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Quase 90% das sementes crioulas em Pernambuco foram contaminadas por transgênicos

Em resposta, Movimento Camponês Popular (MCP) lança campanha contra contaminações e em defesa das sementes crioulas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Denúncia é feita pelo Movimento Camponês Popular (MCP) na campanha nacional 'Sementes da Vida' - Divulgação/ Rafaela Barros

As sementes crioulas ou tradicionais guardam a memória e uma grande importância para camponeses de todo o Brasil: selecionadas e armazenadas ao longo de décadas, possuem uma variedade genética muito superior e são mais resistentes e adaptadas ao território local. São também fonte de renda significativa para os agricultores, já que esse melhoramento natural agrega valor aos seus produtos.

Mas uma questão cada vez mais comum tem ameaçado a tradição: as lavouras transgênicas estão contaminando as plantações crioulas, descaracterizando a produção das famílias. Um levantamento do Movimento Camponês Popular (MCP) no ano passado apontou que quase 90% das sementes crioulas de Pernambuco que foram testadas estavam contaminadas por transgenia.

O produto mais impactado nesse processo é o milho, porque é uma espécie que não se autofecunda. Sua reprodução se dá por meio do cruzamento entre duas plantas - ou seja, necessariamente o pólen de uma precisa chegar até a outra para que germine um novo pé. É o processo conhecido como polinização cruzada, explica Felipe Caetano, da coordenação nacional do MCP. 

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Assim, a depender da proximidade, se houver uma plantação de milho transgênico (modificado geneticamente em laboratório) por perto, seu pólen pode ser levado por animais ou pelo próprio vento até uma lavoura de milho crioulo, contaminando a produção. A disseminação dos transgênicos, uma realidade no país, encurta mais e mais essa distância. 

Um agravante é que, uma vez contaminado, o material genético nunca mais volta a ser puro. “Isso causa perda de biodiversidade, cada vez partindo para uma monocultura, uma uniformização da agricultura. Os agricultores que cultivavam suas sementes estão agora tendo que ou descartar as sementes ou plantar semente contaminada”, afirma Felipe. 

Dessa forma, os camponeses têm perdas econômicas com a desvalorização dos produtos. Rompe-se, ainda, a tradição cultivada por décadas pelas comunidades, que garantia alimentação saudável e um estoque de sementes para o ano seguinte.

Sandreildo Santos, da direção nacional do MCP, lembra a origem dessas sementes transgênicas: os grandes grupos do agronegócio. “Essas são as empresas que detêm controle das sementes. As principais empresas do agronegócio, que produzem grãos para exportação ou produzem para ração animal, com sistemas integrados que subsidiam a agricultura familiar e distribuem sementes. Tem muita denúncia de contaminações localizadas que são feitas por empresas. Elas distribuem sementes transgênicas para um determinado grupo de agricultores e a partir daí contamina todas as outras”, expôs.

No entendimento da organização, existe uma disputa de dois projetos, diz Sandreildo: “O do agronegócio, que quer tirar a soberania dos camponeses, através da perda do controle da autonomia de ter as sementes para sempre ficarem dependentes de ir ao mercado comprar sementes; e,  em contraponto, o projeto dos camponeses de produção de alimentos de qualidade, trabalho da agroecologia e construção da autonomia e soberania camponesa”, pontua.

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Umas das frentes de resistência do movimento camponês é a luta por políticas públicas. Apesar de as sementes crioulas serem muito mais baratas (cerca de R$ 15 o quilo) que as híbridas ou transgênicas (de R$ 30, R$ 50, até R$ 300 o quilo - ou seja, uma diferença de preço que varia de 100% a 950%), a agricultura familiar tem dificuldade de se inserir nas iniciativas de Estado de alimentação. 

O Governo de Pernambuco tem o Programa de Distribuição de Sementes, da Secretaria de Desenvolvimento Agrário com o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), mas não reserva nenhuma parte do recurso para a compra de sementes crioulas, segundo Sandreildo. O material dos camponeses distribuído hoje é via parceria com algumas prefeituras.


Direção nacional do MCP se reuniu em Pernambuco nesta semana / Divulgação/ Rafaela Barros

“Em Pernambuco, estamos nesses 3 anos distribuindo uma média de 3 a 5 mil quilos para outras comunidades. Deveria ser muito mais se o Estado colocasse no programa as sementes crioulas. Poderia pelo menos destinar uma porcentagem para ir fomentando [a cultura]”, defende o militante. 

Diferentemente do caso das sementes, produtos crioulos beneficiados podem ter preço mais alto, também por falta de incentivo. “Não temos subsídios do Estado. Não é que o agronegócio produz barato, é que as empresas recebem linhas de crédito, têm máquinas que o campesinato não tem. Existe um mito de que os produtos da agricultura familiar são mais caros. A diferença é o quanto o Estado opera”, levanta Sandreildo.

Campanha pauta o assunto e cobra respostas do poder público

O Movimento Camponês Popular está, desde 2021, na campanha nacional permanente “Sementes da Vida”, em defesa da cultura das sementes crioulas. O lançamento em Pernambuco aconteceu nessa terça (23) e quinta-feira (24), em evento no município de Camaragibe, Grande Recife, que reuniu a Diretoria Nacional do MCP e representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Diaconia e Associação Agroecológica do Pajeú, além de professoras da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Felipe Caetano explica que a campanha visa alguns objetivos: denunciar a questão, construir articulação entre movimentos populares para buscar reparação aos agricultores que perdem sementes e incidir nas políticas públicas estaduais e nacionais.

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“O Estado deve ser indutor dessa conservação das variedades. A gente pensa em zonas livres de transgênicos, em políticas de fortalecimento dos trabalhos através dos bancos de sementes, em políticas de distribuição de sementes, como era o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) Sementes”, citou o coordenador. Essa última foi praticamente desmontada ao longo dos últimos anos.  

O trabalho da campanha será feito por meio de ações jurídicas, legislativas, formativas e técnicas, com, por exemplo, capacitação para agricultores, assessoria jurídica, articulações para a criação de legislações e elaboração de protocolos e manuais. Através do site do MCP, é possível fazer denúncia, deixar um depoimento e assinar a Carta de Adesão da Campanha.

Edição: Vanessa Gonzaga