A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) chega, nesta quinta-feira (11), Dia do Estudante, a seu 76º aniversário diante de um panorama difícil após os sucessivos cortes orçamentários do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao longo de seu mandato. Em entrevista concedida em junho à colunista Margarida Azevedo, do JC, o reitor Alfredo Gomes afirmou que a universidade só iria ter recurso suficiente para custear seu funcionamento e manutenção até setembro.
A falta de verba para a instituição tem gerado uma cascata de consequências: a precarização da estrutura física, defasagem no número de bolsas, queda na produtividade científica e o estancamento das políticas de assistência estudantil que, somado à atual conjuntura econômica, finalmente descamba na evasão das salas de aula. “Os estudantes hoje têm que escolher entre colocar comida dentro de casa ou estudar. E o que é prioridade para o nosso povo é se manter vivo”, declara Isa Sena, diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE) e integrante do Levante Popular da Juventude.
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A militante do movimento estudantil também é aluna de Rádio, TV e Internet no campus Recife da UFPE, e relata que já se reflete na realidade da universidade o desinvestimento progressivo do Ministério da Educação (MEC) - iniciado com a aprovação, no governo de Michel Temer, da Emenda Constitucional 95 que congela, entre outros orçamentos, os investimentos da educação:
“A gente sente isso no dia a dia do funcionamento da universidade, quando não tem água para beber, não tem RU [Restaurante Universitário] que funcione, não tem nossas bolsas de assistência e permanência estudantil garantidas, não tem os processos de pesquisa sendo respeitados”, aponta. No campus do Recife, a operação do RU está suspensa por conta de uma reforma. Já os campi do interior - Caruaru e Vitória de Santo Antão - nunca sequer contaram com esse equipamento, que oferece refeições aos alunos a um preço popular.
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O sucateamento não é um processo que ocorre somente na UFPE, mas permeia toda a rede federal de ensino superior. “A gente teve recentemente o corte orçamentário de 7,2% que vem afetando grande parte das universidades e institutos federais de todo Brasil. Aqui no nosso Estado, não é diferente: a UFPE, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), os Institutos Federais (IFs), todos sendo afetados pelos cortes, correndo risco de fechar, de não conseguir fechar seus semestres a tempo”, diz Isa.
Ela classifica o desmonte da educação pública como um “projeto do Governo Bolsonaro”, afirmando não se tratar de um mero ataque. “A educação é uma ferramenta potente que dá condição de as pessoas pensarem, terem autonomia, produzirem ciência e tecnologia, e Bolsonaro não gosta das pessoas que pensam. Ele quer ver as pessoas passando fome e alienadas nesse processo de barbárie e precarização.”
O Brasil de Fato Pernambuco procurou a reitoria e a assessoria de comunicação da UFPE para saber em números a dimensão das perdas orçamentárias e para ouvir o reitor Alfredo Gomes, mas até a última atualização desta reportagem não teve retorno. O espaço está aberto.
Ato em defesa da educação e da democracia
A menos de dois meses do primeiro turno das eleições, o movimento estudantil vai às ruas nesta quinta (11) em mobilização nacional contra o atual Governo Federal e o sucateamento da Educação. Além de ser Dia do Estudante e aniversário da UFPE, a data também marca os 85 anos da União Nacional dos Estudantes (UNE). No Recife, a concentração do ato tem início às 15h, na Rua da Aurora, em frente ao Ginásio Pernambucano, área central, com saída às 16h.
Organizada pelas entidades estudantis em articulação com a campanha nacional Fora Bolsonaro, a manifestação faz a defesa da educação permanente ao mesmo tempo em que denuncia a precarização das instituições federais de ensino superior frente os contingenciamentos de verba.
Para os servidores, condições precárias de trabalho e impróprias para a produção científica
A crítica dos estudantes à atuação do MEC encontra eco entre corpo técnico e docente da UFPE. Com a universidade sem dinheiro para custear reformas, os servidores do administrativo sofrem com a defasagem da estrutura física do espaço, diz Adalberto Tavares, coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais de Pernambuco (Sintufepe), que representa os técnicos.
“As condições de trabalho vão se deteriorando porque gera insalubridade quando os ambientes não são restaurados. A universidade passa a não ter recurso, por exemplo, para manutenção de ar condicionados, para melhoria das condições de higiene dos prédios, já que os contratos de limpeza, conservação e segurança também estão sendo atingidos”, comenta.
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“A universidade está realmente impactada e perde várias de suas funções sociais: a de pesquisar, educar, ensinar, produzir conhecimento novo e incluir. Temos uma grande tarefa pela frente, de resgatar num futuro próximo as condições para que a universidade cumpra seu papel”, afirma.
Inevitavelmente, os cortes no financiamento também atingem a quantidade, qualidade e produtividade da pesquisa, extensão e ensino da universidade, acrescenta Erlene Roberta Ribeiro Dos Santos, 2ª vice-presidente da Associação dos Docentes da UFPE (Adufepe) - sindicato dos professores.
“No segundo ano do Governo Bolsonaro, a gente já começou a sentir os impactos [do contingenciamento], e de lá para cá vem vendo cada vez mais a paralisia do MEC e a troca de ministros, o que impactou bastante porque a gente não consegue ter continuidade das ações. Os cortes anunciados pelo Governo Federal vêm a implicar nas ações que a gente desenvolve como professores”, afirma a sindicalista, que é professora e pesquisadora do departamento de Saúde Coletiva no campus de Vitória de Santo Antão, na Região Metropolitana do Recife.
Atualmente conduzindo um projeto de extensão sobre o vírus HPV, a própria Erlene tem constatado as consequências da atual política do MEC. “Estou com dois alunos nesse projeto, os dois são voluntários porque para esse edital não saiu o valor de bolsa”, revela.
“A gente sofre bastante porque os editais são muitos amarrados, a gente tem muita obrigação a desenvolver, e os valores para as bolsas dos estudantes [quando há] são muito baixos. Tem projeto que a gente nem consegue bolsa, só recurso para material de consumo e contratação de terceiros”, elabora.
Para além da produção de ciência e tecnologia, a universidade também encontra dificuldade em manter o quadro de docentes completo. Isso porque falta dinheiro para fazer as contratações de professores temporários conforme os mais antigos se aposentam ou saem de licença. Cenário que ficou bem mais comum nos últimos dois anos, com a pandemia da covid-19.
“Eu fiz uma pesquisa sobre o nível de ansiedade dos professores no período da pandemia e isso mexeu muito conosco nossa saúde emocional. Tiveram professores que ficaram tão abalados que ainda não voltaram à situação de normalidade, estão de licença ou precisam de algum tipo de acompanhamento. Também tivemos quadros de professores que faleceram. E por conta dos cortes orçamentários, nossa cota de contratação de substitutos caiu. Fica sobrando vaga, o concurso demora mais a acontecer.”
As duas categorias de servidores também estão na luta da campanha salarial pela reposição das perdas nos rendimentos. Não há reajuste desde 2017 - ou seja, há pelo menos cinco anos de inflação para corrigir.
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Edição: Vanessa Gonzaga