A campanha tem como objetivo anunciar que outras alternativas são possíveis
O brasileiro nunca consumiu tanta comida com veneno. Segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), 64% dos alimentos no Brasil são contaminados por agrotóxicos. Isso porque o país bate o recorde de liberação de agrotóxicos no mundo, ano após ano. No cultivo do feijão, por exemplo, a lei brasileira permite o uso de agrotóxicos 400 vezes mais do que a Europa.
Esse veneno chega na mesa do trabalhador através dos resíduos de agrotóxicos, que são expostos diariamente. Isso abre o seguinte debate: o país está em um cenário avassalador de fome e a luta por comida na mesa é prioritária. Mas qual comida? Esta edição do Vozes Populares reflete sobre a qualidade do alimento que é consumido nos dias de hoje.
Líder mundial: o país do veneno
"Infelizmente, o Brasil continua ocupando o posto de um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. As consequências disso para saúde e para o meio ambiente são muito desastrosas", é o que afirma Alan Tygel, membro da coordenação da Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida.
Ele cita como principais consequências a contaminação generalizada das águas que chegam as nossas torneiras, o prejuízo para os insetos e polinizadores, que são o motor da biodiversidade, e o perigo para a saúde da população. "Na saúde dos seres humanos os impactos são mais perversos ainda. Além de doenças como câncer, a má formação fetal, a depressão e uma série de outros efeitos que são causados a longo prazo, o contato direto pode provocar alergias, dores, tonturas, desmaios e até morte súbita", explica.
Um vetor de contaminação é através do consumo de alimentos. Alan conta que a partir de análises da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ao longo da última década, é possível concluir que ⅔ das amostras de alimentos analisadas detectaram resíduos de agrotóxicos, dentre eles parte irregular ou acima do limite permitido.
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"Isso nos traz uma preocupação muito grande, porque em muitas dessas amostras, não é apenas um agrotóxico que é detectado; são vários, chegam a ter cinco, seis, até oito tipos de agrotóxicos na mesma amostra. Isso significa que quando a gente está comendo esse alimento, a gente está sendo exposto a um coquetel de venenos", pontua. Para ele, isso preocupa por não contemplar o conceito amplo de segurança e soberania alimentar, que considera não só importante ter uma quantidade suficiente de alimento, mas a qualidade mínima dele.
Ao consumir alimentos com agrotóxicos, há dois tipos de risco: o risco agudo, em que o consumidor passa mal no mesmo momento; e o risco crônico, em que se desenvolve ao longo do tempo doenças crônicas. Esse último ainda é pouco estudado. Por isso a campanha aponta para o perigo de se liberar tanto produto químico que diversos países consideraram inseguros para a sua população.
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
É por esses e outros tantos fatores que a Campanha Permanente Contra Agrotóxicos e Pela Vida existe há mais de 10 anos. "Essa é uma iniciativa que tem uma ideia muito firme de mostrar para a sociedade os impactos da monocultura, da produção de milho, soja, algodão transgênicos e da produção em larga escala com destino à exportação", defende.
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A campanha faz isso através da formação de pessoas, da produção de conteúdo como dossiês que reúnem dados, da incidência jurídica, atuando em casos de contaminação e fazendo a articulação entre organizações no Brasil inteiro que travam essa luta. Você pode conhecer mais sobre a campanha através deste site.
Alan finaliza dizendo que a campanha é, também, propositiva. "A campanha tem também como objetivo anunciar que outras alternativas são possíveis, que outro modelo de produção de alimentos é possível, através da agroecologia. Essa não é só uma promessa de futuro, é uma realidade que já acontece e precisa cada vez mais da sociedade e das políticas públicas para se desenvolver e conseguir ganhar corpo e escala".
Este mês, o Vozes Populares se dedica a tratar apenas de temas relacionados a alimentação. Em um deles, o tema da agroecologia será abordado. Ouça o áudio na íntegra no começo desta matéria.
Edição: Vanessa Gonzaga