Segundo o Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, que analisa dados coletados entre 2014 a 2017, houve um aumento de mais de 237% no número de casos de lesbocídios, sendo 43% das vítimas mulheres negras. É por números como esses que movimentos populares demarcam a necessidade de colocar em discussão a garantia dos direitos das mulheres lésbicas, considerando fatores como raça.
Neste dia 29 de agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, o Brasil de Fato Pernambuco traz uma entrevista com Malu Aquino, Coordenadora de Comunicação do Candaces - Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas, ao programa Prosa e Fato. Ela trata da importância de se incluir um recorte de raça nas discussões sobre mulheres lésbicas e da atuação do Candaces em Pernambuco.
Confira os principais trechos:
Brasil de Fato Pernambuco: Malu, conta pra gente mais sobre o Candaces. Qual é o intuito da organização?
Malu Aquino: Nossa rede surgiu há 15 anos, em 2007, em Curitiba (PR). E por que o recorte racial com relação a lesbianidade? Eu trago um dado é muito forte e que mostra necessidade de ter essa discussão. No Dossiê sobre Lesbocídio a gente tem [os dados de] que das mortes de lésbicas no ano de 2016, 54% das mulheres que foram assassinadas pelo fato de serem lésbicas eram negras, abaixo de 24 anos e que não perfilavam o "ideal de feminino". Esse dado mostra o quanto os nossos corpos de lésbicas negras estão vulneráveis.
A mídia hoje quando trata da lesbianidade, trazendo para o cotidiano, nas novelas, são os padrões, lésbicas brancas em classe média, que tem aquela discussão em família. Não que elas não existam, mas isso foge muito da realidade das lésbicas que negras que estão nas comunidades, nas periferias e muitas vezes estão no sistema prisional, porque o mercado de trabalho não tem uma abertura para nós.
BdF PE: Por que é importante visibilizar a luta das mulheres negras lésbicas e bissexuais?
MA: O movimento de lésbicas negras surge a partir dessa necessidade de entender que nós não fomos inseridas no movimento feminista e ainda hoje é uma grande dificuldade. Além disso, muito se falou, saindo do dia 28 de junho, Dia Internacional do Orgulho LGBT, sobre quando [a data] surgiu lá em Stonewall. Na rebelião de Stonewall, as lésbicas negras, as travestis negras é que estavam à frente do embate com a polícia. Mas mesmo assim, um ano depois, a parada ficou conhecida como parada gay. Ainda hoje a galera fala parada gay e não parada da diversidade. Por isso que a gente fala tanto de ter o dia da visibilidade para 29 de agosto: a gente trata de dar visibilidade às nossas pautas.
BdF PE: Malu, o crime de ódio motivado por preconceito contra lésbicas tem um nome: lesbocídio. A que se deve o alto número de lesbocídio e sobretudo contra mulheres negras, como vimos no Dossiê?
MA: Traz muito desse lugar social que nós estamos inseridas. Para além do machismo e do racismo que a gente sabe que que caminham juntos nessa nossa sociedade brasileira, tem muito de estarmos à margem das políticas, da inserção nesses espaços de controle social, nos espaços da sociedade no geral. Mas a gente entende, de vivência, que esses números são muito muito aquém do que o retrato da sociedade, estão defasados. A gente não vê na mídia, mas temos diversos assassinatos.
Um [aconteceu] em Camaragibe, esse ano, que foi de uma jovem inserida no movimento. Foi um crime de muito ódio, com o uso de força demasiada, ela foi apedrejada e apunhalada. Isso a gente não ouve, não se divulga! Mas foi pelo fato de ser lésbica sim, por um ex que achava que era dono dela. Esses números não entram no sistema como lesbocídio, entram no máximo como um feminicídio. Por isso a importância da gente ter levantamentos para entender como essa violência nos atinge.
BdF PE: Voltando a falar sobre o Candaces, qual a forma de atuação de vocês, no sentido de sensibilizar e dialogar com a sociedade sobre as lutas das mulheres negras, lésbicas e bissexuais?
MA: Nós estamos em espaços de controle social. Hoje, o Candaces está no Conselho Nacional de Saúde, enquanto rede nacional. Também temos ações nos estados, e aí antes da pandemia, quando a gente tinha uma dinâmica social diferenciada, tínhamos encontros anuais, onde trazíamos o que cada estado estava fazendo. Aqui em Pernambuco, por exemplo, e retomamos agora em 2022. Nós estamos no Conselho Estadual LGBT, estamos no Comitê Interinstitucional Pró-Lésbicas e Mulheres Bissexuais, compomos o Fórum LGBT de Pernambuco e dentro desses espaços fazemos a discussão de politicas.
Ouça o programa na íntegra:
Edição: Vanessa Gonzaga