A relação de interdependência entre campo e cidade fica bastante visível no ato de se alimentar. Isso porque, ir à feira ou ao mercado comprar alimentos, pressupõe que o campo está plantando, colhendo, distribuindo e vendendo. Contudo, no Brasil, a questão agrária envolve desigualdades no acesso à terra e a luta constante dos movimentos sociais para garantir a reforma agrária popular.
O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo. O Censo Agropecuário realizado em 2017 aponta que cerca de apenas 1% dos proprietários de terras controlam quase 50% da área rural do país. Enquanto os estabelecimentos menores de 10 hectares representam metade das propriedades rurais, mas controlam apenas 2% da área total.
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Além do acesso à terra, outra questão urgente é o convívio harmônico com o meio ambiente e a produção de alimentos sem agrotóxicos, tendo em vista o avanço da degradação ambiental e a liberação crescente de agrotóxicos no Brasil - Bolsonaro foi o presidente que mais liberou agrotóxicos na história, com uma média de 1,4 agrotóxicos liberados por dia até março deste ano. É nesse contexto que as famílias agricultoras vêm buscando formas de conviver com o Semiárido - que ocupa cerca de 87% do território de Pernambuco - e produzir alimentos saudáveis para suas famílias e para a população.
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Um dos métodos impulsionados atualmente é a agroecologia, que prevê a preservação da biodiversidade, o não uso de agrotóxicos, o acesso à água de qualidade, o equilíbrio nas relações de gênero, a não violência entre outras premissas. Em uma conjuntura na qual a fome atinge 47% da população do Semiárido pernambucano - de acordo com dados divulgados pelo Manifesto Agroecologia Urgente, formulado por um grupo de agricultores, lideranças do campo, professores, estudantes e ativistas ambientais - diversas organizações da sociedade civil e movimentos populares levantam bandeira da agroecologia também como forma de mitigar esse problema.
As necessidades das agricultoras e agricultores, da população camponesa e urbana são inúmeras, e a ação governamental para garantir a reforma agrária, fortalecer a agricultura familiar e a produção agroecológica no estado é tida como urgente pelos militantes e sociedade civil organizada. Com base nessa compreensão, algumas candidaturas ao legislativo estadual foram lançadas em 2022.
Candidatura agroecológica
Alexandre Henrique Pires é um dos candidatos ao legislativo estadual que tem como pauta prioritária a agroecologia. Ele é sertanejo, filho de agricultores e dedicou boa parte de sua carreira ao trabalho junto a famílias agricultoras do Semiárido pernambucano. Ele disputa pela primeira vez uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e sua candidatura é impulsionada pelo Movimento Agroecológico de Pernambuco.
A defesa da universalização do acesso à água, de uma política de sementes crioulas para a produção de alimentos e da Reforma Agrária entram como propostas para o mandato de Alexandre. Além disso, o candidato pretende cobrar do governo estadual a implementação da Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica e do Programa Estadual de Aquisição de alimentos da Agricultura Familiar, garantindo compras institucionais, ampliando a produção sustentável e doando alimentos saudáveis para pessoas em situação de fome.
Alexandre argumenta que os governos devem defender a agroecologia no estado por esta ser “uma prática, um movimento e uma luta que se baseia num conjunto de demandas e dimensões que são fundamentais. Ela se relaciona com a geração de trabalho, a alimentação saudável, o enfrentamento às mudanças climáticas, a autonomia econômica das mulheres, a luta em proteção das nossas florestas, em nosso caso, em relação a nossa Caatinga e Mata Atlântica”.
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Outra proposta trazida pelo candidato é a defesa de um Programa Estadual de Redução do Uso de Agrotóxicos, onde podem ser estabelecidas “estabelecendo metas ano a ano, definindo territórios livres de agrotóxicos, buscando a participação dos municípios, incentivando a cultura agroecológica que é muito mais sustentável. Esse programa precisa ser construído para pautar na sociedade uma consciência sobre a importância do combate aos agrotóxicos e os males que eles causam para a vida das pessoas”.
Sem Terra na Alepe
Rosa Amorim concorre pela primeira vez ao legislativo estadual. A candidata faz parte da primeira geração de assentados que nasceu dentro da área conquistada, no caso, do Assentamento Normandia em Caruaru. Faz parte do movimento cultural, feminista e estudantil. Ela concorre pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e vem como uma candidatura Sem Terra, construída pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e outros movimentos sociais.
Das 13 propostas que orientam o seu mandato, as duas primeiras versam sobre a reforma agrária, a agricultura familiar e a agroecologia. Rosa Amorim pretende criar uma legislação estadual que institua uma política de reforma agrária e regularização de terras indígenas e quilombolas, além de denunciar a violência contra todos os povos do campo e da luta pela terra.
A sua segunda proposta envolve criar uma política de transição agroecológica para os assentamentos e para a agricultura familiar, além de legislação que preveja a compra de alimentos saudáveis da agricultura familiar para a alimentação escolar, de hospitais e demais órgãos públicos e também para o combate à fome e à miséria. A luta por um fundo de financiamento para fomentar a agroecologia, a criação de agroflorestas, o cooperativismo e experiências de economia solidária também estão entre as propostas do seu mandato.
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Agricultor na disputa pela reeleição
Candidato à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o agricultor familiar Doriel Barros traz como pauta prioritária a agricultura familiar. Para o novo mandato, alguns dos seus compromissos são: lutar pela implementação da lei que instituiu o Plano Estadual de Juventude e Sucessão Rural - de sua autoria; apoiar e fortalecer as lutas dos movimentos sociais e sindical em defesa da reforma agrária e regularização fundiária; e o incentivo à produção agroecológica.
Diante do cenário de retrocessos nas políticas públicas, aumento da fome e da violência no campo, Doriel destaca que três ações vigentes do seu mandato são muito importantes para ajudar a reduzir a fome e a violência na área rural. “O Programa Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PEAAF), a Política Estadual de Sementes Crioulas e Agrobiodiversidade e a Política de Segurança e Defesa no Campo”, pontua.
“O PEAAF, por exemplo, trabalha com duas frentes: junto aos agricultores e às agricultoras familiares, que têm a sua produção com venda garantida; e colocando comida na mesa das famílias em situação de insegurança alimentar, seja no campo ou na cidade”, explica o candidato.
Em relação à Política de Segurança e Defesa no Campo, o candidato afirma que ela “dá à população do campo acesso às ações preventivas, repressivas e aos instrumentos de denúncia nas localidades em que moram, não necessitando, portanto, que saiam do local para buscar proteção nos centros urbanos. Idosos, mulheres, jovens, todos precisam acessar as políticas de segurança de forma a conseguirem desenvolver suas atividades no meio rural sem medo”.
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Além das propostas encabeçadas pelas próprias candidaturas, a Articulação Nacional de Agroecologia lançou a campanha “Agroecologia nas Eleições 2022”. Ao todo, quase 400 candidatas/os assinaram a Carta-compromisso Agroecologia nas Eleições 2022 no Brasil. Eem Pernambuco, 11 candidatos à Alepe assinaram, dos quais quatro são do PT (Rosa Amorim, Doriel Barros, Wedson Galindo, João Paulo), três são do Psol (Alexandre Pires, Dani Portela, Ivan Moraes), uma é do PCdoB (Cida Pedrosa), uma é do Cidadania (Leo Salazar), uma é do Solidariedade (Luciano Duque) e uma é da Unidade Popular (Rafael Wanderley).
Edição: Vanessa Gonzaga