O mês de julho é conhecido como "Julho das Pretas”, uma agenda de incidência política de movimentos e organizações ligados a mulheres negras de todo o Brasil que acontece em torno do dia 25 de junho, o Dia Internacional da Mulher Negra Afro Latino-Americana e Caribenha. Neste período, a visibilidade da pauta é intensificada e, em ano eleitoral, se torna importante debater iniciativas que pensem sobre o espaço das mulheres negras na política.
Apesar das mulheres negras representarem 27,8% da população brasileira, ocupam apenas 2,36% do parlamento brasileiro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E, para ampliar a participação de mulheres negras em espaços de poder e decisão, foram criadas iniciativas como a campanha “Eu Voto em Negra”. Para falar sobre o tema, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou Piedade Marques, coordenadora de Relações Institucionais da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. Confira:
Brasil de Fato Pernambuco: Piedade, como é que a campanha surgiu e quem é quem constrói ela?
Piedade Marques: A campanha é uma ação de um projeto maior de 2018 de três organizações aqui em Recife. A Casa da Mulher do Nordeste, que é a principal ancoradora do projeto, o Centro Das Mulheres do Cabo e o MMTR (Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais). A Rede de Mulheres Negras de Pernambuco inicialmente entrou para dar uma assessoria, porque a grande questão era o projeto das mulheres negras e da democracia, e o viés racial imposto no projeto inicial fez com que essas organizações necessitassem de uma assessoria e aí fomos convidadas. Essa assessoria se tornou uma parceria. Era um projeto bem grande de várias ações de formação, de comunicação para as candidatas e a Eu Voto em Negra para mim é o meu grande xodó, porque a campanha por si só tem uma vida grande.
BdF PE: Na prática, como é que essas mulheres que participam da política em diversas esferas podem participar dela?
Piedade Marques: A gente precisa pensar nas mulheres negras que vão disputar. Então, a gente tem pensado, construído, processos formativos. A partir pela compreensão de como funcionam as questões mais práticas mesmo da campanha. A gente basicamente tem três processos formativos, por exemplo, a gente trabalha com um conteúdo que é pensar o que cada função dessa foi na eleição anterior e o que essa função exige e para quê mesmo… Como funciona? Ser vereadora, o que é isso? Como funciona? Quais são os limites? Quais são as possibilidades?.
BdF PE: Piedade, o racismo é estruturante dessa sociedade capitalista em que a gente vive e o combate a ele requer medidas estruturantes também. O que isso tem a ver com a eleição, com colocar mulheres negras em espaço de poder e decisão?
Piedade Marques: É como se a sociedade passasse, todos nós, homens e mulheres, por isso é que a gente diz que o problema do racismo é da sociedade brasileira. Ele não é um problema só meu, só seu, ele é de cada pessoa. Porque se tem uma desigualdade, significa que alguém está se dando bem e outro está se dando mal. Alguns corpos, algumas falas, alguns pertencimentos são considerados como valiosos e outros não. São demoníacos, são desnecessários e isso faz com que a invisibilidade seja naturalizada, que a violência seja neutralizada.
Hoje a gente diz que a questão racial, de gênero, raça e classe, ela é estruturante, porque ela é base. Então somos nós mulheres negras, por exemplo, que, mesmo com uma formação consolidada, recebemos menos do que todo mundo e a gente já está em um patamar aqui. Estou falando, vamos imaginar, você jornalista, aqui com uma formação e tal. Se a gente vai mais para baixo, quando a gente vê a realidade das mulheres negras que administram tudo na vida de todo mundo da sociedade brasileira, ela é a que menos é visibilizada, é a última a ser pensada, é a que depende inclusive das políticas públicas que não olham para ela.
BdF PE: O que a gente pode dizer que tem de novo para a campanha? Quais as perspectivas desse ano?
Piedade Marques: Essa eleição, e sempre fico pensando que o que tem de novo, é que é mais possível fazer a disputa de narrativas, acho que é uma possibilidade mais real e as eleições municipais elas são eleições em que as relações das pessoas, o território, ele diz muito mais coisa do que de fato essa eleição. Nós temos a grande dificuldade de eleger deputadas estaduais e federais. Esse é o nosso grande desafio. Por outro lado, eu sou do grupo das otimistas, e acho que é possível a gente estar nesse momento construindo uma relação diferente para processos eleitorais. Além de ter uma coisa que nos fortalece, que é pensar processos de disputas eleitorais, trazendo os corpos, a presença, a dinâmica diária das pessoas, transformado isso na importância de ter essas mulheres nesses lugares.
BdF PE: Piedade, “Eu Voto em Negra” é uma afirmação que a sociedade precisa fazer, é colocar em prática cada vez mais. De que forma o eleitor de qualquer parte do país, mas principalmente que é nordestino, como a gente, pode se somar à campanha, apoiar a iniciativa ou até outras iniciativas? Como a gente faz para ter mais informações e chegar junto?
Piedade Marques: O “Eu Voto em Negra” é uma ação do Nordeste, hoje nós afirmamos uma ação política para o Nordeste, para as mulheres negras, com o “Eu Voto em Negra”, mas existe no Brasil inteiro outras iniciativas que, junto conosco e nos seus territórios específicos, estão também realizando e indicando. E acho que pelo menos se a gente conseguir chegar em casa, no trabalho, na vida das pessoas e as pessoas forem tocadas pelos argumentos que a gente traz, com certeza vai conseguir uma candidata para votar onde quiser.
Saiba mais
A campanha Eu Voto Em Negra faz parte do Projeto Mulheres Negras e Democracia, que atua em toda a região Nordeste do Brasil. A partir da Rede Mulheres e Democracia, articulada pelas organizações Casa da Mulher do Nordeste (CMN); Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE), em parceria com a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Rede de Mulheres Negras do Nordeste. O projeto conta com apoio do Fundo de Mujeres del Sur, e fortalece Mulheres Negras, Rurais e Populares, com perspectiva feminista decolonial, para enfrentar os contextos de crise democrática no Brasil e na América Latina.
Edição: Elen Carvalho