Pernambuco

GENTRIFICAÇÃO

Concessão de quatro parques do Recife à iniciativa privada preocupa a sociedade civil

A lei aprovada pelo prefeito João Campos prevê a possibilidade da implementação de atrações pagas nos parques públicos

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Entre os parques que podem ser concedidos à iniciativa privada estão os parques da Jaqueira, da Macaxeira, Santana e Dona Lindu - Divulgação

Quatro importantes parques do Recife devem ser concedidos à iniciativa privada até 2023. O tema vem sendo debatido na capital pernambucana desde 2021, quando o prefeito João Campos (PSB) apresentou o projeto que se tornou a Lei Municipal 18.824/2021, que previa a medida. 

Agora, Recife é a primeira cidade selecionada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para participar do Programa de Concessão de Parques, para gerir e gerar recursos a partir dos espaços em uma Parceria Público Privada (PPP). No entanto, existe uma preocupação com o impacto social da concessão, uma vez que a lei prevê a possibilidade da implementação de atrações pagas nos parques públicos. Assista:

O vereador do Recife, Ivan Moraes (PSOL), que acompanhou desde o início o debate na Câmara dos Vereadores, destacou os possíveis impactos. “São parques que têm características, entre tantas, de miscigenar; nos quais o filho do porteiro, o filho do gari, pode brincar com a filha, com o filho do médico e da médica. Então, a gente não pode jamais perder essa característica. Para mim, a maior preocupação é essa. Então, tornar esses parques, ou alguns deles, tão luxuosos - no sentido de que você vai ter um brinquedo aqui que você vai ter que pagar para entrar - que você vai ter que ter certos códigos de conduta que podem afastar sim as pessoas”, aponta.

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Os parques

Entre os espaços da cidade que podem ser cedidos, foram selecionados os parques nos bairros da Jaqueira, Santana, Macaxeira, na Zona Norte, e o Dona Lindu, em Boa Viagem, que serão apresentados a algumas empresas em eventos a partir desta segunda (28) até a próxima sexta (02) de dezembro.

Apesar de estar marcada uma audiência pública virtual para o dia 29 de novembro, existe uma preocupação com a falta de diálogo sobre a concessão com a população. Para a arquiteta e urbanista Ana Raquel Menezes, que pesquisa a gestão dos parques no Recife, é importante garantir a participação pública. 

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“Dentro do diálogo com a população, isso pode acontecer de uma forma mais leve ou mais integrada, que não seja só o poder público banca ou uma empresa privada banca e a população só aceita e vai lá, não é por aí. Eu acho que o caminho é ter uma conversa mais próxima, a gente tem exemplos em outros lugares no mundo que funcionam super bem. Senti falta também de ter um plano diretor específico para todos os parques, para que isso viesse como parte. E não é uma coisa que vem de fora para depois começar a ser construído um plano para os parques que vão fazer parte da concessão. Acho que tem alguns pontos que poderiam ser mais melhor desenhados. É pensar no global, pensar no conjunto e trazer a população para perto", destaca a arquiteta e urbanista.

Direito à cidade

A concessão teria a duração de 30 anos, o que a prefeitura acredita que pode gerar quinhentos mil reais investidos nos cofres públicos ao longo desse período. No entanto, a preocupação é que os equipamentos percam suas características públicas, impedindo que os recifenses tenham o pleno direito à cidade. 

“Quando você vende Recife dessa forma, quando você vende equipamentos públicos ou concede equipamentos públicos dessa forma, você está ferindo frontalmente o direito à cidade. Porque quando a cidade ela passa a ser mais um elemento de mercantilização, mais um produto em si, ela perde sua principal função”, acredita o advogado Antônio Celestino, que completa, “Não existe uma dicotomia aqui entre público e privado. Porque concessão não é privatização, mas esse modelo de privatização, da forma que está sendo feita, por 30 anos, com os efeitos que eles têm, com as capacidades de fiscalização que a prefeitura realmente vai exercer sobre esse modelo de negócio; ela é no final das contas uma privatização paga pelos cofres públicos”, aponta.

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Neste sentido, o vereador Ivan Moraes acredita que é necessário que a população se envolva na audiência pública para garantir que haja participação popular no que ainda pode ser modificado no projeto. “Quais serão os desafios para que esses parques permaneçam públicos não apenas de direito, mas também de fato. E o que quer dizer isso? Não ter gentrificação, não pode ter barreiras sociais, não pode ter barreiras econômicas. Não vai ser cobrado ingresso pro parque. 'Mas não é cobrado ingresso para o shopping e a favela não vai pro shopping'. As pessoas se sentem constrangidas ao entrar no shopping. É porque as coisas são caras, é porque o ambiente é higienizado, é porque tem uma segurança privada que muitas vezes age de uma forma proativa no sentido de evitar determinados corpos dentro do shopping e a gente não quer que isso aconteça no parque”, reflete.

A Prefeitura do Recife informou à equipe do Brasil de Fato que está em contato permanente com a população para a realização da concessão e realizou estudos técnicos para avaliar os possíveis impactos. Confira a nota na íntegra:

"A Secretaria Executiva de Parcerias Estratégicas (SEPE) da Prefeitura do Recife, responsável pelo projeto de concessão de quatro parques públicos da cidade, informa que o diálogo com a população acontece de forma permanente, com o objetivo de alinhar a necessidade dos usuários com o edital apresentado.

Para embasar os estudos técnicos realizados pelo BNDES, as equipes da Prefeitura conversaram presencialmente e virtualmente com a população, como forma de levantar todos os pleitos de quem utiliza direta e indiretamente os quatro equipamentos públicos apontados no edital de concessão. Para se ter ideia, além da apuração presencial, uma pesquisa online ficou disponível por um mês, com divulgação de cartazes nos parques, para que as demandas fossem apresentadas.

Também foram realizadas reuniões com representantes dos parques e de grupos que utilizam os equipamentos, como times de corrida e de bicicross, além de professores das academias da cidade, por exemplo. Representantes da sociedade civil, como associação de bairros e lideranças comunitárias que utilizam os parques participaram dos encontros, assim como os representantes das secretarias municipais de esportes e de segurança. Todo o material apresentado nesses encontros subsidiou os estudos técnicos.

Seguindo no diálogo com a população, atualmente, há uma consulta pública aberta, disponível até o dia 9 de dezembro. No endereço, é possível acessar o edital completo, a minuta de contrato, documentos de referência, caderno de encargos e todo o material referente ao potencial de cada equipamento público e à estrutura econômico-financeira do projeto. 

Outra possibilidade de tirar dúvidas e oferecer sugestões sobre os projetos é uma audiência pública que ocorrerá em meio virtual no dia 29 de novembro, das 10h às 12h, por meio da plataforma Google Meet."

Edição: Vanessa Gonzaga