Pernambuco

ELEIÇÕES 2022

Pautas LGBTQIA+ aparecem de forma tímida nos programas dos candidatos ao Governo de Pernambuco

Marília Arraes e Anderson Ferreira não possuem propostas; já Miguel Coelho é contra a “ideologia de gênero”

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Na sequência, da esquerda para a direita: Marília Arraes (SD), Anderson Ferreira (PL), Raquel Lyra (PSDB) e Danilo Cabral (PSB) - Fotos: Divulgação/Montagem: Brasil de Fato

O Brasil segue figurando em primeiro lugar na lista dos países que mais matam pessoas LGBTQIAP+ no mundo, de acordo com o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+Pernambuco é uma peça do trágico mosaico, somando 18 das 316 mortes violentas registradas em 2021, o que o coloca em sexto lugar entre os estados em números absolutos. Mesmo assim, a temática é preterida pela maioria dos candidatos a governador que melhor pontuam nas pesquisas.

O dossiê, assinado por diversas organizações sociais, denuncia a ineficácia do Estado - em todas suas esferas de poder - em responder às violações aos direitos humanos, apontando para a necessidade da construção de políticas públicas voltadas para a população fora da cis-hétero-normatividade.

Leia: O que pensam e como votaram os candidatos ao Senado que lideram pesquisas em Pernambuco?

Apesar de os movimentos populares reforçarem a urgência da pauta, o tema quase não apareceu nos programas dos candidatos mais bem colocados na disputa pelo Governo de Pernambuco


Parada LGBT de Casa Amarela, na zona norte do Recife/ Rebeca Martins

O movimento LGBT Leões do Norte convocou para a última sexta-feira (16) um debate com Marília Arraes (Solidariedade), Raquel Lyra (PSDB), Anderson Ferreira (PL), Danilo Cabral (PSB), Miguel Coelho (União Brasil) e João Arnaldo (PSOL). O evento foi cancelado diante da não confirmação da presença dos candidatos.

O Brasil de Fato compilou como é tratado o assunto nos Planos de Governo oficiais dos cinco melhores colocados na última pesquisa eleitoral realizada pelo IPEC, divulgada no último dia 30. 

Veja abaixo quais são as políticas públicas para o público LGBTQIA+ que cada candidato propõe:

Marília Arraes (Solidariedade)

À frente na corrida eleitoral com 33% das intenções de voto, Marília Arraes não apresenta nenhuma proposta de política pública específica com esse enfoque. Não há recorte de sexualidade e gênero nem nos eixos de saúde e de desenvolvimento social do seu programa oficial. 

Os termos “LGBTQIA+”, “LGBTfobia” e “sexualidade” não aparecem no documento de 12 páginas. A parte que mais se aproxima a um vago aceno é o penúltimo parágrafo, que fala em construir um “Estado de todas as cores, de todas as pessoas”. 


Marília Arraes (SD) e André de Paula (PSD) em ato de lançamento da coligação/ PH Reinaux

“Igualdade de gênero, raça, direito à diversidade de pensamento e crença serão tratados como garantias constitucionais, conquistas do estado brasileiro”, diz o trecho.

Em agosto, já na campanha ao governo, a ex-deputada federal frisou que seu governo iria "respeitar a população LGBT", mas afirmou ser contra a linguagem neutra por "invisibilizar as mulheres", durante sabatina na Rádio Jornal. Os pronomes neutros são recursos para se referir de maneira inclusiva às pessoas que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino. 

Marília é candidata pela coligação “Pernambuco na Veia” com  Sebastião Oliveira (Avante) como vice, e ao lado de André de Paula (PSD) na concorrência pelo Senado. O trio está apoiando a eleição para presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

André de Paula, inclusive, estava deputado federal em 2019 e votou contra emenda de Paulo Pimenta (PT-RS) que propunha incluir de volta as políticas específicas para a comunidade no escopo do trabalho do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Essa era uma atribuição da pasta em governos anteriores, até Jair Bolsonaro (PL) removê-la, através de decreto, assim que assumiu a presidência. 

À época no PT, sigla da qual se desfiliou este ano, Marília votou a favor da emenda. Já o seu partido atual, Solidariedade, orientou seus parlamentares a se posicionarem contrariamente.

 Raquel Lyra (PSDB)

O Programa de Governo da tucana também não inclui políticas públicas de combate à LGBTfobia, apesar de mencionar outros grupos em maior vulnerabilidade. No capítulo intitulado "Um olhar para quem mais precisa", a candidata cita pessoas em situação de pobreza, mulheres e crianças e pessoas com deficiência. 

