Pernambuco

EDUCAÇÃO

Completando 10 anos, Lei de Cotas mudou o ensino superior, mas continuidade está ameaçada

Pesquisadora Dyane Brito afirma que cortes na educação dificultam permanência dos mais pobres na universidade

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Lei de cotas provocou mudança no Ensino Superior
Lei de cotas provocou mudança no Ensino Superior - Agência Brasil | Valter Campanato

A lei de cotas raciais, que reserva metade das vagas em instituições federais de ensino superior para pessoas pretas, pardas e indígenas, foi sancionada em agosto de 2012 e está completando 10 anos. No Brasil, a maior parte da população negra está concentrada nas regiões Norte e Nordeste e a capital da Bahia, Salvador, é a cidade mais negra fora de África

Neste contexto, conversamos com a professora e pesquisadora na área de ações afirmativas em relação à questão racial, Dyane Brito, para entender a importância da Lei de Cotas e qual o cenário atual para avanços e ampliações.

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Neste contexto, conversamos com a professora e pesquisadora na área de ações afirmativas em relação à questão racial, Dyane Brito, para entender a importância da Lei de Cotas e qual o cenário atual para avanços e ampliações.

Brasil de Fato Pernambuco:  Dyane, estamos em um momento em que a Lei de Cotas está completando 10 anos e nesse período é justamente previsto em seu texto que ela seja revista, o que dá a possibilidade dela ser anulada. Inclusive, muito se fala sobre essa lei estar em ameaça. Essa ameaça existe?

Dyane Brito: Estamos em um momento em que alguns projetos aparecem. Há, no cenário nacional, a proposta da ampliação da Lei de Cotas, que propõe o aumento dessa lei com revisão de 30 anos. Há argumentos que são importantes, de que essa lei continua atual e é extremamente necessária. Há projetos assinados por muitos deputados que também propõem a ampliação do prazo para essa revisão, então ela só aconteceria depois de 2060. Há projetos que sugerem medidas complementares, como o Conselho Nacional de Políticas Afirmativas no Ensino Superior. Há também projetos de lei que propõe que a lei seja permanente para o ingresso de pessoas pretas, pardas e indígenas, pessoas com deficiência, pessoas de escola pública.

Mas há também projetos que preveem a possibilidade de retirada do recorte racial, por exemplo, e há partidos que querem isso. O fato é que há um conjunto de questões e há também uma mobilização nacional tanto dos movimentos sociais quando de setores da sociedade mostrando a importância da lei e os avanços que conseguimos ao longo dessa década e ao mesmo tempo mostrar que não conseguimos em 10 anos recuperar tantos anos de exclusão de determinados grupos sociais nas universidades públicas.

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BdF PE: Temos garantido a assistência a esses estudantes? As cotas têm dado certo?

Dyane Brito: Durante algum tempo todas as nossas discussões em torno das políticas afirmativas elas ficaram em torno do acesso, sobretudo, das cotas raciais. Se era critério, se não era. O fato é que as cotas existem, são uma realidade e desde 2012 tem força de lei. Mas não basta o acesso ao ensino superior, são necessárias condições de permanência ao longo de quatro, cinco ou seis anos de curso.

Então, eu poderia voltar ainda mais atrás, antes da Lei de Cotas, e pensarmos em 2002 e 2004, com o projeto de lei quando as universidades brasileiras começam a inserir algum tipo de política afirmativa em seu ingresso. O fato é que a partir de 2016 a gente começa a ter uma retração importante desses recursos e recursos de outro programa também que não é específico para estudantes cotistas, mas que atende muito, que é o Programa Nacional de Assistência Estudantil.

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BdF PE:  Dyane, e os impactos da Lei de Cotas tem mais expressividade no Nordeste?

Dyane Brito: No Nordeste brasileiro, é onde temos uma população negra maior do que em outros espaços. A cidade de Salvador, na Bahia, há dados que dizem que somos a maior cidade negra fora do continente africano. Isso é importantíssimo quando pensamos nos dados de ingresso nas universidades brasileiras.

Um estudo recente que nós fizemos (UFRB, UFMG, UFSC, UFSCAR, UEG, UNIFAP e UFRN), em um trabalho chamado “Trajetórias de Cotistas”, ele dá conta de trajetórias exitosas também no Nordeste brasileiro. Estudantes que vieram de famílias que não tinham nem educação básica, filhos de mães e pais que não puderam frequentar a educação básica e para quem as universidades não estavam nos melhores sonhos.

BdF PE: Percebemos que a defesa da importância das cotas raciais está muito ligada às instituições federais, ao setor de educação e diversos movimentos populares. Você acredita que é um desafio dialogar com a população sobre a Lei de Cotas?

Dyane Brito: Aquele estudante e aquela estudante que ingressam na universidade fazem de forma muito coletiva. Quando entram, é de alguma forma sua mãe e seu pai que não puderam ir para a educação básica que entram de algum modo ali, é sua comunidade que também passa a acessar aquele espaço. Mas por outro lado, ainda há um desconhecimento.

Sim, é um desafio para as universidades brasileiras se aproximarem mais, levarem os seus cursos, levarem as suas presenças. Mostrar aos estudantes o que é um curso de cinema, o que é um curso de jornalismo e de publicidade e propaganda, o que faz um licenciado, o que é um curso de ciências sociais. Então, quais são as possibilidades que nós temos para entrar na universidade? Esse é um desafio posto para as universidades brasileiras e precisamos, sim. E é talvez uma forma de movimentação contra o que está aí colocado de descredenciamento, de descaracterização das universidades brasileiras.

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Edição: Vanessa Gonzaga