“É muito frustrante para mim, como mãe, porque Davi hoje usa uma sonda gástrica por conta da crise convulsiva. E hoje eu vejo ele com esse quadro de crise convulsiva sem controle, agora está com refluxo - que ele não tinha- um refluxo, por conta da dor. Não tem medicação para aliviar a dor. Para mim, como mãe, é muito desesperador, porque não tem o que fazer. A única solução é a cirurgia”. Esse depoimento é de Kássia Consuelo, que contraiu o vírus da Zika em 2015, no último trimestre de gestação de seu filho Davi, que hoje tem 7 anos. Davi nasceu com microcefalia devido à Síndrome Congênita do Zika (SCZ). Assista:
Por causa da sua condição, Davi hoje apresenta uma luxação de quadril que provoca dores intensas. Ele já chegou a convulsionar por causa da dor e aguarda uma cirurgia ortopédica pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE)há quase um ano. “A gente diz que os meninos estão crescendo e caindo no esquecimento, e verdadeiramente estão, porque há alguns anos atrás, isso já teria sido resolvido”, afirma Kássia.
Assim como Davi, diversas crianças com microcefalia devido à SCZ tem buscado cirurgias ortopédicas, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e evitar dores nas crianças.
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O ortopedista pediátrico Epitácio Rolim Filho atende as crianças no Hospital Maria Lucinda, o único hospital que realiza o procedimento em Pernambuco, explica melhor o quadro de má formação. “Alguns já nasciam com deformidades congênitas, outros não nasceram com essa deformidade e aí por conta do quadro neurológico eles foram adquirindo, como acontece em outras doenças neurológicas, em que as deformidades musculoesqueléticas vão surgindo. Além disso, tem as outras alterações dele da microcefalia a alterações visuais, disfagia, convulsão…", destaca.
O ortopedista explica que a doença também impacta nas atividades cotidianas. “A criança não consegue sentar porque está com dor. E a dor leva à dificuldade nas atividades da vida diária, no asseio íntimo, ou seja, a necessidade básica do ser humano, até nisso. Ele não consegue sentar, nem alimentar-se ele consegue direito. Então, ele broncoaspira, aquilo que está no estômago vai pro pulmão, leva pneumonia de repetição, diminui a sobrevida deles, leva uma vida mais precária ainda”.
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Entre os anos de 2015 e 2022, o Ministério da Saúde confirmou 1.852 casos de Síndrome Congênita do Zika. Em Pernambuco, que teve o maior número de notificações da síndrome no país, são 405 crianças com a síndrome, de acordo com registros da Secretaria Estadual de Saúde. No estado, foram realizadas 48 cirurgias ortopédicas até 2020, mas elas pararam de ser feitas com a pandemia.
A coordenadora do Núcleo de Apoio às Famílias das Crianças com a Síndrome da Zika Congênita, Ligia Ferreira de Lima, explica a que se deve a demora na marcação da cirurgia. “É uma cirurgia de grande porte. A gente depende de um marco cirúrgico, que é um procedimento cirúrgico em que o profissional precisa estar vendo como é que está fazendo essa contratura, esta aplicação de placas, enfim. Requer material específico que depende de prestador para a oferta de material”, explica.
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“A gente tem monitorado regularmente, todos os dias, todas as crianças. Todas as crianças que estão notificadas e fazem parte do nosso banco de dados estão sendo acompanhadas dentro das suas necessidades. Então, cada GERES (Gerência Regional de Saúde) tem uma quantidade específica de crianças e a profissional que está lá, que é qualificada, faz esse acompanhamento junto com a reabilitação, com a estratégia de saúde da família, com assistência social na garantia do direito social dela e com a educação”, justifica a gestora.
O ortopedista Epitácio Rolim Filho já atendeu mais de mil casos da síndrome, dos quais 67% dos atendidos tem apresentado necessidade de cirurgia ortopédica. Ele afirma que a demora na realização da cirurgia pode trazer prejuízos à saúde das crianças. “À medida que elas vão crescendo o osso vai deformando e não vai ter mais como a gente recuperar. Tem uma cirurgia menor que poderia ter sido feita, ter melhorado a qualidade de vida da criança. Então, ele vai partir para outras cirurgias que nós chamamos de salvamento, por exemplo. Porque apesar de a gente conseguir relocar aquela cabeça [do fêmur], mas a cabeça está tão desgastada que se for recolocada no local, vai terminar causando mais dano ainda”, lamenta.
Apesar da demora, as mães têm esperança de que, com as cirurgias, seus filhos retornem à vida que levavam antes. “A gente espera que ele volte a ter a vida normal como ele tinha antes, de conseguir fazer suas atividades, de conseguir se alimentar. Porque mesmo pela sonda gástrica é difícil alimentar ele, porque ele sente dor, se contrai e a comida volta. E ainda vem o medo de uma broncoaspiração. Então, é voltar a ter a vida normal que a gente tinha”, esperança Kássia.
A Secretaria Estadual de Saúde do Governo de Pernambuco estima que 20% das 405 crianças com diagnóstico confirmado para SCZ possuem necessidade da cirurgia ortopédica; e, até o final do ano, o estado estima realizar o procedimento em 15 delas. Até o momento, o governo não possui um prazo para que todas realizem o procedimento.
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Edição: Vanessa Gonzaga