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Homeschooling: educação de e para quem?

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Foi aprovado pela Câmara de Deputados o Projeto de Lei que regulamenta o Homeschooling no Brasil - Governo da Bahia
O homeschooling como mais um passo para desobrigar o Estado do dever de promover a educação

[Audiodescrição: Em fotografia aparece sentado um jovem negro de costas tendo a sua frente um livro e um celular na horizontal exibindo uma lição. A sua direita, a professora , uma mulher de meia idade, branca, aparece em perfil segurando o aparelho celular à frente do jovem. Fim da descrição]

Em tempos de governo Bolsonaro, combater questões que anteriormente pareciam superadas tem sido uma constante: negação da ciência, da humanidade e ataques incansáveis à educação são alguns exemplos.   

No último dia 19 de maio de 2022 foi aprovado pela Câmara de Deputados o Projeto de Lei que regulamenta o Homeschooling no Brasil. Esse projeto tem sido uma das prioridades do governo Bolsonaro em suas pautas ultraconservadoras, porque provoca o afastamento da educação, especialmente, ao quanto esta como prática libertadora pode mediar a vontade de saber, com a de vir a ser. 

Os defensores do PL há anos alegam ser reponsabilidade da escola e dos profissionais da educação os mais diversos problemas estruturais da sociedade, os quais são encabeçados por uma construção social excludente. Os argumentos utilizados colocam seus esforços em ornamentar uma distorção de realidade, a qual, insiste em negar as desigualdades e, por isso, é recebida com grande acolhida pela atual conjuntura que se abastece dos efeitos catastróficos destas. 

Entretanto, se resolver a exclusão fosse uma demanda do Estado orientado pelo modo de produção capitalista, a situação já teria tomado os seus encaminhamentos, no entanto, a opressão é irremediavelmente o principal projeto de estruturação do sistema, o qual, funda suas regras, instituições e, a partir dessas, organizam subjetividades e formas de existência. 

Diante desse contexto, os direitos sociais, sempre em risco na sociedade capitalista, precisam estar sendo constantemente reafirmados e materializados. A preocupação de um governo minimamente democrático deveria estar lançada ao combate do analfabetismo, falta de escolas, estruturas precárias, professores mal remunerados, violência, ou seja, problemas de ordem social que deveriam estar muito à frente da fila de apreciação e defesa dos três poderes, em detrimento a demanda de um pequeno grupo conservador o qual sobrevive, como diria Paulo Freire: “do gozo ilegítimo que deram a si mesmos”. 

Diante disso, às pessoas com deficiência seguem tendo os seus direitos atacados, visto que o acesso recente dessa parcela da população à escola e a permanência através das adaptações necessárias ao campo da educação têm sido usurpadas pelo mesmo governo que diz levantar as bandeiras da acessibilidade e dignidade destes sujeitos, desvelando assim que, o objetivo, na verdade, é manter o isolamento, prisão, exclusão, estranhamento e medo diante da reafirmação de uma construção social que nega o direito dessas pessoas de “existir”.

Como disse Mariana Rosa em texto nas suas redes sociais: “Não há cidadania sem vida na sociedade e o homeschooling não é vida pública, é vida privada. Aquela que foi por anos e anos a única experiência possível para as pessoas com deficiência, por exemplo”. Assim, não causa estranheza a iniciativa ao retorno das instituições assistenciais especializadas em 2020 - arbitrariamente chamadas de escolas -  que ainda se encontra em apreciação. Também faz bastante sentido o homeschooling como mais um passo para desobrigar o Estado do dever de promover a educação. 

Se já havia uma problemática enorme quanto à proposta de uma Educação Inclusiva consistente, atualmente o que temos é a iminência de uma quarentena permanente para as pessoas com deficiência, as quais na encruzilhada das contradições econômicas, sociais e culturais segue sendo uma grande parcela da população extremamente vulnerabilizada e, consequentemente, morta.

Diante do argumento da precarização da educação, os defensores do homeschooling falam sobre a proteção às crianças e jovens, no entanto, o Atlas da Violência de 2021 comprova que: “a violência doméstica é a principal situação envolvendo violência contra pessoas com deficiência, atingindo sobretudo as mulheres. Os dados de 2019 para os grupos de "contexto/autoria" indicam, em termos gerais, que a violência doméstica representava mais de 58% das notificações de violência contra pessoas com deficiência, seguida pela comunitária (24%)”.

Ou seja, a proteção defendida pelo grupo de conservadores pode, de maneira recorrente, se materializar em desamparo e prisão, evidenciando faces cruéis de nossas relações históricas constantemente desvirtuadas como falsas, perfeitamente compatíveis com um governo que se mantém diante da perpetuação – não ingênua – do fake. 

Finalizo mais uma vez com as contribuições de Mariana Rosa: “quando tudo se reduz ao campo doméstico, nenhuma variação de ser e estar no mundo, de modo de vida, de prática do cuidado é permitida. Sem o debate público e a transformação do conhecimento que acontece na escola, na interação com os pares, nenhuma transformação de mundo é concebida, sonhada. A escola é o lugar onde a gente firma o compromisso com a coletividade”. 

Não ao PL 2401/2019! Não ao homeschooling!

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

 

Edição: Vanessa Gonzaga