Por volta das 16h do dia 06 de maio, os moradores das Palafitas do Pina, na Zona Sul do Recife, foram surpreendidos por um incêndio que rapidamente tomou conta das moradias e os deixou desabrigados. No cadastro realizado pela prefeitura, foram 180 famílias que perderam tudo. Nas mesas de negociações entre as famílias, movimentos populares e a administração pública, foi estipulado o pagamento de uma parcela única de indenização de R$ 1.500 até o fim de maio e de auxílio moradia mensal de R$ 200 a partir de junho.
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Os valores, para muitos, parecem insuficientes para se reconstruir a vida na capital que só perde para São Paulo como tendo o aluguel mais caro do País. A locação do metro quadrado custa em média R$ 38,11 no Recife, segundo o índice Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) Zap+ mais recente.
Passados alguns dias depois do incidente, a moradora Valdéria Santana encara, através da janela da Cozinha Solidária das Palafitas, a paisagem desolada pelo fogo. É perto da hora do almoço, e ela tem as mãos ocupadas com o descascar dos ovos cozidos que serão servidos na próxima refeição. O dia em que a reportagem visitou o local foi o seu primeiro dia de volta como cozinheira voluntária no equipamento montado por movimentos populares onde se preparam marmitas para as famílias; antes disso, o sentimento de dor e perda era forte demais para retornar.
Ainda assim, as lágrimas não deixaram de escapar enquanto ela recordava as lembranças daquela noite. “Eu tinha saído no dia do ocorrido e, quando cheguei, encontrei minhas coisas queimadas. Você não sabe a dor que a gente sente de construir, de gastar sem ter e ver tudo destruído pelo fogo”, lamentou.
Valdéria morava já há cerca de quatro anos na comunidade, onde sustenta cinco filhos - sendo a mais velha de 16 anos e o mais novo de 1 ano e 4 meses - com o benefício do Bolsa Família e, agora, do Auxílio Brasil de R$ 400, que enecerra em dezembro. “Sentimento de dor. Lutar para ter as coisas, suar que só para construir esse pedacinho para ter onde morar e o fogo destruir tudo. Minhas filhas também ficaram muito magoadas, foi muito sofrido”.
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A moradora compõe uma das 180 famílias cadastradas para o recebimento dos auxílios. Enquanto aguarda o pagamento, ela e os filhos se dividem entre casas de parentes. Essa é a realidade de boa parte dos que perderam tudo no incêndio: morar de favor, pelo menos temporariamente.
Sem moradia e sem fonte de renda
É o caso da marisqueira Vilma Costa, de 60 anos, abrigada por enquanto na casa de uma amiga vizinha cuja casa é de alvenaria e não foi afetada. A casa de Vilma foi uma das primeiras a pegar fogo - ela catava sururu na maré quando as chamas consumiram os barracos. “Eu perdi foi tudo, não foi nem em minutos, foi em segundos”, contou.
A situação da moradia a preocupa. Por ter na atividade da pesca sua fonte de renda, Vilma não quer ir para muito longe. Mas o levantamento de preços que fez nas comunidades do entorno mostram que o custo da locação de um imóvel está muito superior a R$ 200. “Um aluguel é quanto? R$ 500, R$ 600. Eu não posso sair daqui para outro canto porque minha área de serviço é aqui”, disse.
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É a mesma situação que passa o pescador Misael Fernandes, 56 anos, que morava há oito anos na comunidade. Na ocasião, só salvou metade dos documentos. Todo o resto se foi: guarda-roupa, cama, geladeira e o freezer cheio de mercadoria.
Além do emocional, Misael não teve condições de voltar a trabalhar porque perdeu também o material de trabalho, como galés, peneiras e tela de marisco e sururu. A possibilidade de ter que se mudar para longe da maré também o assusta. “Aqui é minha área. Eu indo para outro lugar não tenho como ter minha pesca. E aí, vou sobreviver de quê? Emprego está difícil”, afirmou.
Valores insufiecientes
Dado o contexto em que vivem as famílias, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), Renan Castro, critica os valores de indenização e auxílio propostos pelo município. “A prefeitura deveria editar um novo decreto que pudesse regulamentar diversas medidas de proteção para as famílias - dentre elas, uma indenização de maior valor que pudesse, sim, conferir às famílias poder de compra para que tenham condições mínimas de estrutura em casa de parente ou em casa que consigam alugar”, defende o advogado.
A última vez que a Prefeitura do Recife aumentou o auxílio-moradia para famílias removidas de suas habitações em situação de vulnerabilidade social ou de risco foi em 2013, por meio do decreto nº 27.286 que alterou o valor anterior de R$ 151. Desde então, esses benefícios eventuais concedidos estão congelados em R$ 200. Para se ter ideia, o salário mínimo custava R$ 678 em 2013. Hoje, R$ 1.212. Em abril daquele ano, o preço da cesta básica era R$ 298,35, segundo o Dieese. Hoje, R$ 582,74. O custo de vida subiu, mas o benefício, não.
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Renan Castro classifica o valor de R$ 200 como irrisório. “Além de ser extremamente paliativo, o auxílio-moradia não resolve nem aquilo a que se propõe, que é uma situação temporária de famílias em situação de desabrigo”, explicou.
Ele critica ainda a forma como o benefício vem sendo usado pela Prefeitura do Recife. “Aquilo que seria política provisória virou uma espécie de programa de governo das últimas gestões”, falou. “A gente tem notícia que tem famílias há 12, 16 e até 18 anos no auxílio moradia”, complementou, afirmando que a política habitacional do Recife começou a sofrer um desmonte pelo menos desde 2009.
A reportagem procurou a Prefeitura do Recife, que afirmou em nota que “os valores dos auxílios (pecúnia e Auxílio Moradia) são valores previstos por instrumentos legais do município, regulamentados por decreto e lei” e que “a comissão de moradores das palafitas do Pina concordaram com o pagamento do auxílio”.
A lista com os nomes dos moradores beneficiados já foi publicada no Diário Oficial do Município. O órgão informou também que “foi pactuado que, após o pagamento da pecúnia, o local será desocupado”.
Edição: Vanessa Gonzaga