O advogado João Arnaldo, candidato da federação Rede-PSOL ao Governo de Pernambuco, se mostrou confiante no seu crescimento. Ele aparece com 2% na última pesquisa Ipec, do dia 30 de agosto, mas considera esta uma eleição atípica no estado, em que não há um candidato “natural” e os antigos quadros da política local não estão presentes. “É um momento de transição”, avaliou. A afirmação foi feita durante entrevista exclusiva concedida ao Brasil de Fato.
O candidato criticou sua ex-aliada e hoje adversária Marília Arraes por ter se filiado ao Solidariedade e pelas alianças formadas com André de Paula (PSD) e Sebastião Oliveira (Avante). Arnaldo também prometeu um programa de renda básica complementar aos auxílios federais e uma rede de cozinhas comunitárias em parceria com movimentos populares. Arnaldo foi o segundo da série de entrevistas que o BdF Pernambuco está realizando com os candidatos ao Governo do Estado. O primeiro foi Danilo Cabral (PSB).
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A ordem das entrevistas foi definida de acordo com a disponibilidade dos candidatos. Foram convidados os oito candidatos que alcançaram ao menos 1% nas intenções de voto da pesquisa do instituto Ipec do último dia 15 de agosto. São eles: Marília Arraes (SD), Raquel Lyra (PSDB), Anderson Ferreira (PL), Miguel Coelho (UB), Danilo Cabral (PSB), João Arnaldo (PSOL), Jones Manoel (PCB) e Cláudia Ribeiro (PSTU).
Natural de Salgueiro, João Arnaldo é advogado, servidor público federal e foi superintendente do Ibama em Pernambuco durante o governo Lula. Foi filiado ao PT e em 2020, já no PSOL, foi candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Marília Arraes, hoje sua adversária na disputa pelo governo.
No vídeo abaixo está a entrevista na íntegra. Ou leia trechos sobre os temas abordados.
2% nas pesquisas
"Da mesma forma que há 6 anos atrás ninguém dizia que o PSOL faria um vereador no Recife, mas elegemos Ivan Moraes (PSOL). Ninguém dizia, há 4 anos, que faríamos um mandato coletivo de mulheres em Pernambuco, mas as Juntas (PSOL) estão aí fazendo um mandato extraordinário. Ninguém dizia que faríamos uma mulher negra a vereadora mais votada do Recife, mas há dois anos conseguimos isso com Dani Portela (PSOL)."
"Agora dizem que não vamos ganhar a eleição, mas em apenas uma semana de campanha oficial dobramos nas pesquisas, saindo de 1% para 2%. Se na próxima aparecermos com 3% não será surpresa para nós. Esta é uma eleição atípica, sem lideranças naturais. É um momento de transição política. Os quadros tradicionais deixaram a disputa, alguns deixando primos, sobrinhos ou netos. Mas prefiro comentar percentual daqui a três semanas."
Marília Arraes
"Em 2020 foi uma aliança entre PSOL e PT, um projeto de esquerda que denunciava os retrocessos políticos e administrativos de Geraldo Julio (PSB) no Recife, que jogou fora os avanços construídos pela gestão do PT na capital. Nós defendemos o legado e queríamos avançar pela esquerda. Este ano é diferente: a deputada Marília Arraes migrou do PT para o Solidariedade, um partido que apoiou um golpe sem nenhuma justificativa contra a primeira presidenta do país. O Solidariedade compôs o governo Temer e foi aliado de Bolsonaro em várias retiradas de direitos."
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"Ela também se aliou a André de Paula (PSD), um quadro ligado a Marco Maciel e ao antigo PFL. Ela também se aliou a Sebastião Oliveira, herdeiro de Inocêncio Oliveira, outra liderança do PFL em Pernambuco. Ambos são deputados fiéis a Bolsonaro no Congresso: apoiaram todos os projetos de retirada de direitos da classe trabalhadora. Nós do PSOL não acreditamos em nada disso como alternativa. A forma como se faz uma campanha e se ganha uma eleição, determina como será o governo. Para fazermos algo diferente do PSB, a campanha tem que ser diferente."
Fome
"Bolsonaro é o grande responsável pela tragédia social que vive o país. Mas o Governo do Estado tem responsabilidade de priorizar o que é mais importante para a sua população. E o atual governo tem se omitido de cuidar de quem mais precisa".
"Queremos criar um programa de renda básica estadual permanente complementar ao auxílio nacional. Vamos garantir um valor de R$600 para cada uma das 350 mil famílias em situação de extrema pobreza em Pernambuco. Com R$1.200 por mês, garantimos um mínimo de dignidade para essas famílias."
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"Também queremos criar 1.200 cozinhas solidárias em parceria com os movimentos sociais e organizações populares, garantindo café, almoço e jantar para a população que está em situação de fome, reduzindo o custo das famílias com alimentação. Não queremos gente passando fome. A comida das cozinhas solidárias será adquirida através de compra direta da agricultura familiar."
Emprego
"Além das cozinhas solidárias, comprando da agricultura familiar de Pernambuco, a alimentação escolar também vai comprar dos agricultores do nosso estado, porque hoje é alimentação industrializada e produzida fora do estado. Vamos gerar renda aqui."
"Vamos criar uma agência estadual de desenvolvimento do micro e pequeno negócio local, prestando auxílio ao pequeno empresário. Hoje os informais não têm assistência de ninguém, mas isso vai mudar. Também queremos criar um programa de incentivo à criação de empresas jovens, as chamadas 'empresas juniors'."
"Vamos também criar um banco popular, que possa captar recursos com o BNDES e Banco do Nordeste (BNB) e oferecer crédito para esse pequeno negócio, que é quem mais emprega e gera renda."
"A degradação da condição de emprego em Pernambuco e no Brasil têm como causa comum a política macroeconômica ultraliberal, que tem retirado os investimentos na economia. Outra causa são as políticas estaduais que em vez de dar mais equilíbrio e distribuição de renda, aqui só concentrou renda."
"Hoje o Governo do Estado oferece incentivos para empresas que tiram emprego de quem mais emprega, como essa rede de atacarejos, que recebem isenção fiscal de quase 80%, geram poucos empregos e acabam por falir os mercadinhos de bairros, que empregam mais gente".
Moradia
"Vamos criar o maior programa de habitação de Pernambuco. Em marketing eleitoral o atual Governo do Estado investe quase R$500 milhões por ano. Esse dinheiro será destinado à habitação. Mas também vamos buscar, com Lula presidente, mais R$600 milhões, somando R$ 1 bilhão por ano para o programa de habitação. E criaremos uma frente de construção de imóveis coletivos, em parceria com o Conselho Regional de Engenharia (Crea) e organizações populares. Vamos gerar emprego, renda e habitação digna ao mesmo tempo."
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"Pernambuco tem um déficit de cerca de 350 mil moradias, mas também tem quase 300 mil imóveis desocupados - muitos deles no centro do Recife. A política vai ser: construção de moradia, desapropriação de imóveis abandonados e negociar com os municípios a regulamentação do Estatuto das Cidades, para implementar o IPTU progressivo, desestimulando a especulação imobiliária. Queremos em quatro anos garantir moradia digna para todas as famílias que hoje vivem em palafitas e áreas de risco."
"Bolsonaro acabou com o Minha Casa Minha Vida. E em fevereiro deste ano ele zerou os investimentos em habitação. Como Pernambuco não tem uma política de habitação, não há nenhum programa que incentive a construção de casas populares. O resultado é a tragédia que vimos com as chuvas e uma enorme quantidade de residências em áreas de risco."
Saúde
"Vamos 'desprivatizar' o modelo atual, do PSB, que fez uma 'privatização disfarçada' através das Organizações Sociais da Saúde (OSS), que não têm fim lucrativo, mas que na prática elas fazem divisão de lucros entre seus proprietários. Isso tem encarecido os serviços: a OS cobra quatro salários mínimos por enfermeiro, mas paga a este enfermeiro menos de um salário mínimo em alguns casos. O estado tem destinado quase R$7 bilhões para a saúde anualmente, sendo um terço desse valor para as OS."
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"Vamos encerrar esses contratos que têm sangrado os recursos da saúde em Pernambuco e fortalecer o SUS como política de gestão da saúde. Queremos construir três hospitais, nas cidades de Caruaru, Salgueiro e Petrolina, para atender casos de alta complexidade. E vamos recuperar os hospitais regionais das cidades polo, que hoje estão sucateados ou até fechados. Vamos reestruturá-los e fazer concurso público. E também criaremos casas de parto, para as quais também faremos concurso."
Segurança
"Os números trágicos de violência em Pernambuco acontecem em consequência de uma política pública equivocada, que precisamos inverter. Os policiais irão receber uma aula de compreensão das relações e dinâmicas territoriais. O planejamento da segurança vai ser todo pelo território, criando conselhos comunitários envolvendo gestores da segurança, a comunidade escolar e lideranças comunitárias para planejar a política de segurança local."
"Também criaremos uma 'agente de paz' para mediar conflitos, um tipo de 'conselho tutelar' voltado para mapear possíveis problemas ou conflitos na comunidade para atuar de forma preventiva. Também vamos instalar câmeras nas fardas dos policiais, para proteger a comunidade, mas também para proteger os bons policiais. Quem não deve, não teme."
Edição: Vanessa Gonzaga