Só neste ano, duas denúncias de LGBTfobia repercutiram na cidade de Caruaru, no Agreste do Estado, da qual Raquel foi prefeita por seis anos, de 2016 a 2022.  Em abril, um requerimento que pedia ao Governo Estadual a implantação de um ambulatório especializado no atendimento a pessoas LGBTQIAP+ foi vetado pela Câmara de Vereadores


Raquel Lyra (PSDB), Priscila Krause (CD) e Guilherme Coelho (PSDB) em lançamento das candidaturas / Divulgação

Na ocasião, os únicos dois vereadores do Cidadania (partido da candidata a vice Priscila Krause) foram contrários à proposição. Não há legisladores eleitos pelo PSDB na Casa.

Três meses depois, em julho, foram retirados das ruas de Caruaru dois outdoors sobre o Diversiclube, um cineclube voltado para debater questões de temática LGBTQIA+.  À época, a organização da iniciativa apontou que o município tinha um núcleo "muito conservador" em instituições e empresas, apesar de sua população plural. 

Raquel Lyra concorre ao Governo do Estado junto com Priscila Krause na chapa com o candidato a senador Guilherme Coelho (PSDB). Nacionalmente, os dois partidos apoiam a candidatura de Simone Tebet (DEM). 

Danilo Cabral (PSB)

Dos cinco candidatos que melhor pontuam, o candidato da chapa Frente Popular de Pernambuco é o único que menciona a população LGBTQIA+ em seu Plano de Governo. O capítulo "cidadania, direitos e inclusão" inclui o eixo "Proteção e emancipação social, garantia de direitos e políticas específicas para mulheres, juventude, idosos, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+ e para igualdade racial, povos tradicionais e população em situação de rua". 

Nele, o candidato especifica a "defesa dos direitos, atenção específica e condições para inclusão socioeconômica da população LGBTQIA+" como uma das propostas da sua gestão.  


Teresa Leitão (PT), Luciana Santos (PCdoB), Lula e Danilo Cabral (PSB) durante passagem do presidenciável por Pernambuco / Ricardo Stuckert

De maneira mais geral, sob o mesmo eixo, o programa também propõe estruturar "redes integradas para acolhimento, atenção, inclusão socioprodutiva, educação, empoderamento e emancipação pessoal para a aplicação de políticas públicas transversais". 

Esse trecho coloca o fortalecimento e ampliação da Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como peça importante na formulação de políticas da assistência social integrada e universal.

O SUAS engloba, por exemplo, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializada de Assistência Social (Creas).Por fim, o texto reforça e destaca a participação do poder estadual na articulação do poder público, setor privado e sociedade civil na promoção de direitos das populações que sofrem com discriminação e violência.

Leia: “A nossa posição no impeachment foi errada”, admite Danilo Cabral (PSB) 

O plano também afirma que as gestões anteriores da Frente Popular ampliaram e qualificaram o acesso a serviços públicos essenciais, "garantindo uma rede para proteção e promoção de direitos fundamentais", mencionando "programas de garantia e complementação de renda, infraestrutura de assistência social, inclusão socioprodutiva e redes de proteção social" promovidos para públicos como o LGBTQIA+.  

Em relação à sua atividade enquanto deputado federal - cargo que deixou para concorrer ao Governo -, Danilo Cabral também votou a favor da emenda que colocava as políticas para a comunidade LGBTQIA+ de volta ao Ministério da Mulher e Direitos Humanos, conforme orientou o PSB. 

O socialista encabeça a Frente Popular de Pernambuco, com Luciana Santos (PCdoB) como vice e Teresa Leitão (PT) para o Senado. Esses são os candidatos que têm o apoio oficial de Lula (PT) no Estado. 

Miguel Coelho (União Brasil)

O Plano de Governo de Miguel Coelho tampouco faz propostas para a população LGBTQIA+. Pelo contrário: o desenvolvimento da sua campanha para governador, assim como o histórico na Prefeitura de Petrolina, aponta para a direção inversa. Chancelado pelo apoio do casal evangélico Cleiton Collins e Michelle Collins, Miguel quer conquistar a aprovação e os votos do eleitorado neopentecostal e pentecostal mais conservador nesta corrida ao Governo.

Leia: O que o “orçamento secreto” de Bolsonaro tem a ver com Pernambuco?

Não é a toa que sua propaganda eleitoral explora seu posicionamento contrário a aborto, legalização das drogas e “ideologia de gênero” - termo criado por fundamentalistas cristãos, resgatado pela direita no Brasil e não reconhecido pelo mundo acadêmico. 


Miguel Coelho (UB) posa com Cleiton e Michele Collins, ambos do PP e conhecidos por projetos contra a diversidade sexual e de gênero / Divulgação

Quando ainda era prefeito de Petrolina (2016 - 2022), Miguel Coelho sancionou uma lei que veta a discussão sobre diversidade sexual na rede de ensino e a propagação da "ideologia de gênero". A proposta veio da Câmara de Vereadores, de autoria do vereador Elias Jardim (à época no PHS).

A lei 2.985 de 2017, assinada pelo ex-prefeito, proíbe nas escolas municipais e da rede privada a existência da disciplina "ideologia de gênero" (que nunca existiu), bem como "qualquer disciplina que tente orientar a sexualidade dos alunos ou que tente extinguir o gênero masculino ou feminino como gênero humano". 

Leia: Grupos conservadores invadem hospital para tentar impedir aborto legal no Recife

Também bane especificamente livros didáticos que versem ou se refiram, direta ou indiretamente, à diversidade sexual e à educação sexual. Mesmo promovendo as pautas conservadoras em discursos, entrevistas e material de campanha, Miguel Coelho não aborda os temas no seu Plano de Governo oficial.

Ele concorre ao Governo com Alessandra Vieira (UB) como vice e com Carlos Andrade Lima (UB) na candidatura ao Senado. A chapa “Pra transformar Pernambuco” é união do UB, Podemos, PSC e Patriotas e apoia Soraya Thronicke (UB) para a Presidência da República.

Leia: Conheça os parlamentares que invadiram Cisam para tentar evitar aborto em criança

Anderson Ferreira (PL)

O ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes é o candidato oficial de Jair Bolsonaro (PL), contumaz agressor dos direitos às pessoas LGBTQIA+.  Seu Plano de Governo não faz propostas direcionadas ao público LGBTQIA+. 

No eixo de de "Desenvolvimento Social" do documento, o candidato promete alinhar as ações do Governo Estadual ao Planejamento Estratégico do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. É o mesmo ministério que teve extinto, em dezembro do ano passado, o Departamento de Promoção dos Direitos de LGBT para a criação de outro órgão mais geral, que abarca a demanda de outras populações em vulnerabilidade: o Departamento de Proteção de Direitos de Minorias Sociais e Populações em Situações de Risco. 


Anderson Ferreira já foi deputado federal, tem sua trajetória ligada às igrejas neopentecostais e conta ainda com pai, irmão e cunhado com mandatos / Comunicação PL

Em 2013, quando era deputado federal, Anderson Ferreira propôs um projeto de lei que criava o Estatuto da Família (PL 6.583/13), que ainda tramita na Câmara Federal. A redação do PL define, inclusive com destaque em negrito, família como "união entre um homem e uma mulher". 

Anderson Ferreira foi perguntado, em sabatina ao G1 no último mês, sobre o Estatuto e sobre como lidaria com os direitos dos servidores que não se enquadram na configuração que o PL considera como família. O candidato negou que o texto fizesse essa definição, e logo em seguida se contradisse ao confirmar a informação.

Leia: Bolsonaro faz motociatas pelo Agreste pernambucano e visita "terra do Lula" em campanha

"O projeto do Estatuto da Família não diz isso", iniciou o ex-prefeito. E prosseguiu: "No Estatuto tem um item que, para poder colocar várias ações de políticas públicas para valorização da família, tinha que descrever o que era família. Eu extraí o trecho da Constituição que diz a constituição do que é família", afirmou na entrevista.

Como forma de provar que "não exclui ninguém", o ex-prefeitou falou que ele "tem um transsexual na Guarda Municipal", fazendo referência à primeira mulher trans a ser empossada em uma Guarda Civil do País, e que denunciou ter sofrido transfobia dentro da corporação. 

"Se eu fosse homofóbico ou tivesse alguma perseguição, eu não deixaria ter um transsexual dentro da Guarda Municipal", falou, desrespeitando os pronomes referentes a identidade de gênero da servidora. 

Na chapa "Bora mudar Pernambuco",  Izabel Urquiza (PL) é a candidata a vice-governadora e Gilson Machado Neto (PL), ao Senado.

Leia: Primeira mulher trans empossada na Guarda Civil de Jaboatão dos Guararapes denuncia transfobia

Edição: Vanessa Gonzaga