O que precisamos agora é de um programa de educação popular sendo aplicado na prática
Neste mês de maio, faz 25 anos que Paulo Freire nos deixou. Na verdade, não nos deixou. Mas, ressignificou seu esperançar. Nosso patrono partia, mas deixava seu legado inestimável para a ciência, para a educação e, principalmente, para a luta e organização do povo brasileiro. É inegável que, de certa forma, todos nós do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), do Levante Popular da Juventude e de tantas outras organizações e movimentos sociais somos resultado direto da materialização da sua ideia de educação popular.
O trabalho de Paulo Freire na alfabetização de trabalhadores rurais em Angicos, no Rio Grande do Norte, lhe rendeu reconhecimento inestimável, mas também representava uma ameaça para a elite nacional. Alfabetizar trabalhadores, conscientizando-os e ensinando-os a se organizarem por conta própria, num momento em que saber ler e escrever era uma obrigação para poder votar, era um verdadeiro pesadelo para a nossa elite.
A experiência exitosa de seu método foi um dos motivos para que fosse nomeado por João Goulart, então presidente do Brasil, para criar um grande programa de alfabetização nacional. O mesmo êxito também fez com que, desde o primeiro momento do golpe de 1964, fosse preso e exilado, inicialmente para a Bolívia e posteriormente para o Chile. Foi no exílio que Freire escreveu a sua maior obra, Pedagogia do Oprimido, que o tornou mundialmente conhecido e referência até hoje nas universidades mais prestigiadas.
Foi aqui na América Latina sua pedagogia foi verdadeiramente materializada. No chão da fábrica, nas usinas, nas comunidades camponesas, nas igrejas. A ideia da teologia da libertação, aplicada dentro da perspectiva pedagógica de Freire pelas Comunidades Eclesiais de Base e pelas Pastorais, principalmente a Comissão Pastoral da Terra e a Comissão Pastoral Operária, resultaram nos primeiros focos de resistência à ditadura pós-guerrilha do Araguaia: as greves nos canaviais de Pernambuco, Alagoas e Paraíba (1978), a grande ocupação na Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul (1979) e a grande greve do ABC Paulista (1979), berço do que na década de 1980 se transformaria no MST, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Partido dos Trabalhadores (PT).
Nos dias de hoje, a importância do pensamento de Paulo Freire para a luta e organização popular continua sendo estratégica. É certo que temos bem definida a prioridade de eleger Lula presidente, derrotando o fascismo nas urnas. Mas, não nos enganemos. É necessário também nos prepararmos para uma batalha muito mais árdua que essa: derrotar o fascismo também no campo das ideias.
Só conseguiremos avançar nessa fileira com um verdadeiro projeto popular para a educação brasileira. A solução parece ser simples, mas não é. Independente de Bolsonaro, Paulo Freire continua sendo nosso patrono da educação. Apesar dos ataques, temos sua teoria como referência de inúmeras leis e normativas do Ministério da Educação (MEC), temos muita gente na gestão pública educacional usando sua teoria. O que precisamos agora é de um programa de educação popular sendo aplicado na prática nas escolas públicas e nas universidades e institutos federais.
Do período de redemocratização até o golpe de 2016, tivemos uma série de avanços em termos de legislação e de inclusão de direitos que foram conquistados com muita luta estudantil e dos sindicatos da categoria. No entanto, paralelo a esse processo, tivemos também o avanço do capital no mercado da educação. Nesse modelo, é cortado o pensamento crítico, a humanização das relações, o debate de raça, gênero e classe.
Enraizada no nosso sistema de ensino público, temos uma prática educacional que valoriza a concorrência, o individualismo, o empreendedorismo como solução mágica para a crise e a inovação fruto unicamente da criatividade pessoal. As consequências desse modelo educacional são variadas.
Em um momento como esse, quando vivemos uma crise econômica, o povo brasileiro é ensinado que as dificuldades financeiras, o desemprego e o subemprego não são problemas estruturais de nossa sociedade e do capitalismo, sendo problemas individuais. Se a pessoa não está empregada, é porque ela não é capaz. São inúmeros os desdobramentos maléficos que essa falsa culpa traz.
Essa educação individualista no cenário de ascensão do fascismo se torna, não somente ineficaz em combatê-lo, como também o alimenta. Por isso que, na batalha das ideias contra o fascismo, é estritamente necessário ampliarmos a nossa capacidade enquanto esquerda, dentro ou fora do governo, de fazermos o trabalho de base e de formação política a partir da perspectiva crítica freireana. Tenho total confiança que iremos, com muito trabalho, eleger Lula presidente e, a partir disso, educar o povo brasileiro, pautando a auto-organização e a luta por seus direitos.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga