Não dá para falar das Eleições 2022 sem mencionar a fome. A pobreza alcançou quase 63 milhões de brasileiros no ano passado, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e a realidade bateu na porta de Pernambuco. O Estado é onde houve o maior aumento no número de pessoas na miséria entre 2019 e 2021 no país.
Metade de toda a população pernambucana agora vive com renda de até R$ 497 mensais. A gravidade da questão a torna - ou deveria torná-la - uma tarefa urgente para o próximo governador que ocupar a vaga do Palácio do Campo das Princesas.
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O Brasil de Fato Pernambuco fez um levantamento das propostas oficiais de políticas públicas de combate à fome e à pobreza que constam nos Planos de Governo dos cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas eleitorais. O ranking leva em consideração o último levantamento do Ipec, divulgado na última quarta-feira (21). Confira o que propõem os candidatos:
Marília Arraes (Solidariedade)
A candidata do Solidariedade coloca o combate à fome e à pobreza como o primeiro princípio do seu Plano de Governo, ao lado do desenvolvimento de políticas públicas de geração de emprego e renda.
No eixo de Desenvolvimento Social, ela diz que aplicará um reforço emergencial no Fundo Estadual de Combate à Pobreza com o objetivo de assegurar a segurança alimentar dos pernambucanos, "sobretudo das gestantes, crianças e estudantes da rede pública de ensino".
O Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecep) foi instituído em 2003 em Pernambuco e tem como finalidade captar, gerir e destinar recursos para políticas públicas relacionadas à temática.
Marília Arraes também promete regulamentar o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PEAAF), política sancionada em 2020 durante o Governo Paulo Câmara (PSB) e que ainda está em processo de implementação. O PEAAF estabelece que pelo menos 30% de todas as compras de alimentos feitas pelo Governo de Pernambuco sejam de produtos provenientes de agricultores familiares.
A ex-deputada federal também quer criar o Novo Chapéu de Palha, ampliando e modernizando o programa criado pelo ex-governador Miguel Arraes (PSB) em 1988 e reeditado pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), seu neto, em 2007.
Atualmente, o Chapéu de Palha concede bolsas complementares ao Bolsa Família e promove cursos profissionalizantes e de capacitação. O benefício chega a 41 mil pescadores artesanais e trabalhadores da palha da cana e da fruticultura irrigada - dado de 2021 da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão.
A proposta da também neta de Miguel Arraes é de incluir no programa os trabalhadores dos centros urbanos, com foco no incentivo à formação de microempresas "que atuarão de maneira integrada, em sistemas produtivos, com empresas que cuidarão da parte burocrática". Para o meio rural, ela planeja promover formação técnica em agropecuária (como beneficiamento da produção), economia criativa, empreendedorismo e cooperativismo.
Marília é candidata pela coligação “Pernambuco na Veia” com Sebastião Oliveira (Avante) como vice, e ao lado de André de Paula (PSD) na concorrência pelo Senado. O trio está apoiando a eleição para presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Raquel Lyra (PSDB)
Em seu Plano de Governo, Raquel Lyra reconhece o aumento alarmante da pobreza, palavra que se repete 34 vezes no documento. No capítulo "Um olhar para quem mais precisa", ela coloca pessoas em situação de pobreza entre as quatro populações prioritárias, junto com mulheres, crianças e pessoas com deficiência.
Quanto às políticas públicas de Inclusão Social e Direitos Humanos, a candidata promete reduzir o número de pessoas na pobreza, com a sugestão de "promover as políticas públicas de acolhimento, oferta de serviços de saúde e qualificação profissional para pessoas em situação de rua, em parceria e apoio financeiro aos municípios".
De concreto, a tucana propõe criar o programa chamado Mães de Pernambuco, que iria conceder um benefício de R$ 300 mensais para as mães em situação de pobreza. O objetivo seria aplacar a insegurança alimentar das famílias.
O Plano de Governo prevê ainda o programa de Restaurantes Populares Bom Prato Pernambucano, para oferecer refeições a um “custo acessível” à população de baixa renda. A candidata não especifica quantos e onde seriam localizados os estabelecimentos, nem o valor das refeições.
Para disputar as eleições para o Governo do Estado neste ano, Raquel Lyra deixou o mandato de prefeita de Caruaru, onde praticamente um quarto da população (24%) está em situação de extrema pobreza. Mais de 88 mil pessoas sobrevivem com até R$ 105 por mês de renda por membro da família, de acordo com dados da Secretaria Executiva de Assistência Social do Estado. Ela esteve à frente da prefeitura do município agrestino por seis anos, de 2016 até 2022.
Raquel Lyra concorre ao cargo de governadora na chapa com Priscila Krause (Cidadania) como vice e com o candidato a senador Guilherme Coelho (PSDB). Nacionalmente, os dois partidos apoiam a candidatura de Simone Tebet (DEM).
Danilo Cabral (PSB)
As medidas para o combate à fome e à pobreza abrem o primeiro eixo do Plano de Governo do candidato oficial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Pernambuco.
Danilo Cabral fala em dar continuidade às ações de complementação de renda, segurança alimentar e de atenção à população em situação de rua de inclusão socioprodutiva que já vêm sendo desenvolvidas pela gestão socialista.
Para o seu Governo, ele coloca como fundamental o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) - que engloba, por exemplo, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializada de Assistência Social (Creas).
Ele também pauta o fortalecimento de políticas como o Chapéu de Palha, a 13ª parcela do Bolsa Família e “benefícios temporários específicos para situações de maior vulnerabilidade”. O 13º do Bolsa Família foi implementado em Pernambuco em 2020, pelo atual governador Paulo Câmara (PSB).
