Passou-se um mês desde que um incêndio destruiu parte das palafitas construídas por baixo da Ponte Governador Paulo Guerra, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife, no dia 6 de maio. Desde essa quarta-feira (8), a equipe da Diretoria de Limpeza Urbana da Prefeitura do Recife iniciou o trabalho de desocupação da área. Os moradores deixaram a comunidade com a promessa de que seriam indenizados pelo município; no entanto, enquanto 187 famílias foram contempladas, outras denunciam não terem sido incluídas no cadastro. Cerca de 50 pessoas, como Iaramir Oliveira dos Santos, de 39 anos, perderam suas casas e relatam não contar com qualquer aporte financeiro para refazer suas moradias ou alugar um imóvel.
Iaramir sente que teve um sonho destruído. “Se a gente morava ali, é porque precisava. Precisamos de uma casa, um teto, um lar. É um sentimento de perda. Querendo ou não, esse era o meu lar”, lamenta. Iaramir deixou, na última sexta-feira (3), o barraco em que morava desde 2014 com a filha de 10 anos. Agora, está vivendo de favor na casa de um parente na comunidade do Coque, na área central da capital.
Leia também: É possível construir uma casa com R$1.500? Esse é valor da indenização após incêndio no Recife
A prefeitura concedeu, ainda em maio, R$ 1.500 de indenização por pecúnia para as 187 famílias. Quem tinha casa de alvenaria vai receber mais outro montante referente ao imóvel, definido a partir de avaliação do bem. A partir deste mês, a administração passará a pagar também um auxílio-moradia mensal de R$ 300 por tempo indeterminado. Esse último valor é uma conquista dos moradores, movimentos populares e organizações da sociedade civil que pressionaram pelo aumento do benefício anunciado no mês passado de apenas R$ 200.
Mas nem a isso alguns tiveram direito. “Se tivessem colocado a gente nesse auxílio, a gente tinha como pagar um aluguel. E agora, como a gente pode pagar um aluguel?”, questiona a Iaramir, que está desempregada.
Antes do incêndio, Iaramir trabalhava sem carteira assinada em um restaurante self-service. Depois do incidente, teve que se ausentar tantas vezes do expediente para tratar das questões envolvidas com a ocorrência que o bolso pesou: o empregador descontava R$ 50 por cada falta, e ela precisou deixar o serviço. Agora, depende integralmente do benefício do Auxílio Brasil, que corresponde a R$ 400 por mês. “Esse dinheiro só dá para as despesas da minha filha”, fala.
Sem esperanças de que a prefeitura vá resolver por conta própria, ela e outros moradores da comunidade que dizem estar na mesma situação planejam contratar um advogado para ir atrás do direito. “A gente paga ele com o que for receber”, conta.
A lista das 187 famílias contempladas foi elaborada com base nos cadastros realizados no ano passado e no dia do incêndio pela Secretaria Executiva de Defesa Civil, com contribuição de comissão formada por líderes comunitários e moradores.
Inicialmente, os auxílios, bem como as doações de cestas básicas e colchões, seriam destinados somente a quem teve a palafita consumida pelo fogo. Depois que a prefeitura decidiu pela remoção da comunidade inteira, ficou acordado que todas as pessoas que habitavam na área teriam direito aos benefícios eventuais.
Como Iaramir não perdeu a moradia para as chamas, só passou a estar apta à compensação nesse segundo momento. No entanto, ela diz que estava trabalhando quando foi realizado esse outro levantamento, e não teve o nome colocado. “Eu tenho documento, tenho foto, tenho tudo [que prova que era moradora]. É horrível. É pior ainda porque sei que tiveram pessoas que nunca moraram lá e também ganharam. Botaram outras pessoas que não tinham nada a ver”, queixa-se.
Leia também: Em crise habitacional, Recife tem conjuntos com obras paradas e sem previsão de entrega
Membra da comissão que tratou diretamente com a prefeitura, Elisângela Maria Gomes, de 42 anos, faz a mesma denúncia. “Pessoas que não moravam na comunidade, que nunca conviveram lá dentro, chegaram e saíram atropelando todo mundo. Quem tinha moradia não teve [direito à indenização], e quem nunca morou teve”, afirma.
“Fizeram um mau trabalho, um mau serviço, e saíram prejudicando todo mundo. Teve família que deu os documentos para um líder [comunitário] - e diz ele que a prefeitura resolveu -, mas depois não estava na lista."
Assim como Iaramir, outros que ficaram de fora também possuem comprovante de residência e imagens que atestam sua habitação, segundo Elisângela.
