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Entenda a sentença que condenou Sari Corte Real

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Família de Miguel Otávio deve recorrer pedindo a pena máxima pelo crime de abandono. - Lucila Bezerra/Brasil de Fato Pernambuco
a quantidade final da sua pena foi branda

Sari Corte Real, a responsável pela morte do menino Miguel, foi condenada a uma pena de oito anos e seis meses pelo tipo penal de abandono de incapaz com resultado morte. De logo, é importante esclarecer que Sari não foi denunciada e nem condenada por homicídio. Ao denunciá-la, o Ministério Público entendeu que Sari não agiu com a intenção de matar Miguel. Nesse ponto, é importante frisar que caso o Ministério Público tivesse feito malabarismos jurídicos e Sari respondesse por homicídio culposo, ou seja, homicídio sem intenção de matar, a pena máxima seria de três anos. Contudo, acertadamente a acusação foi de abandono de incapaz com resultado morte, conduta que, no Código Penal, pode chegar a uma pena de até 12 anos. Mesmo extensa, os fundamentos jurídicos que levaram à condenação são concisos, embora claros, objetivos e suficientes. A maior parte da sentença transcreve as provas colhidas, principalmente os depoimentos das testemunhas e as perícias realizadas.

A sentença condenatória, ao analisar as provas e testemunhos judiciais, bem como as filmagens do dia, entende que as imagens da acusada à porta da cabine do elevador demonstram ser “possível a ela ao menos acompanhar a vítima ao encontro da mãe, mas as mesmas imagens a mostram virar-lhe as costas”. Além disso, a sentença também reconhece que “Não obstante as diversas tentativas da acusada a convencer a vítima a sair do elevador, em dado momento ela acusada acionou a tecla C, o destino da cabine seria a cobertura, a porta do elevador se fecha, a acusada retorna ao seu apartamento, este fato, a prova testemunhal o confirma, aquela senta-se à mesa, e continua o procedimento estético”.

A base jurídica para a condenação de Sari foi o art. 13 do Código Penal brasileiro, especificamente em seu parágrafo 2º, alínea “b”. De acordo com o mencionado artigo, responde por crime aquele que assume a responsabilidade de evitar o resultado. Para a sentença, ao ficar responsável pelos cuidados de Miguel, a condenada assumiu a posição de guardiã da criança. A guarda, nesse caso, é definida como “um nível mais intenso de cuidado, pois exige proteção, amparo e vigilância”.

Ainda de acordo com a decisão que condenou Sari, a intenção da sua conduta de abandonar Miguel tornou-se evidente tanto por seu gesto de ter apertado o botão da cobertura e virado as costas, quanto pelos testemunhos os quais afirmam que ao abandonar a vítima a condenada “pretendeu dar-lhe um susto”, conforme afirmou o próprio cônjuge de Sari. Além disso, uma outra testemunha presente no momento dos fatos afirmou que a condenada informou que “deixara a vítima no elevador, ele não a obedecia”.

Uma vez reconhecendo a responsabilidade de Sari e julgando-a culpada pelo abandono de incapaz com resultado morte, a sentença passa a realizar a análise das circunstâncias judiciais responsáveis por definir o tempo de pena da condenada. Tais circunstâncias estão presentes no art. 59 do Código Penal. No caso, é importante lembrar que a pena mínima para o crime de abandono de incapaz com resultado morte é de 4 anos, podendo chegar até doze anos. A conta é simples, a cada circunstância negativa, o juiz aumenta certo tempo de pena. No caso de Sari, o juiz entendeu que seis das oito circunstâncias eram negativas à acusada. A pena, assim, foi de 4 anos para 8 anos, ainda acrescentando seis meses em razão do crime ter ocorrido durante o período da pandemia.

Em relação à aplicação da pena, são dois os elementos que chamam atenção. Primeiro é que, no dia a dia da prática penal, é extremamente raro que o aumento da pena por cada circunstância judicial seja tão baixo. Quer dizer, normalmente – e aqui leia-se, quanto se trata de homens e mulheres pobres, pretos e periféricos – as sentenças possuem uma tendência de exacerbar a pena, muitas vezes de forma completamente desproporcional e desarrazoada. No caso de Sari, ainda que mais da metade das circunstâncias judiciais militassem em seu desfavor, a quantidade final da sua pena foi branda. Não que se faça uma defesa do punitivismo em qualquer situação, mas é importante pontuar que quando a pessoa a se sentar no banco dos réus é uma mulher branca e rica, a justiça consegue ser razoável.

Isso evidencia-se também na aplicação do regime inicial de cumprimento de pena. No cotidiano da prática penal, o que se vê são pessoas condenadas a menos de 8 anos de prisão para cumprir a pena em regime fechado. O Código Penal em seu art. 33, em seu parágrafo 2º, alínea “a”, estabelece que “o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado”. Essa definição não é para ser seguida de forma cega pelos juízes, mas serve como critérios para uma decisão. No caso de Sari, ainda que condenada a uma pena superior aos 8 anos, o juiz determinou sua progressão de regime no regime semiaberto, que é mais branco do que o regime fechado e que permite à acusada recorrer da sentença em liberdade.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Elen Carvalho