De novidade, está pautada a reestruturação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar - política pública federal que sofre com desmonte - para que ele sirva como base para o “fornecimento de uma rede de restaurantes populares e cozinhas comunitárias” e para a “oferta de serviços e benefícios socioassistenciais de forma permanente a quem necessitar de proteção”.
A progressiva redução no investimento no PAA - que ficou mais dramática durante os governos Temer e Bolsonaro - impactou significativamente os pequenos produtores pernambucanos, que viram sua renda mensal cair, e os Bancos de Alimentos do Estado, que fornecem comida à população com fome.
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O programa de Danilo Cabral descreve que a mobilização das instituições públicas e privadas e das organizações sociais, “com papel ativo de coordenação e apoio por parte do Estado, são requisitos para o alcance e efetividade deste esforço coletivo”.
O socialista encabeça a Frente Popular de Pernambuco, com Luciana Santos (PCdoB) como vice e Teresa Leitão (PT) para o Senado. Esses são os candidatos que têm o apoio oficial de Lula (PT) no Estado.
Miguel Coelho (União Brasil)
No Programa de Governo, o candidato aborda a fome e a pobreza no eixo "Estado inclusivo e sustentável". Miguel Coelho fala em “fomentar” a criação de redes de restaurantes populares, com o critério de que apenas poderão comer neles os “trabalhadores com vínculo profissional ou profissionais em busca de oportunidades, matriculados em cursos de capacitação e qualificação profissional”.
A ideia lembra a política de saúde pública que existia antes do SUS, entre 1980 e 1980, pelo qual só podia ser atendido quem trabalhava de carteira assinada, excluindo as pessoas desempregadas e com vínculos de emprego informais.
O projeto de Miguel Coelho também delega a terceiros parte da responsabilidade do Estado na construção dos restaurantes, ao definir que a implantação dos equipamentos se dará mediante parcerias com empresas privadas, ONGs, Sistema S e municípios.
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Entre outras propostas, o candidato quer implementar "o maior programa de renda básica de Pernambuco", concedendo benefícios de R$ 300 e de participação em cursos de qualificação profissional. A ideia é dobrar o número de participantes do atual Chapéu de Palha, e incluir beneficiários de outros programas.
Ele também sugere, mais uma vez, fazer parcerias com o setor privado, ONGs e Sistema S para promover ações inclusivas para a “população vulnerável, residente em áreas com altos indicadores de miséria, pobreza, violência e desemprego”.
Em um dos pontos, Miguel diz que quer “reformular os programas de aquisição de alimentos oriundos da agricultura familiar para distribuição às comunidades carentes, tendo por critérios os indicadores de nutrição infantil das comunidades atendidas, matrículas dos adultos em cursos de capacitação e crianças nas escolas”.
A ideia não é exatamente nova: existe há mais de 60 anos um programa similar a nível federal, embora não seja executado à risca em Pernambuco, conforme mostrou reportagem do Brasil de Fato.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) do Ministério da Educação prevê que 30% dos recursos repassados a estados e municípios para a compra de merenda devem ser investidos na agricultura familiar. Esse índice em Pernambuco só conseguiu chegar a 14,78% em 2017, que é o dado aberto mais recente do PNAE.
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Miguel Coelho foi prefeito de Petrolina de 2017 a 2022. Na maior cidade do Sertão de Pernambuco, um terço (32%) da população ganha até R$ 105 de renda mensal per capita. Isso significa que há 114 mil petrolinenses em situação de extrema pobreza.
Ele concorre ao Governo com Alessandra Vieira (UB) como vice e com Carlos Andrade Lima (UB) na candidatura ao Senado. A chapa “Pra transformar Pernambuco” é união do UB, Podemos, PSC e Patriotas e apoia Soraya Thronicke (UB) para a Presidência da República.
Anderson Ferreira (PL)
O candidato oficial do presidente Jair Bolsonaro (PL) faz duas propostas no eixo de Desenvolvimento Social que se enquadram no recorte do levantamento. No entanto, ambas se assemelham com políticas que já são executadas.
A primeira é “ampliar o acesso às políticas públicas e aos programas de combate à miséria e à pobreza, através de um Censo Social” - com o detalhe de que o documento não elabora o que seria esse Censo Social e em que se difere do atual Censo do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Pernambuco, por sinal, conseguiu preencher 100% dos questionários do último Censo SUAS, concluído em janeiro deste ano. O índice é superior ao nacional, de 96%. O termo “assistência social” também não aparece no programa do candidato.
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Anderson Ferreira ainda promete “implantar a Tarifa Social da Água, incluindo 2,3 milhões de famílias no benefício”, mas outra vez não explica qual a diferença dessa iniciativa para a já existente Tarifa Social da Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento). O benefício atual permite que famílias que têm contracheque mensal de até um salário mínimo quitem as contas de água por um valor popular.
O candidato foi prefeito de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, de 2017 a 2022. É outra cidade onde um quarto dos habitantes vive em situação de extrema pobreza. São 178 mil pessoas que sobrevivem com até R$ 105 de renda mensal per capita.
Jaboatão é, ainda, o município que mais registrou mortes durante as chuvas que assolaram Pernambuco no primeiro semestre. Foram 64 vidas perdidas do total de 129. Na cidade, 37.309 pessoas moram em áreas de risco sob ameaça de inundações e deslizamentos de morro, divulgou o Serviço Geológico do Brasil em diagnóstico publicado em 2021. Dessas, 65% são negras (pretas e parda).
Anderson concorre pela chapa "Bora mudar Pernambuco", com Izabel Urquiza (PL) como vice-governadora e Gilson Machado Neto (PL) disputando vaga no Senado.
Edição: Vanessa Gonzaga