TRANCAR NÃO É CUIDAR

Vozes Populares | Núcleo de luta antimanicomial em PE trava embate com comunidades terapêuticas

Cuidado para pessoas em sofrimento mental e usuárias de álcool e outras drogas deve ser em liberdade, afirma psicóloga

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Conheça o Libertando Subjetividades, núcleo de luta antimanicomial em Pernambuco - Foto: Libertando Subjetividades/Divulgação
A gente acredita em um cuidado em liberdade, na política de redução de danos e no cuidado ampliado

“Manicômios nunca mais”: é isso que a luta antimanicomial no Brasil tem buscado desde o seu surgimento, na década de 1970. Quem defende esse pensamento, enfatiza que o cuidado com as pessoas em sofrimento mental e usuários de álcool e outras drogas deve ser em liberdade, com serviços abertos, comunitários e dentro do próprio território. 

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Historicamente, essas pessoas têm recebido tratamentos com práticas violentas, invasivas e têm sido afastadas do seu convívio social.  Com a Reforma Psiquiátrica brasileira, em 2001, os manicômios passaram a ser substituídos pelos serviços comunitários de saúde mental. Essa conquista trouxe a compreensão de que problemas mentais não são apenas diagnósticos psiquiátricos. É preciso entender todo o contexto social e garantir um cuidado individualizado e multisetorial para cada pessoa. 

No entanto, nos últimos anos, a política de saúde mental voltou a ser atacada no país. Isso ocorre, principalmente, durante o governo de Michel Temer e de maneira ainda mais intensa com o governo Bolsonaro, a partir do "Revogaço". Assim ficou chamada uma série de medidas que iam contra a reforma psiquiátrica, com a proposta de revogar cerca de 100 portarias relacionadas à saúde mental. 

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Pioneiro na política de saúde mental no país, Pernambuco dá passos atrás 


Formação interna e planejamento do Núcleo Libertando Subjetividades / Foto: Libertando Subjetividades/Divulgação

Em Pernambuco, o coletivo Libertando Subjetividades é um dos braços que tem travado lutas importantes em nível estadual. O núcleo acolhe pessoas em sofrimento mental, usuários e familiares. Natália Vasconcelos, integrante do coletivo e psicóloga, fala sobre o papel pioneiro que o estado teve quando se trata de política de saúde mental. "Pernambuco ocupou um lugar de destaque no âmbito das leis de saúde mental, porque mesmo quando o Brasil não tinha uma lei própria, que só veio surgir em 2001, Pernambuco já construiu a sua lei em 1994", relembra.

Na lei, havia orientações da substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos e da construção da Rede de Atenção e Saúde Mental. Todavia, a psicóloga lamenta os recentes retrocessos. "Com o passar dos anos, a gente teve perdas e muitos embates. Atualmente a gente tem tido muitos embates com as comunidades terapêuticas. São questões políticas que acabam atravessando o nosso estado e que fazem a gente perder financiamento, investimento e também mobilização", conta. 

Natália Vasconcelos denuncia que as políticas públicas do estado precisam ser reforçadas. Ela cita como exemplo a quantidade de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), na capital pernambucana. Atualmente, Recife conta com 17 CAPs, mas ela afirma que pelo contingente populacional esse número deveria ser bem maior. Além disso, ela aponta que a estrutura precisa ser melhorada e os serviços devem ser ofertados 24 horas por dia, algo que não acontece no momento. 

Comunidades terapêuticas na contramão da luta antimanicomial

As comunidades terapêuticas têm, segundo a psicóloga, ido em contramão do que o Libertando Subjetividades acredita. A maioria dessas comunidades é ligada a grupos religiosos cristãos e trabalha na perspectiva do isolamento e da abstinência. Inúmeras denúncias de violações de direitos humanos têm sido feitas sobre essas comunidades. Assim, é possível ver que mesmo sem os manicômios, a lógica manicomial ainda permanece.

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Ela reforça que essas comunidades não contam com equipe de saúde ampliada como no Sistema Único de Saúde (SUS) e que são geridas, normalmente, além de por igrejas, por instituições que são derivadas de órgãos políticos específicos. "Nós que construímos e pensamos o movimento social da saúde mental, a gente acredita em um cuidado em liberdade, na política de redução de danos e no cuidado ampliado", enfatiza.

A questão é que essas comunidades terapêuticas têm recebido verba pública. "Desde 2016, e enfatizando 2018, a gente teve alguns retrocessos na política nacional que acabaram deixando as comunidades terapêuticas adentrarem a nossa política nacional. Mas Pernambuco fez esse enfrentamento e a gente não permitiu que eles entrassem", explica Natália. 

Apesar dessas comunidades não terem entrado nas políticas de saúde, estão recebendo financiamento de outros setores. Recentemente, o Libertando Subjetividades publicou uma nota de repúdio a um edital publicado pela Prefeitura do Recife que destina verba para as comunidades terapêuticas.

Segundo a nota, "a parceria público-privada (PPP) irá movimentar cerca de R$ 2.448.000,00 dos cofres públicos, mas este recurso não vem da Secretaria de Saúde, pelo contrário, é vinculado à secretaria executiva de Política sobre Drogas (SEPOD), surgida anos atrás quando o PSB assumiu a gestão do município". Esse tem sido um dos principais embates atuais no estado de Pernambuco. O pedido é claro: esse investimento pode e deve ser direcionado para o aprimoramento da Rede de Atenção Psicossocial e de políticas sociais 100% públicas e laicas. 

Libertando Subjetividades: acolhimento e cuidado em Pernambuco 


Usuários na abertura da III Escola de Formação Antimanicomial de Recife e RMR / Foto: Libertando Subjetividades/Divulgação

Em meio a avanços e retrocessos, o Libertando Subjetividades se mantém firme em seu objetivo de servir de acolhimento para as pessoas que precisam de assistência psicossocial. 

Junto à Frente Pernambucana em Defesa da Saúde Mental, lançado em 2020 para blindar o movimento antimanicomial em Pernambuco do "Revogaço", o núcleo organizou a 10ª Semana da Luta Antimanicomial. Dentre as atividades da programação, aconteceu na quarta-feira (18) o "PasseAto", que reuniu, após dois anos de pandemia, movimento populares, usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e profissionais da saúde mental nas ruas do Recife. 

Leia: "PasseAto" marca Dia da Luta Antimanicomial na capital pernambucana nesta quarta (18)

Uma outra ação do núcleo que se destaca são as Escolas de Formação de Luta Antimanicomial, que este ano terá sua quarta edição. "Esse é um trabalho que a gente faz e que nos rende muitos frutos, porque é uma escola que forma os usuários, as usuárias e os familiares pra entender a luta antimanicomial, entender mais sobre saúde mental e discutir seus direitos", partilha a psicóloga. 

A escola é um projeto itinerante que acontece em diversos locais de entidades parceiras da Região Metropolitana do Recife (RMR), como sedes de sindicatos, o Armazém do Campo (do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o Museu da Abolição - Centro de Referência da Cultura Afro-Brasileira. Nátália reforça que tudo é construído com o apoio de muitas mãos. "A gente acaba encontrando novas pessoas que somam à luta", finaliza. 

Para conhecer mais a atuação do Libertando Subjetividades, acompanhe o Instagram: @libertandosubjetividades. Ouça a versão em áudio anexada no início desta matéria. 

Edição: Vanessa Gonzaga