As festas juninas revelam que nosso povo tem, quando deseja, grande capacidade de se organizar.
Depois de dois anos sem poder celebrar as festas juninas, mesmo com certo risco e em meio a notícias sobre novo surto de covid por várias regiões do Brasil, povo e prefeituras se organizam para festejos juninos que marcam essa época. No Nordeste, onde ainda prevalecem costumes como fogueira e danças caipiras, muita gente se pergunta o que tem a ver Santo Antônio com fogueira, ou porque no 29 de junho, celebram São Pedro e esquecem São Paulo, que a Igreja também comemora no mesmo dia.
Na verdade, os festejos juninos têm origens pré-cristãs nas mudanças de estação. Na Bolívia, Peru e Equador, os índios festejam o ano novo andino. No Brasil, há comidas típicas de cada região. No Sul, os índios Guarani têm festas próprias para esta época na colheita do mate e de um tipo próprio de milho. Com a colonização dos povos, o Cristianismo foi imposto e essas festas da natureza receberam uma roupagem cristã e, assim, Santo Antônio passou a ter a ver com fogueira, São João com milho e, em algumas áreas do Sul, São Pedro com pião. Em nossos tempos, com a tarefa profética da decolonização, não podemos voltar ao passado ou refazer a história como deveria ter sido, mas podemos, sim, libertar as amarras culturais e dançar a Vida na celebração do Sol, das colheitas e no cuidado da mãe Terra, das águas e da Vida, como melhor forma de honrar todos os santos e santas de Deus que somos nós mesmos.
Nesse processo de resgatar a história, o fato de saber que algumas das danças juninas vieram das cortes da Europa revelam que o povo mesmo foi capaz de se reapropriar como sendo propriamente nosso de costumes que precisaram ser reinterpretados. Até hoje, as “quadrilhas” usam termos franceses para comandar os passos e fazem as pessoas se vestir de caipiras e dançar como a nobreza de outros séculos. Assim, a própria história das festas juninas revela uma democratização de costumes, antes restritos aos nobres e dos quais os pobres se apropriaram. Nos casamentos matutos, figuras como padres e juízes da roça são caricaturadas, porque só se interessam por dinheiro e poder. Essas críticas revelam o modo como as camadas mais empobrecidas do povo podem expressar, democraticamente, suas críticas e o seu protesto social. Mesmo o fato de tomar santos da Igreja Católica, como Santo Antônio, São João Batista e São Pedro para fazer festas que revelam resistência cultural, é bom porque, independentemente do que fogueira tem a ver com Santo Antônio, ou porque, no Nordeste, em São João, se come milho verde, essas festas ligam os santos da Igreja com a realidade da vida dos pobres de hoje.
Por falar em realidade, em meio à tragédia social do Brasil dos nossos dias, em bairros pobres e nas periferias das cidades, o próprio fato das pessoas terem energia para fazer festa já é quase um ato subversivo. As festas juninas revelam que nosso povo tem, quando deseja, grande capacidade de se organizar. Quem, de fora, vê os ensaios e a eficiência da preparação da festa, muitas vezes, de forma espontânea e sem dinheiro, pode desejar que essa mesma energia de unidade e de organização apareça na caminhada social e política das bases e na direção da luta pacífica para transformar esse mundo.
Mesmo que não seja de forma consciente, ao preparar as brincadeiras juninas, as pessoas se tornam capazes de ensaiar uma sociedade nova na qual todos e todas serão protagonistas. Assim, na alegria e de forma despretensiosa, grupos e comunidades populares sinalizam uma realidade nova que se aproxima ao que os evangelhos chamam de reinado de Deus, a Terra e o céu renovados pelo Amor e pelo Cuidado.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Elen Carvalho