O sistema capitalista apresenta a ideia de empreendedorismo como alternativa viável
Recife é a capital mais desigual do país! Esta frase tem ecoado nas nossas cabeças nos últimos meses e nos faz refletir sobre a possibilidade de manutenção da vida e as vias possíveis de tê-la com dignidade. Em uma cidade onde mais de 500 mil pessoas vivem em situação de pobreza com R$ 606,00 ao mês e a cesta básica, segundo o DIEESE, está custando 561,57 para uma pessoa, encontrar alternativas para continuar vivendo é extremamente necessário.
Esta realidade não é diferente nas cidades adjacentes ao Recife. Segundo o Sebrae, em Pernambuco atualmente existe um total de 330.639 microempreendedores individuais (MEI). Ou seja, pessoas buscando criar possibilidades diante da precarização da vida que tem sido imposta aos pernambucanos. Quanto mais a vida aperta, mais pessoas passam a empreender.
Apesar de ser frequente ouvirmos falar que o empreendedorismo estaria fora da dinâmica capitalista, sabemos que este tipo de relação social de trabalho é uma criação própria do sistema capitalista.
Segundo Márcia de Paula Leite e Raquel Oliveira Lindôso, no Dossiê Alternativas Infernais: uma análise sociológica do Empreendedorismo (2022), no cenário atual do capitalismo em sua fase neoliberal mais extremada a retórica empreendedora ganha força e é celebrada. Poderíamos dizer que é uma repaginação dos anos 1990, momento de agudo desemprego e crise social, em que muitas trabalhadoras e trabalhadores enveredaram por este tipo de iniciativa.
Porém, alguns elementos da formação social brasileira, tais como a tardia e incompleta abolição da escravatura em que o contingente populacional de libertos não foi incorporado ao mercado formal de trabalho, assim como a segmentação por raça e sexo diante este mesmo mercado, consequente das estruturas do racismo e patriarcado na realidade brasileira.
Sendo assim, empreender relaciona-se, também, com práticas tradicionais e ancestrais de lógicas produtivas criadas como alternativas àquelas postas pelos sistemas que organizam as sociedades. Informalidade, empreendedorismo, negociação, viração, são termos que estão relacionados às populações que participam da dinâmica capitalista, a partir de suas margens.
Ao gerar as desigualdades sociais, a pobreza e a precarização da vida, o sistema capitalista apresenta a ideia de empreendedorismo como alternativa viável ao problema que ele mesmo gerou. Ou seja, quanto maior a vulnerabilidade imposta, mais se fomenta a ideia da necessidade de que se encontre sozinho, através do empreendedorismo, solução para o problema gerado coletivamente pelos exploradores da classe trabalhadora.
Organizações populares têm se colocado a tarefa de intervir no agravamento das condições de vida da classe trabalhadora e dos próprios militantes e, muitas iniciativas têm sido gestadas, como a construção de cozinhas populares, bancos de alimentos, hortas agroecológicas, doação de cestas básicas.
O Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), tem experimentado cada uma dessas alternativas, assim como experimentando-se na criação de Pontos Populares de Trabalho. Diferentemente do modelo de empreendedorismo individual, competitivo e meritocrático, dez mulheres do bairro de Peixinhos, no município de Olinda, se juntaram para produzir saúde, autonomia econômica, soberania alimentar e troca afetiva nesta atividade crucial que é o ato político de alimentar-se.
Durante o mês de maio, a equipe do Afetivas – Marmita Saudável está se formando diante as diversas temáticas transversais à produção de alimento saudável e no mês de junho inaugura uma diferenciada proposta de comercialização de marmitas congeladas saudáveis, nutritivas e a preço acessível à população do bairro. Elementos comportamentais, afetivos e territoriais têm sido considerados na construção do cardápio, nome e local do estabelecimento.
O movimento vem se propondo a fazer uma análise do atual cenário econômico do país e sobretudo da região metropolitana do Recife e, vislumbrar, quando possível criá-las, novas percepções sobre o trabalho, emprego, geração de renda e autonomia do tempo com atividades relacionadas à reprodução social.
Além do estudo sobre a trajetória histórica da pobreza e das condições de trabalho no estado de Pernambuco no último período, estamos buscando intervir na dura realidade que hoje milhares de famílias atravessam, mesmo sem saber como e nem para onde. Com essa modalidade que aqui adjetivamos de Empreendedorismo Popular buscamos a ressignificação do termo a partir de uma prática de desenvolvimento de alternativas econômicas por via associada, coletiva e de base feminista, antirracista e popular.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga