Pernambuco

Coluna

A representatividade como alegoria

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"Ocorre que um espaço de poder ocupado por uma pessoa com deficiência é urgente e importante para um projeto de país democrático e justo" - Paulo H Carvalho/Agência Brasília
A potência transformadora das lutas das pessoas com deficiência têm sido esterilizadas

[Audiodescrição: Em fotografia aparece de costas um homem em uma cadeira de rodas. Ele está de boné vermelho, uma camiseta preta de mangas curtas,  e tem tatuagens em sombra preta no braço direito. À sua frente uma calçada acessível a sua cadeira,  com piso tátil e, ao longe, um prédio o qual está acessando. Fim da descrição.]

Gostaria de iniciar esse texto lembrando a fala de Silvio Almeida no programa Roda Viva, exibido em 22/06/2020: “A representatividade importa, mas não resolve os problemas estruturais do racismo”. Nesta coluna, gostaria de chamar atenção para o período eleitoral, o qual vem sendo tomado pelas falas de representatividade, sejam elas relacionadas à raça, gênero ou capacidade. Precisamos ficar atentos ao perigo que a concepção rasa acerca dessa temática pode ocasionar. 

Embora com perspectivas distintas, acredito que a base ideológica que configura a situação é semelhante, quando trazemos para reflexão as reivindicações das pessoas com deficiência. Neste sentido, tomo as palavras da postagem em rede social do Coletivo Hellen Keller, o qual atua em defesa das pautas das mulheres com deficiência: 

“Não há dúvidas de que a representatividade de pessoas com deficiência, ocupando cargos no legislativo e executivo é importante para nossa luta, mas precisamos ir além, precisamos de governantes (com e sem deficiência) defendendo uma pauta ‘emancipatória’”.

E o que seria isso? Seria a defesa de uma inserção (ou inclusão) de pessoas com deficiência, com uma perspectiva de liberdade e transformação, onde nosso protagonismo tem prioridade, possibilitando que nossos corpos ocupem todos os espaços de acesso à saúde, trabalho, lazer, educação com garantia de acessibilidade, com respeito à dignidade das nossas vidas e das nossas escolhas, proporcionando uma educação inclusiva nas escolas regulares, garantindo nosso direito de ir e vir com meios de transporte acessíveis, fortalecendo as redes de suporte para que o cuidado possa ser um direito básico, dentre inúmeras outras pautas que promovem emancipação e inclusão social de pessoas com deficiência”.

Jair Bolsonaro, a partir da imagem de benevolência e caridade, as quais aparecem fortemente na figura da primeira dama, Michelle Bolsonaro, são exemplos didáticos do modo como a potência transformadora das lutas das pessoas com deficiência têm sido esterilizadas. Este utiliza as pautas e bandeiras desse segmento - inclusive com alguns representantes ocupando espaços de poder -, com objetivos focados em proposições de caráter assistencialistas e conservadores, diminuindo as conquistas e direitos desses sujeitos a partir do controle social sobre seus corpos e vidas. 

Ocorre que um espaço de poder ocupado por uma pessoa com deficiência é urgente e importante para um projeto de país democrático e justo, quando sustentado por uma agenda política emancipatória, a qual coloque em debate as formulações históricas do movimento e que garanta seus direitos.

A lógica bolsonarista, em que as pessoas com deficiência são apresentadas individualmente – sob uma ótica meritocrática e sem discussões sobre desigualdade de classe, raça e gênero - ou a partir de instituições, - corroborando com espaços historicamente segregadores e orientados pela dominação capacitista - serve apenas reforçar a não superação da opressão corponormativa.

A representatividade precisa estar ligada a uma agenda política que discuta a vida das pessoas com deficiência (com as próprias pessoas com deficiência como protagonistas dessa construção), sem que esta seja considerada “o corpo humano com falta que precisa de caridade/benevolência”.

A forma como o governo Bolsonaro tem se apropriado e aliciado as demandas das pessoas com deficiência – tendo como roteiro as aparições sensacionalistas dos seus corpos ao som dos “louvores de Deus”, sem garantir a escuta das suas lutas históricas -, reforçam a falta de compromisso com uma política emancipatória e/ou libertadora. Devemos lembrar que dar condições de existência, vai muito além da execução de um discurso em Libras, seja ele realizado pelos próprios surdos ou pela primeira – dama. Ser visto não é diretamente proporcional a não ser violentado e descartado. 

Esse modus operandi confunde, divide o segmento e, definitivamente, não o representa, visto que reforça a naturalização do lugar de dependência, divinização e infantilização da pessoa com deficiência, desta forma, despolitizando pautas de máxima urgência, rendendo suas vidas e, consequentemente, suas possibilidades e sonhos.

Representatividade importa, mas quando apropriada pelas contradições do capital e ultraconservadorismo, os quais orquestram e autorizam a lógica de apagamento, espetacularizando a precariedade vivida pelas pessoas com deficiência, o resultado consiste apenas na naturalização do silêncio diante da condição de dominado.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga