 1930, disputavam entre eles dentro do 'cercadinho do fundamentalismo'. Sem se despir da hipocrisia, mas buscando dialogar com a sociedade, estes discursos vinham acompanhados de um apêndice que significa mais que todo o resto: todos eram contra mim, contra outdoor e contra 'a maconha'. Mas todos, absolutamente todos, diziam-se favoráveis ao uso medicinal da planta.
Deixando um pouco de lado a contradição de dizer-se favorável a um remédio feito de uma planta, mas contra a própria planta, foco nos avanços. Se dentro de uma casa legislativa com 39 representantes do povo, como é a Câmara do Recife, nenhuma voz surgiu contra o uso medicinal da maconha, quer dizer que estamos bem. Se entre conservadores, progressistas e fisiologistas, ninguém mais tem como ir contra o uso terapêutico desta criação da natureza, está na hora de seguir avançando.
No município, temos a tarefa de fazer com que cada vez mais médicos e médicas saibam receitar estes remédios pelo SUS. Também podemos apoiar e fortalecer as associações canábicas que têm sido protagonistas da maior parte das vitórias alcançadas. O governo de Pernambuco pode até ir mais longe. Como possui laboratório próprio, pode ousar, plantando maconha em terras públicas, produzindo remédios e utilizando as fibras da planta para produzir cosméticos e produtos têxteis. Isso sem ter que mudar nenhuma lei federal, apenas atendendo às portarias e resoluções da Anvisa. Um ingrediente, porém, é imprescindível: Coragem pra enfrentar ou ignorar (cada coisa no seu tempo) a gritaria extremista que vai acontecer, vai cansar e vai calar. Até que a gente dê mais um passo à frente.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga