Não durou nem três meses o sossego após o arrefecimento da epidemia da influenza H3N2 até uma nova questão de saúde voltar a preocupar pais e cuidadores. Com sinais de resfriado, cansaço e com saturação em queda, a recém-nascida Liz, de 4 meses, precisou ser levada a dois hospitais da rede particular no Recife até conseguir atendimento médico no Recife. O primeiro estabelecimento estava com o plantão da ala pediátrica fechado por superlotação; e, no segundo, encararam 2h30 de espera com 90% das crianças da fila também apresentando sintomas respiratórios, estima a fisioterapeuta Danielle Paes, 35, mãe de Liz.
"Angustiante ficar com um bebê de 4 meses esse tempo todo. Foi necessário meu marido ficar com ela do lado de fora para evitar mais exposição, enquanto eu fiquei dentro da emergência aguardando a vez dela", conta. O caso aconteceu no fim de abril, e, de lá para cá, todo o estado de Pernambuco tem visto crescer os números de quadros de doenças respiratórias em crianças e bebês - e o motivo pode ter a ver com o isolamento social motivado pela pandemia da covid-19.
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Segundo informações da Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco, a taxa de ocupação geral dos 233 leitos para bebês e crianças com síndrome respiratória aguda grave (SRAG) da rede pública está em 75%. Nas unidades de terapia intensiva (UTI), o índice chega a 93%, e, nas enfermarias, a 59%. Os dados mais recentes da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado, consultados nesta terça-feira (17), mostram que há 65 crianças com casos de SRAG na fila de espera por leito de UTI infantil e mais 5 bebês para a UTI neonatal.
Qual seria a causa?
Entre os pacientes pediátricos internados com SRAG na rede pública, menos de 2% é por covid-19, predominando casos causados por outros agentes infecciosos, informou a SES. A pasta também ressaltou que o Estado vive o período de sazonalidade de doenças respiratórias - isto é, estação em que há maior ocorrência de enfermidades específicas.
Rinovírus, metapneumovirus, vírus respiratório sincícial - que está mais intimamente associado à bronquiolite em menores de 1 ano -, adenovírus, bocavírus são uns dos que vêm sendo observados, segundo a vice-presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco (Sopepe), Rita Brito.
“[Esses vírus] ocorrem de forma sazonal, que aqui no Nordeste é de meados de março até início de junho. Habitualmente temos aumento na frequência de doenças respiratórias na faixa etária pediátrica”, explica a médica.
Mas a pediatra destaca ainda que a incidência dessas doenças está acima do que ocorre anualmente, até mesmo que no período pré-pandemia, de modo que a sazonalidade não abarca em totalidade o fenômeno. É possível que o aumento de casos esteja relacionado com a saída do lockdown, conforme as crianças retornam para as atividades presenciais e se expõem aos patógenos pela primeira vez.
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Isso é sugerido porque faixa etária geralmente acometida é de até três anos; desta vez, há um aumento de casos também em crianças de quatro e cinco anos. “Como as crianças passaram cerca de dois anos sem exposição a esse vírus, então as crianças menores de 5 anos estão sendo expostas pela primeira vez, e as crianças de 3 anos ou menos também estão sendo expostas. Houve uma somação no número de crianças que estão adoecendo por doenças respiratórias. É muito provável que isso seja responsável pelo aumento tão significativo de doenças respiratórias em crianças abaixo de cinco anos”, contextualiza.
Para esses vírus, não há vacina. Mesmo assim, é possível fortalecer o sistema imunológico protegendo-o contra outras doenças. "As medidas mais importantes para evitar que as crianças adoeçam é atualizar o calendário vacinal e comparecer às campanhas de vacinação (de coronavírus e da gripe), neste momento sobretudo”, pontua.
Ela também elenca a importância de se imunizar contra outras doenças respiratórias importantes (como pneumococo, difteria, coqueluche e sarampo) que podem retornar caso não haja adesão em massa da vacinação - possibilidade que tem deixado médicos em alerta.
“Evitar lugares aglomerados, ambientes fechados, com circulação de muitas pessoas também são medidas interessantes para reduzir o risco de adoecimento respiratório”, conclui.
Os casos de SRAG em crianças não foram registrados apenas em Pernambuco, mas foram observados também nos demais estados. Em nível nacional, os boletins do INFOGripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicados semanalmente, vêm apontando para a queda nos casos pediátricos, ao mesmo tempo em que sinalizam para um aumento em pacientes adultos - esses associados a quadros leves da covid-19 - em 17 estados. Pernambuco ainda está fora da lista, mas, no recorte das capitais, Recife aparece como uma das 17 que apresentam indício de crescimento na tendência de longo prazo.
Novos leitos
Frente ao incremento na demanda, a SES está no processo de abertura de 80 novos leitos pediátricos de terapia intensiva na Região Metropolitana do Recife (RMR), praticamente dobrando a capacidade atual. O anúncio foi feito pelo secretário da pasta, André Longo, nessa quarta-feira (18).
A soma conta com os primeiros dez leitos abertos na semana passada no Hospital e Maternidade Santa Maria, em Araripina, no Sertão. Mais 10 vagas foram criadas nessa terça-feira (17) no Hospital Eduardo Campos, em Serra Talhada, na mesma região do Estado.
Nesta quinta-feira (19), mais 30 leitos começam a ser implantados, nas seguintes unidades de saúde: UPAE Goiana (10), na Zona da Mata Norte; no Hospital Regional de Palmares (10), na Mata Sul; e na Maternidade Brites de Albuquerque (10), em Olinda, Grande Recife.
Os próximos 30 deverão ser abertos até o início da próxima semana, no Hospital Maria Lucinda (10), no Recife; no Hospital Memorial Guararapes (10), em Jaboatão dos Guararapes; e no Hospital Jesus Pequenino (10), em Bezerros, no Agreste.
O secretário também divulgou que oito leitos de enfermaria do Hospital Maria Lucinda ganharam suporte ventilatório.
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Já haviam sido abertos, desde o ano passado, mais de 30 leitos de UTI para esse público - considerando os 10 recém-inaugurados em Araripina -, de modo que o volume de vagas já havia crescido 60%, passando de 57 para as 106.
"O número de solicitações de UTI para crianças teve aumento de 3 vezes em comparação ao período sazonal do ano passado. E isto é algo que extrapola qualquer planejamento. Neste cenário, o governador Paulo Câmara determinou a abertura de todos os leitos necessários. E, mesmo com a escassez de intensivistas pediátricos e neonatais – realidade de todo o país -, vamos abrir em duas semanas 80 novos leitos, praticamente dobrando novamente a capacidade de terapia intensiva para crianças", afirmou o secretário na coletiva de imprensa.
Segundo ele, no período de sazonalidade das doenças respiratórias de 2021, o Pernambuco tinha, em média, 53 solicitações por leitos de UTI infantis por semana. Só na semana passada, foi o triplo: 150.
A pasta informou que em crianças de até 2 anos de idade, o vírus sincicial respiratório (VSR) corresponde a mais de 40% dos quadros. Nas crianças maiores, predomina o rinovírus humano (HRV), responsável por 20% dos casos na faixa etária entre 3 e 5 anos e 66% na de 6 e 9 anos.
Reforço de profissionais
Nesta quarta-feira (18), foi publicada no Diário Oficial do Estado a nomeação de 369 profissionais de saúde concursados, sendo 72 médicos, 129 analistas em saúde (profissionais de nível superior), 166 assistentes em saúde (profissionais de nível médio), e dois fiscais de vigilância sanitária. Dos médicos, 14 são pediatras e 46 são fisioterapeutas, que serão chamados para reforçar os plantões em unidades de referência em pediatria.
A SES também autorizou o reforço nas escalas de plantão de pediatria e de fisioterapia nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) estaduais. Em parceria com a Sopepe, irá fazer uma capacitação com os trabalhadores da rede estadual no sentido de "garantir uma maior qualidade no atendimento e mais segurança na assistência", comunicou em nota a pasta.
Edição: Vanessa Gonzaga