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Os desafios do novo governo Lula nas relações sindicais

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Fundada em 1983, CUT é referência política e simbólica para trabalhadores brasileiros, além de tradicional mobilizadora de protestos populares por direitos - CUT Brasil / Divulgação
O cenário hoje que temos é de verdadeira “terra arrasada” na estrutura sindical

Em meados do mês de novembro, foram anunciados pelo atual governo de transição os nomes das pessoas que integrariam o grupo técnico de transição na área de relações de trabalho. Composta em sua maioria por lideranças e assessorias técnicas do movimento sindical, com destaque das presidências da CUT, CTB, UGT e Força Sindical e dos atual e ex diretores técnicos do DIEESE, respectivamente, Fausto Augusto Junior e Clemente Ganz (este que é também o coordenador do grupo técnico, juntamente com a Profa. Laís Abramo) será de responsabilidade dessa equipe fazer um diagnóstico da atual estruturação do Ministério do Trabalho, das atuais políticas públicas executadas na área, assim como recomendar mudanças nessas e na legislação trabalhista, segundo o já presente no programa de governo registrado na Justiça Eleitoral, à época das eleições. 

Sobre o tema, consta na plataforma de governo da então candidatura de Lula o seguinte ponto sobre o tema das mudanças do sistema sindical em nosso país: “O novo governo incentivará o debate e as iniciativas de reestruturação sindical, que democratizem o sistema de relações de trabalho no setor público e no setor privado, urbano e rural, respeitará a autonomia sindical, visando incentivar as negociações coletivas, promover solução ágil dos conflitos, garantir os direitos trabalhistas, assegurar o direito à greve e coibir as práticas antissindicais. Serão respeitadas também as decisões de financiamento solidário e democrático da estrutura sindical”.

Por outro lado, o cenário hoje que temos é de verdadeira “terra arrasada” na estrutura sindical e nas relações coletivas de trabalho, principalmente após a Reforma Trabalhista de 2017. O fim abrupto da obrigatoriedade da contribuição sindical (que fez o financiamento das entidades sindicais despencar em mais da metade), o fim da obrigatoriedade da homologação da rescisão contratual nos sindicatos, o fim da ultratividade das normas coletivas, a permissão de celebração de acordos individuais diretos patrão-empregado em diversos temas trabalhistas e a liberação da prevalência do negociado sobre o legislado em prejuízo aos direitos obreiros foram alterações nas regras de funcionamento das relações sindicais que desestruturaram e resultaram em uma perda abrupta de papel dessas entidades.

Por conseguinte, viu-se nos últimos cinco anos uma série de ataques aos direitos trabalhistas casado com o esvaziamento da função dos sindicatos e da negociação coletiva, o que foi parte de materialização do projeto neoliberal de desregulamentação e flexibilização do Direito do Trabalho, aprofundado no Brasil desde o Golpe de 2016. Somado ao cenário de intensa precarização e informalidade nas relações de trabalho, em decorrência disso hoje praticamente os sindicatos não estão ou fazem parte da vida laboral dos trabalhadores.

Dos trabalhos já desempenhados pela equipe temática de transição, vem sendo delineadas três prioridades para superar as distorções criadas pela Reforma Trabalhista na área sindical, todas elas a partir de um diálogo social prévio, inclusive entre capital-trabalho: a retomada da valorização da negociação coletiva como instrumento criador de direitos; o resgate da ultratividade dos acordos e convenções coletivos de trabalho (produção de efeitos de suas cláusulas e direitos criados mesmo após a perda de validade, até que novo acordo coletivo seja celebrado); e a estruturação de um novo sistema de custeio sindical baseado na taxa negocial (contribuição assistencial) incidente sobre toda a categoria representada a partir da celebração de normas coletivas. 

Como já muito debatido no primeiro semestre e no meio deste ano, não se espera do novo Governo Lula um revogação total da Reforma Trabalhista de 2017 e das mudanças legislativas posteriores prejudiciais aos trabalhadores. A reforma sindical necessária deverá vir de forma fatiada, em temas essenciais e desde muita negociação tripartite, envolvendo governo, entidades patronais e entidades sindicais obreiras. Logo, também desde muita pressão e mobilização social. 

Para avançarmos no fortalecimento dos sindicatos no Brasil e de sua capacidade de representação – afinal, hoje a taxa de filiação de trabalhadores a entidades sindicais, gira em torno de apenas 10%, menor que o índice histórico de 18%, o qual já era baixo em relação a outros países –, será preciso que alterações profundas no sistema sindical sejam realizadas, principalmente na valorização da negociação coletiva com o efetivo resgate do seu papel de criação de direitos sociais e trabalhistas para a classe trabalhadora. Relações de trabalho mediadas pela representação e atuação ativa de sindicatos tendem indiscutivelmente a serem mais protegidas e favoráveis aos trabalhadores, principalmente marcadas por maiores patamares salariais e melhores condições de trabalho. 

Portanto, a democratização das relações de trabalho necessariamente tem que passar também pela valorização do papel das entidades sindicais – este é um dos capítulos-chave da reconstrução que o Brasil precisa passar nos próximos anos.    

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga