Na Região Metropolitana do Recife, oito escolas da rede municipal de ensino fizeram parte de um levantamento que buscava entender de que maneira as desigualdades de gênero afetam a vida escolar de meninas. Ao todo, 438 estudantes do ensino fundamental II responderam questionários aplicados entre março e setembro de 2022. A iniciativa foi do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), com apoio do Fundo Malala.
O levantamento faz parte do projeto Na Trilha da Educação: Gênero e Políticas Públicas para Meninas e mostra que 66% delas acham que meninas e meninos não possuem os mesmos direitos na escola.
Alcione Ferreira, coordenadora do projeto, chama a atenção para o que mais sobressaiu a partir dos dados. "O que me deixou bem impactada foi saber que um número tão alto de meninas não sabem, do ponto de vista conceitual, o que é desigualdade de gênero, mas ao mesmo tempo, 94% delas diz que é muito necessário que se discuta direitos de meninos e meninas", afirma.
O perfil das meninas entrevistadas era composto por 45,9% meninas de 12 anos; 78% negras e pardas; 60% cristãs, sendo 41% delas evangélicas e 19,9% católicas. Apesar de mais da metade delas ter respondido não saber o que é desigualdade de gênero, elas apontam as diferenças nas vivências do cotidiano escolar, como a realização de atividades esportivas.
"Foi muito trazido pelas meninas o quanto elas sofrem preconceito e o desgaste com os meninos na disputa pelo uso da quadra. Elas sempre saem perdendo". Nesse sentido, a maioria das meninas passa mais tempo dentro da sala de aula do que usando os outros equipamentos disponibilizados no espaço escolar, em atividades extraclasse. "A quadra acaba sendo um lugar de disputa e de reivindicação das meninas, que colocam: 'por que não podemos estar lá?'", pontua a coordenadora.
Os professores no debate da igualdade de gênero
No levantamento, 70% das entrevistadas afirmaram que seus professores não discutem o tema igualdade de gênero na sala de aula. Para entender esse número expressivo, a pesquisa também se dedicou a fazer a escuta de professores e gestores dos três municípios.
A principal alegação para a dificuldade em abordar o tema, segundo Alcione Ferreira, é uma lacuna na formação. No entanto, a falta de tempo para investir nisso é um grande obstáculo. "Quase 100% dos professores e professores têm, pelo menos, dois empregos em escolas diferentes, muitas vezes em municípios diferentes e redes diferentes. É uma jornada extenuante. Além disso, a pandemia os absorveu demais. O corpo técnico escolar se vê em um processo de exaustão muito forte, mas reconhece a necessidade de formação", aponta.
De acordo com relatório da Human Rights Watch (HWR), um outro fator é o medo para abordar temas envolvendo o conteúdo de gênero e sexualidade nas escolas, que foi desencorajado e restringido durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. "Essa onda conservadora distorceu a palavra gênero a um ponto que se criou essa falácia de que não deveria ser discutida nas escolas. Muito pelo contrario, é urgente que se fale e se escute, principalmente, meninas e meninos sobre isso. Os meninos também precisam participar desse debate", afirma a coordenadora.
Leia aqui: Relatório denuncia perseguição a professores que discutem gênero e sexualidade
Ela ainda salienta a importância de professores de disciplinas como Educação Física e outras atividades extraclasse também se reconhecerem enquanto educadores e educadoras e de levantarem debates de gênero entre os estudantes.
Pensando nisso, como desdobramento da pesquisa, foi feito um Documento de Recomendações para representantes das Secretarias de Educação do Recife, Igarassu e Camaragibe. O documento apresenta uma série de sugestões sobre estratégias e ações que podem ser aplicadas pelas gestões para ajudar a diminuir a desigualdade no cotidiano escolar. Uma das ações é a formação continuada do corpo técnico escolar sobre Direitos Humanos e os Direitos da Criança e do Adolescente.
Leia aqui: Aula sobre gênero nas escolas previne crimes de feminicídio, afirmam especialistas
Os resultados da pesquisa
O levantamento traz alguns eixos para guiar o questionário e entender como o gênero atravessa suas vivências na escola, em casa, como raça e gênero se relacionam e também trata sobre saúde mental, educação e pandemia.
O projeto também estendeu a pesquisa para estudantes que saíram da escola antes de terminar o ens. fundamental II, e constatou que a maior parte delas foi por gravidez na adolescência.
Na escola, cerca de 60% das estudantes acreditam que existe preconceito em relação às meninas praticarem esportes. Destas, 91,5% acreditam que este preconceito vem dos meninos. Além disso, 31,5% delas já se sentiu incomodada com atitudes ou comentários dos garotos, ao passo que mais da metade delas não contou para ninguém sobre essas atitudes. Confira mais dados aqui.
Em dezembro, será lançado, ainda, um documento feito pelas meninas entrevistadas sobre qual a escola que elas querem a partir dessa perspectiva de igualdade de gênero. Para mais informações, acompanhe o site do Cendhec.
Edição: Vanessa Gonzaga