Pernambuco

NEGLIGÊNCIA

Crianças com microcefalia aguardam cirurgia ortopédica desde 2020 em Pernambuco

Secretaria Estadual de Saúde estima que 20% de 405 crianças acometidas por síndrome possuem necessidade da cirurgia

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Mães de crianças com microcefalia pela Síndrome Congênita da Zica lutam pelo direito das crianças realizarem cirurgias ortopédicas - Sumaia Villela/Agência Brasil Fonte: Agência Senado

“É muito frustrante para mim, como mãe, porque Davi hoje usa uma sonda gástrica por conta da crise convulsiva. E hoje eu vejo ele com esse quadro de crise convulsiva sem controle, agora está com refluxo - que ele não tinha- um refluxo, por conta da dor. Não tem medicação para aliviar a dor. Para mim, como mãe, é muito desesperador, porque não tem o que fazer. A única solução é a cirurgia”. Esse depoimento é de Kássia Consuelo, que contraiu o vírus da Zika em 2015, no último trimestre de gestação de seu filho Davi, que hoje tem 7 anos. Davi nasceu com microcefalia devido à Síndrome Congênita do Zika (SCZ). Assista: 

Por causa da sua condição, Davi hoje apresenta uma luxação de quadril que provoca dores intensas. Ele já chegou a convulsionar por causa da dor e aguarda uma cirurgia ortopédica pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE)há quase um ano. “A gente diz que os meninos estão crescendo e caindo no esquecimento, e verdadeiramente estão, porque há alguns anos atrás, isso já teria sido resolvido”, afirma Kássia.

Assim como Davi, diversas crianças com microcefalia devido à SCZ tem buscado cirurgias ortopédicas, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e evitar dores nas crianças.

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O ortopedista pediátrico Epitácio Rolim Filho atende as crianças no Hospital Maria Lucinda, o único hospital que realiza o procedimento em Pernambuco, explica melhor o quadro de má formação. “Alguns já nasciam com deformidades congênitas, outros não nasceram com essa deformidade e aí por conta do quadro neurológico eles foram adquirindo, como acontece em outras doenças neurológicas, em que as deformidades musculoesqueléticas vão surgindo. Além disso, tem as outras alterações dele da microcefalia a alterações visuais, disfagia, convulsão…", destaca.

O ortopedista explica que a doença também impacta nas atividades cotidianas. “A criança não consegue sentar porque está com dor. E a dor leva à dificuldade nas atividades da vida diária, no asseio íntimo, ou seja, a necessidade básica do ser humano, até nisso. Ele não consegue sentar, nem alimentar-se ele consegue direito. Então, ele broncoaspira, aquilo que está no estômago vai pro pulmão, leva pneumonia de repetição, diminui a sobrevida deles, leva uma vida mais precária ainda”.

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Entre os anos de 2015 e 2022, o Ministério da Saúde confirmou 1.852 casos de Síndrome Congênita do Zika. Em Pernambuco, que teve o maior número de notificações da síndrome no país, são 405 crianças com a síndrome, de acordo com registros da Secretaria Estadual de Saúde. No estado, foram realizadas 48 cirurgias ortopédicas até 2020, mas elas pararam de ser feitas com a pandemia.

A coordenadora do Núcleo de Apoio às Famílias das Crianças com a Síndrome da Zika Congênita, Ligia Ferreira de Lima, explica a que se deve a demora na marcação da cirurgia. “É uma cirurgia de grande porte. A gente depende de um marco cirúrgico, que é um procedimento cirúrgico em que o profissional precisa estar vendo como é que está fazendo essa contratura, esta aplicação de placas, enfim. Requer material específico que depende de prestador para a oferta de material”, explica.

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“A gente tem monitorado regularmente, todos os dias, todas as crianças. Todas as crianças que estão notificadas e fazem parte do nosso banco de dados estão sendo acompanhadas dentro das suas necessidades. Então, cada GERES (Gerência Regional de Saúde) tem uma quantidade específica de crianças e a profissional que está lá, que é qualificada, faz esse acompanhamento junto com a reabilitação, com a estratégia de saúde da família, com assistência social na garantia do direito social dela e com a educação”, justifica a gestora.

O ortopedista Epitácio Rolim Filho já atendeu mais de mil casos da síndrome, dos quais 67% dos atendidos tem apresentado necessidade de cirurgia ortopédica. Ele afirma que a demora na realização da cirurgia pode trazer prejuízos à saúde das crianças. “À medida que elas vão crescendo o osso vai deformando e não vai ter mais como a gente recuperar. Tem uma cirurgia menor que poderia ter sido feita, ter melhorado a qualidade de vida da criança. Então, ele vai partir para outras cirurgias que nós chamamos de salvamento, por exemplo. Porque apesar de a gente conseguir relocar aquela cabeça [do fêmur], mas a cabeça está tão desgastada que se for recolocada no local, vai terminar causando mais dano ainda”, lamenta.


No Brasil, cerca de três mil crianças foram diagnosticadas com a síndrome durante o surto de microcefalia em 2015 / EBC

Apesar da demora, as mães têm esperança de que, com as cirurgias, seus filhos retornem à vida que levavam antes. “A gente espera que ele volte a ter a vida normal como ele tinha antes, de conseguir fazer suas atividades, de conseguir se alimentar. Porque mesmo pela sonda gástrica é difícil alimentar ele, porque ele sente dor, se contrai e a comida volta. E ainda vem o medo de uma broncoaspiração. Então, é voltar a ter a vida normal que a gente tinha”, esperança Kássia.

A Secretaria Estadual de Saúde do Governo de Pernambuco estima que 20% das 405 crianças com diagnóstico confirmado para SCZ possuem necessidade da cirurgia ortopédica; e, até o final do ano, o estado estima realizar o procedimento em 15 delas. Até o momento, o governo não possui um prazo para que todas realizem o procedimento.

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Edição: Vanessa Gonzaga