É o caso dos parentes de Elisângela. "Minha família - meu tio, a sogra do meu filho, minha sobrinha, meus sobrinhos - tinha barraco lá e tem como comprovar. Ficaram de mãos atadas porque não tiveram direito à moradia, nem a entrar no auxílio-moradia, e nem aos R$ 1.500 para alugar um canto para morar. Foram tudo para casa de familiar, foram invadir outro canto, porque ninguém vai ficar na rua. Tem que fazer sua habitação”, expressa.
Leia também: Após incêndio, moradores das Palafitas do Pina fazem ato e se reúnem com Prefeitura do Recife
Elisângela não vivia mais na comunidade, porém era coordenadora da Associação de Mulheres local. Nessa quarta-feira (8), ela e outros moradores expuseram seus relatos em reunião realizada no plenário do Anexo da Câmara dos Vereadores do Recife.
A audiência foi convocada pela presidente da Comissão de Direitos Humanos, a vereadora Michelle Colins (PP), e teve participação dos vereadores Ivan Moraes (PSOL), vice-presidente da Comissão; Joselito Ferreira (PSB), membro-titular da Comissão; Felipe Alecrim (PSC); Alcides Cardoso (PSDB); e Eriberto Rafael (PP), primeiro-secretário da Casa.
Câmara dos Vereadores vai pedir à prefeitura que escute moradores
Em entrevista ao Brasil de Fato, Michelle Colins informou que os parlamentares produziram um requerimento que recomenda que a Prefeitura do Recife escute essas pessoas e analise cada caso. O documento deverá ser votado até a próxima terça-feira (14), de acordo com a vereadora.
“Pegamos todos os nomes, número de documento, e a demanda de cada um. [Foi] uma média de 50 pessoas que dizem que não foram contempladas”, afirma. “A maioria deles diz que até tinham o nome do cadastro. Algumas pessoas dizem que ficaram tranquilas, porque viram a cesta básica e o colchão, e que o nome estava na lista, mas na hora de receber o valor [do auxílio-moradia] e a pecúnia, não estava nessa outra lista. Houve um desencontro de informações”, elenca.
Ela lembra ainda que tem outros casos particulares, como o de pessoas que moravam de aluguel no barraco e que se sentiram injustiçadas pelo fato de o cadastro só ter incluído o proprietário. “Demos o encaminhamento para que a prefeitura possa dar uma resposta. O objetivo é que se veja cada queixa de cada morador”, avalia.
Michelle Colins comentou também que havia questionado a prefeitura sobre o assunto na semana passada. “Eles disseram que o assunto já estava encerrado, que tinham dado para quem tinha que dar. (...) Mas eu disse que pode ter havido algum equívoco, e que a gente não pode deixar de ouvir essas pessoas de jeito nenhum. Foi quando o próprio secretário de Governo [Carlos Muniz] orientou fazer a lista com os nomes [das pessoas que ficaram de fora]. Abriu-se essa oportunidade e foi unânime essa decisão de pegar esses nomes, todos vão assinar o requerimento. A gente quer justiça, que cada um ouvido e tenha seu direito”, fala.
O que diz a Prefeitura do Recife
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Habitação do Recife respondeu em nota que “a definição das 187 famílias beneficiadas foi feita com base em cadastramento realizado no local”. Também disse que, com o pagamento da pecúnia (R$ 1.500), “as pessoas que viviam em palafitas deixaram o local e retiraram seus pertences. Elas foram morar em casas de parentes e amigos. Com isso, desde o início desta quarta-feira (8), em comum acordo com os moradores, trabalhadores da Diretoria de Limpeza Urbana do Recife iniciaram a operação de retirada dos materiais das palafitas”.
“Permanecem na comunidade apenas 42 famílias que moram em casas de alvenaria. Esses moradores, que também foram beneficiados com R$ 1.500,00 e o auxílio-moradia, começam a receber, a partir da próxima sexta-feira (10), as indenizações pelas benfeitorias realizadas nos imóveis, baseada nos laudos técnicos emitidos pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB). Após o pagamento, essas moradias serão demolidas e as pessoas serão direcionadas para casas de parentes”, informa.
A gestão lembrou que após o pagamento das indenizações irá “construir, em diálogo com a comunidade e a associação de moradores, um projeto de urbanização que prevê um espaço de convivência na localidade, que envolva economia criativa, educação, cultura e geração de emprego e renda, reforçando a vocação econômica pesqueira da área.”
Edição: Elen Carvalho