Pernambuco

ABOLIÇÃO

Artigo | 13 de maio não é dia de negro!

"O racismo é, desde 1500, um dos principais pilares da manutenção do poder do Estado brasileiro"

Brasil de Fato | Recife (PE) |
"A abolição veio da mesma forma que o Estado brasileiro foi construído: com derramamento de sangue e muita luta" - Foto: Carl de Souza/AFP

O dia da abolição do sistema escravocrata brasileiro, 13 de maio, se tornou popular como muitas das histórias que contam sobre a população negra e os povos originários nesse país, por ser uma mentira. O Brasil é um país de falsos heróis e salvadores, um país de colonizados que precisam ser salvos e esclarecidos. Qual história melhor para dar um desfecho a mais de 300 anos de genocídio, violência e epistemicídio, do que a de uma mulher branca portuguesa que se solidarizou com a situação do negro brasileiro e os libertou?

Não há abolição da escravidão e construção da República Federativa Democrática brasileira enquanto o racismo, a exploração e o apagamento da história do povo negro e dos povos originários for o principal nutriente que alimenta o Estado. Da mesma forma que, atualmente, não pensamos na construção de possibilidades e mudança para qualquer grupo social sem políticas públicas que os dê condições para tal. 

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Isabel sabia que apenas propor uma lei que dizia que o povo negro não era mais escravo não era o suficiente para, de fato, libertá-los, e assim o foi, garantindo a manutenção de uma estrutura de mão de obra baseada na precariedade e análoga à escravidão, mantendo o bom funcionamento do sistema econômico colonial. 

Gilberto Freyre também sabia disso e, ainda assim, foi dissimulado o suficiente para dizer em “Casa Grande & Senzala” que o Brasil era um país que negros, indígenas e brancos viviam em harmonia, causando espanto quando Abdias Nascimento, em “O Genocídio do Negro Brasileiro”, o contesta, trazendo o mito em torno da democracia racial, escancarando o Brasil que se cala.

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A harmonia a que Gilberto Freyre se refere pode ser visualizada quando analisamos que o Brasil tem mais da metade da sua população negra e parda e somos minoria, chegando a menos de 1% em algumas Câmaras Municipais e Estaduais. 

A harmonia a que ele se refere diz respeito a população negra ser a maioria nos piores índices e indicadores sociais, de acordo com o IBGE, quando olhamos para fome, desemprego, analfabetismo, encarceramento e insegurança alimentar. E somos minoria em todos os espaços de poder e de tomada de decisões, assim como nas universidades, mesmo depois de 10 anos da efetivação da Lei nº 12.711/2012, que garante a reserva de cotas raciais nas instituições de ensino superior.

O Movimento Negro brasileiro afirma: 13 de Maio não é dia de Negro! Como pode ser um dia que referência o nosso povo, se não se fala de Luís Gama como um dos grandes abolicionistas brasileiros ou dos vários quilombos e movimentos abolicionistas negros construídos em todo o Brasil? Como podem querer que uma data que foi criada para homenagear uma escravocrata, que assinou a Lei Áurea, por interesses políticos portugueses, seja celebrada pela população negra como um dia de luta do nosso povo em diáspora?

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A abolição veio da mesma forma que o Estado brasileiro foi construído: com derramamento de sangue e muita luta. Não foi pedindo licença que a população negra e o Movimento Negro organizado conseguiu qualquer coisa nesse país.

Neste 13 de Maio de 2022, em um ano eleitoral difícil, é importante escurecer qual o papel de toda sociedade em entender que o antirracismo é uma prática cotidiana, não uma publicação no 20 de Novembro ou num grito “Marielle, presente!”. Que não utilizem os nossos corpos para camuflar o racismo que os estruturam. 

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O racismo é, desde 1500, um dos principais pilares da manutenção do poder do Estado brasileiro. Colocar a população negra em lugares subalternizados e de silenciamento, é estratégico para a continuidade desse projeto de sociedade colonial, que vem atualizando cada vez mais suas ferramentas de controle e violência. Referenciar nossas lutas, nossa história e todas as nossas conquistas é, finalmente, admitir a construção desse mito abolicionista de 1888 e pavimentar caminhos para a um Brasil em que estejamos também tomando decisões e reescrevendo nossas histórias.

*Myrella Santana é militante da Articulação Negra de Pernambuco, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e é graduanda em Ciência Política pela UFPE.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

 

Edição: Vanessa Gonzaga