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Coluna

O poder transformador da espera

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"O evangelho proclamado no dia do Natal diz que a Palavra de Deus se faz carne, isso é, assume a realidade humana das culturas" - Unsplash
Nossas Igrejas têm uma dívida histórica com a sociedade e especialmente com as classes trabalhadoras

Nestes dias, o Brasil vive a expectativa de um novo governo que restabeleça o diálogo entre governo e sociedade civil, retome o cuidado com a vida das pessoas e com a natureza, ao mesmo tempo que priorize a atenção às comunidades dos povos originários e à vida das pessoas e grupos mais vulneráveis. No ambiente das Igrejas, as mais antigas dedicam as quatro semanas antes do Natal a cultivar a expectativa da realização do projeto divino no mundo. 

Celebrar o Natal não é apenas lembrar o nascimento de Jesus. É um modo de afirmar que a promessa feita por Deus de um mundo renovado pela justiça e pela paz é atual e possível. Ele se realiza por iniciativa divina, mas através de nós. Por nosso modo de viver, devemos testemunhar que ele vem e podemos apontar sinais concretos de sua vinda. Podemos ver sinais da madrugada que vem mesmo na mais escura das noites. 

No tempo da ditadura brasileira, Geraldo Vandré cantava: “Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer”. Ele tinha razão em rejeitar uma esperança passiva e acomodada de quem, passivamente, espera que, por si mesmas, as coisas aconteçam. Não é essa a perspectiva da fé cristã. Menos ainda a nossa forma de viver esse tempo de espera, ao qual, cada ano, a celebração do Natal nos convida.

Desde antigamente, as Igrejas denominam as semanas anteriores ao Natal de tempo do Advento. Em latim, advento significa “vinda”. Conota um modo de esperar muito particular. Propõe aguardarmos a realização do projeto divino no mundo, do mesmo modo como, a cada noite, o guarda noturno espera ansiosamente que o dia desponte. Essa espera vigilante é ativa e colabora para que o dia nasça em paz. A tradição cristã acentua: a manifestação da presença de Jesus em nós marcará a realização do projeto divino de Paz e Justiça eco-social no mundo. 

É preciso interpretar a fé e ler a Bíblia como revelação desse projeto divino no mundo. Há cristãos que se mantêm na fé por costume ou por conveniência religiosa. Apesar de serem pessoas religiosas, não veem claro esse projeto divino em suas vidas. Por causa disso, muitas vezes, não têm clara a sua missão no mundo. Falta-lhes um motivo maior pelo qual viver. Ao mesmo tempo, há pessoas não religiosas que não creem em Deus e, de algum modo, descobrem em suas vidas, esse projeto de paz, justiça e cuidado amoroso da natureza. 

O evangelho proclamado no dia do Natal diz que a Palavra de Deus se faz carne, isso é, assume a realidade humana das culturas. A Palavra Divina se faz diálogo. Neste Natal todas as comunidades cristãs são chamadas a superarmos os fanatismos, deixarmos de lado os discursos de ódio e podermos constituir para toda a sociedade serem espaço de diálogo e de reconciliação na construção de um Brasil mais justo e inclusivo. Nossas Igrejas têm uma dívida histórica com a sociedade e especialmente com as classes trabalhadoras, as comunidades afrodescendentes e os povos originários. Este Natal precisa ser um passo decisivo na emergência do “Filho do Homem” que Jesus encarnou e que deseja ver resplandecer em nós como humanidade nova, expressão de um universo movido pelo amor e pelo cuidado com a Vida. 

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga