No último mês de julho, aconteceu a Bienal do livro de São Paulo. O nordestino Pedro Rhuas fez bastante sucesso com um romance LGBTQIAPN+ que se passa no interior do Rio Grande do Norte e na capital Potiguar, Natal. O livro se chama "Enquanto eu não te encontro”, que se apresenta com forte representatividade da população LGBTQIAPN+ do Nordeste por meio da literatura. O Brasil de Fato Pernambuco conversou com o autor da obra.
Brasil de Fato Pernambuco: Pedro, você tem uma atuação múltipla. De onde vem na tua vida essa parte da literatura e da música? Como é que surgiu?
Pedro Rhuas: Meus pais são artistas de rua, então eu cresci envolvido com a arte desde pequeno. São artistas que vem dessa realidade de estar de fato com a cultura popular, nas pequenas cidades do interior do Nordeste. Então, eu nasci nesse contexto, brincando na rua com o teatro, com a dança, com a música, com a poesia. Tudo isso foi somando nessa bagagem e nessa criação de repertórios artísticos.
Quando eu estava com mais ou menos treze anos de idade, fui me apaixonando de fato pela literatura e fui começando a escrever. Foram surgindo as minhas primeiras histórias ao longo desse processo. Criei um site também, quando eu tinha 15 anos de idade, chamado "O livreiro", em que eu falava sobre livros e escrevia resenhas literárias e tudo isso foi me trazendo para esse contexto.
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BdF PE: Pedro, você e o seu livro "Enquanto não te encontro” foram destaques na Bienal de São Paulo. Por que você acha que gerou tanta identificação?
Pedro Rhuas: "Enquanto eu não te encontro", esse meu livro de estreia se tornou um fenômeno nas redes sociais. É uma literatura jovem. Nós vendemos mais de 50 mil exemplares no percurso de um ano desde o lançamento. É uma história que se conecta com o público jovem porque abraça um público que muitas vezes não se sentia representado, seja na literatura, seja em outros espaços da mídia também.
Então, é uma história com protagonismo LGBTQIAPN+. Nós temos um protagonista gay, que sai do interior do Rio Grande do Norte para estudar na capital Natal. Um percurso feito por tanta gente, um menino pobre que vai vivendo e tendo essas suas vivências se descobrindo na cena queer ao mesmo tempo em que o livro traz todos os clichês que nunca foram nossos. Todos os clichês de comédia romântica que a gente está acostumado a ver com pessoas brancas, cis, heterossexuais. "Enquanto eu não te encontro" traz um protagonista preto, gay e nordestino.
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esse vídeo é para nunca esquecer que todo esforço vale a pena. fui todos os dias da bienal, me desdobrei para ver o máximo de pessoas possível, estive em diversas mesas, 28h de autógrafos, e o saldo foi esse: terceiro livro mais vendido geral da @cialetras! 💜✨ pic.twitter.com/Ztf3GP49ar
— PEDRO RHUAS (@pedrorhuas) July 11, 2022
BdF PE: Você falou de representatividade e o seu processo criativo tem muito sobre poder se referenciar nessas representações. Você acredita que estamos vivendo um período de transformação no sentido de ter essas referências?
Pedro Rhuas: Enquanto homem gay e nordestino, eu sentia e sabia que minhas histórias precisavam estar circulando, porque eu cresci justamente nesse espaço de “não-lugar”, porque eu buscava narrativas parecidas com as que eu vivenciava no meu dia a dia e não encontrava. Não via o meu sotaque representado na literatura, não via a minha comunidade representada na literatura, então essa busca de representatividade era uma busca pessoal de me enxergar nesse mundo e mostrar que eu existia.
Quando eu faço isso enquanto indivíduo, não estou apenas falando por mim, estou falando por toda uma comunidade ou diversas comunidades que passavam pela mesma situação, por esse espaço de invisibilização, de marginalização. Então, hoje, vivemos um momento que chega a ser um tanto irônico porque ao passo em que o país vivência uma situação de retrocesso em relação aos que estão no poder, tentando calar e destruir os nossos espaços de vivência, tirar os nossos direitos, existe toda uma comunidade ou várias comunidades que têm conseguido galgar cada vez mais espaço seja na mídia ou na arte. Dessa vez, não dissimulando quem somos, mas escancaradamente saindo dos armários e reivindicando esses lugares.
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BdF PE: Passando um pouco para a música, é assim que você se sente enquanto cantor no sentido de se referenciar? Como é essa relação com a parte musical?
Pedro Rhuas: A parte musical já traz uma brincadeira maior da minha parte. Enquanto na literatura eu tenho muito dessa responsabilidade em estar trazendo vivências e colocando diversas questões, seja trabalhando homofobia dentro de um espaço familiar ou coletivo ou outros casos de opressões mesmo. Já na música é um lugar mais de entender que o próprio fato de estar ocupando determinados lugares ali já é uma luta em si mesma. Então, é mais brincadeira para mim. É mais essa diversão.
BdF PE: Falamos de literatura e música. O que você vem lendo e ouvindo, principalmente em relação ao Nordeste?
Pedro Rhuas: No Nordeste tem muita produção interessante, que vem ocupando lugares mainstream e utilizando ritmos que antes as pessoas não atrelavam ao Nordeste. Ainda temos uma realidade em que as pessoas acham que o nordestino tem que fazer um som ser aquilo que as pessoas entendem como regional. Então "ah, o nordestino só pode estar fazendo forró", "o nordestino só pode estar fazendo esses ritmos culturais tradicionais".
Fazem parte da nossa história, mas tem muita gente fazendo sons e trabalhos diferentes, por exemplo, da banda "Luisa e os Alquimistas", que é uma banda de Natal e é uma banda incrível. Na literatura isso também tem acontecido. Eu cito muito o Jonas Aquino, que é um escritor do Ceará que também traz obras com representatividade LGBTQIAPN+.
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Edição: Vanessa Gonzaga