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Grande Recife tem mortos, desaparecidos e mais de 80 quedas de barreira após 3º dia de chuvas

Chuva desta terça (24) foi uma das maiores já registradas desde os anos 1970; aulas foram suspensas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Cenas como esta foram comuns nos últimos dias na RMR, que recebeu em três dias mais da metade das chuvas esperadas para o trimestre - Captura de tela/NETV

Desde a segunda-feira (23) a região metropolitana do Recife tem registrado chuvas intensas, resultantes do encontro da frente fria vinda do sul com um “distúrbio ondulatório” vindo do oceano Atlântico. Já foram registrados mais de 80 deslizamentos nos municípios do litoral pernambucano, resultando em mortes e desaparecimentos, além de feridos. A expectativa da Apac é que as chuvas continuem até o fim de semana, principalmente na Zona da Mata do estado, mas com menor intensidade.

Vários municípios da região metropolitana registraram mais de 150 milímetros cúbicos de chuvas num intervalo de 24 horas entre esta terça (24) e quarta (25). Olinda passou dos 200mm, enquanto no Recife a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) registrou 196mm, o que é a 3ª maior precipitação pluviométrica já registrada na capital pernambucana, atrás apenas de uma chuva em 1970 e outra em 1986.

O segundo trimestre costuma ser o período de mais chuvas na região, mas as precipitações deste início de semana equivalem a mais da metade das chuvas esperadas para o período entre abril e junho. Além de Recife e Olinda, os municípios do Paulista, São Lourenço da Mata e Itapissuma também tiveram precipitações acima de 170mm.

A Apac informa que as chuvas devem seguir até o fim de semana e elevou a situação para “alerta vermelho”, mas pondera que a intensidade das precipitações deve diminuir. Os técnicos da agência apontam a chegada das chuvas na Zona da Mata do estado, onde há um histórico de cheias, especialmente na zona da mata sul. As chuvas também devem alcançar a região leste do Agreste pernambucano, mas dificilmente devem ultrapassar o Planalto da Borborema em direção ao Sertão.

Desabrigados, mortes e desaparecimentos

Em Camaragibe o centro da cidade ficou alagado e houve um incêndio no mercado público, queimando parte dos boxes de comerciantes. O município também registrou 46 deslizamentos de barreira, com cinco famílias desabrigadas. Em Jaboatão dos Guararapes foram registradas 27 quedas de barreiras, mas o município ainda não informou o número de mortos ou feridos.

Em Olinda houve foram contabilizados nove deslizamentos de barreira, dos quais dois deixaram vítimas. No Córrego do Abacate, bairro de Águas Compridas, duas pessoas foram atingidas, uma ficou ferida e um homem de 62 anos faleceu. No bairro Córrego do Abacaxi duas pessoas ficaram soterradas. Até o fim da tarde desta terça, o Corpo de Bombeiros havia confirmado que uma das vítimas está morta e a outra ainda não foi localizada.

Às margens do rio Fragoso, o bairro de Cidade Tabajara, no limite entre Olinda e Paulista, é um dos que sofrem com cheias em período de chuvas. Em alguns trechos o alagamento passa de um metro de profundidade. E o terreiro Ilê Oguian Alobomaxó é sempre afetado. “As casas ficam inundadas e quando a água vai embora, a lama fica. O local onde nossos orixás residem fica em péssimo estado”, lamenta Glayce Silva. “Aparecem cobras, tartarugas, ratos. É muito triste de ver”, completa, em tom de revolta a tristeza, diz ela, que destaca o trabalho comunitário realizado pelo centro religioso.

Glayce reside na Cidade Tabajara há 13 anos e o seu pai, o pai de santo Babá Iguaracy, há 16 anos. Eles já viveram a situação outras vezes, mas é impossível se acostumar a tal condição. “Todo inverno pesado a comunidade toda sofre com esse descaso. Perdemos geladeira, freezer, colchões, lençol... sempre que chove é assim”, denuncia ela em conversa com o Brasil de Fato, mencionando ainda que precisou medicar seu pai para que ele parasse de chorar e dormisse.

Silva afirma que a localidade sequer tem saneamento básico ainda. E o abastecimento de água é de oito em oito dias. “Precisamos armazenar água para tomar banho, usar no banheiro e lavar pratos durante a semana. Mas essas cheias, perdemos a água limpa”. Glayce lembra que uma obra de alargamento do rio Fragoso foi iniciada visando reduzir essas cheias, mas a comunidade não percebeu resultado.

Os alagamentos também se multiplicam por toda a RMR, com trechos críticos em que nem mesmo ônibus conseguem circular. Circulam nas redes sociais imagens que mostram nível elevado de alagamento nos bairros do Ibura e Ipsep, na zona sul da capital; Jiquiá, na zona oeste; Nova Descoberta e Vasco da Gama, na zona norte; mas a cena se repete em diversos bairros de toda a metropolitana.


Quarto que abriga os orixás no Ilê Oguian Alobomaxó; a casa sofre com as chuvas e cobra medidas do poder público / Glayce Silva/arquivo pessoal

Parte considerável do Recife fica no nível do mar ou mesmo abaixo disso, o que dificulta o escoamento da água, especialmente nos horários de maré alta. Vias de grande fluxo como a BR-101 e a PE-15 tiveram trechos de alagamento que impossibilitaram o trânsito de veículos durante boa parte desta quarta-feira. Os terminais integrados de ônibus Pelópidas Silveira (Paulista), Igarassu e Abreu e Lima não funcionaram durante toda a manhã.

As prefeituras do Recife, Jaboatão, Paulista e Itamaracá, além do Governo do Estado, suspenderam as aulas nas escolas da rede pública nesta quarta.

Abrigos

Muitas casas foram tomadas pela água. A Prefeitura de Olinda está com cinco abrigos improvisados em equipamentos públicos. No bairro de Rio Doce há 50 pessoas abrigadas na Escola pro Menor, em Peixinhos há 53 pessoas no Caic, além de 30 pessoas na escola Duarte Coelho, bairro do Carmo. O município também abriu as escolas Claudino Leal (Cidade Tabajara) e José Mendes (Passarinho) para receber a população. As pessoas receberão a alimentação da escola.

O executivo municipal pede doações de alimentos não-perecíveis, material de limpeza, agasalhos, cobertores e lençóis. As doações devem ser levadas entre as 8h e as 17h na Biblioteca Municipal (Carmo), na Secretaria de Defesa Social e Direitos Humanos (Bairro Novo), na Vila Olímpica ou no estádio Grito da República (ambos em Rio Doce).

A Prefeitura do Recife antecipou para esta quarta a abertura do Abrigo Noturno Irmã Dulce, no bairro de São José, centro da cidade. O local pode receber até 100 pessoas sem teto por noite, oferecendo alimentação e kits de higiene pessoal, além de atendimento psicossocial.

Edição: Vanessa Gonzaga