O bloqueio de R$ 1,36 bilhão informado pelo Ministério da Economia ao Ministério da Educação (MEC) já mostra os efeitos do que é uma tragédia anunciada: estudantes da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) não sabem como vão passar o mês de dezembro sem dinheiro.
Nesta terça-feira (06), a universidade anunciou, por meio de nota à comunidade acadêmica, que não há recursos para os pagamentos de bolsas e auxílios de assistência estudantil. Tampouco há previsão para os próximos meses.
Airon Aparecido Silva, Reitor da UFAPE, afirma que essa é uma situação inédita, uma vez que a verba foi bloqueada mesmo após o valor das bolsas de dezembro já terem sido programados. A UFAPE existe desde 2018 e foi desmembrada da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
"Durante o ano, fizemos o possível e o impossível para não mexermos nas bolsas dos alunos. Cortamos aulas práticas, viagens técnicas, custeio de passagens para eventos de professores... para chegar no final, acontecer isso e a gente não ter o que fazer", lamenta. Segundo ele, também não há como pagar as bolsas de janeiro.
Além da medida ter impacto no Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), a UFAPE também não possui recursos orçamentários para o pagamento das bolsas de diversos programas acadêmicos como o Programa de Tutoria, Programa de Monitoria e de Bolsa de Iniciação Acadêmica (BIA), Programa de Monitores Apoiadores e também do Laboratório Multidisciplinar de Tecnologias Sociais (LMTS).
Tripé universitário em risco
Raquel Campigotto, estudante do 3º período de Medicina Veterinária, se mudou do Recife para Garanhuns no início do ano para estudar. Na UFAPE, ela faz parte do projeto de extensão Ciranda Popular, um pré-vestibular gratuito para alunos de baixa renda que querem ingressar na universidade.
O projeto de extensão faz parte da tríade universitária: ensino, pesquisa e extensão. Este último busca sair das salas de aulas e vincular a comunidade com as universidades.
Desse projeto, Raquel recebe a bolsa no valor de R$ 400,00, que ela afirma ser toda direcionada para alimentação e complemento para sua permanência na cidade. Sem outra fonte de renda, Raquel se vê angustiada com a incerteza dos próximos meses. “Não tenho dinheiro nem para me manter essa semana, que dirá nos próximos meses”, partilha.
"Se você pensa na tríade que sustenta a universidade pública, esse corte é uma tentativa de extinguir o conceito de que os filhos da classe trabalhadora possam ter acesso ao ensino superior", é o que afirma o historiador, sociólogo e professor da UFAPE, Caetano De Carli, que também coordena o projeto de extensão Ciranda Popular.
Ele sinaliza a gravidade dos cortes, uma vez que atinge a razão de existir da Universidade, que são os estudantes. "Atingem principalmente aqueles que mais precisam, que dependem do auxílio para comer".
Apesar de contar com o suporte familiar, a estudante pontua que a bolsa é essencial para fechar as contas. "Minha família me ajuda, mas tem aluguel, conta de luz, transporte, alimentação. No final, não tem como bancar tudo".
Com a falta de previsão dos pagamentos, a estudante se vê obrigada a buscar outras alternativas. "Agora o jeito é procurar algum emprego no final de semana ou de noite, que é o único tempo que eu tenho".
“Talvez eu volte pra casa e adeus ao sonho da universidade”
De maneira similar, a estudante Rayany Holanda, também do curso de Medicina Veterinária, foi mais uma estudante que saiu de sua cidade natal para estudar. A discente é natural de Pesqueira e, desde que chegou em Garanhuns, as bolsas têm sido fundamentais para sua permanência no curso.
Ela recebe o Programa de Inclusão Digital (PID), o Programa de Apoio ao Discente (PAD) e já recebeu o Apoio ao Ingressante (PAI). Além disso, contava com o auxílio do Programa PE no Campus, bolsa de apoio à permanência oferecida pelo Governo de Pernambuco. No entanto, o auxílio dela e de outros estudantes foram suspensos por problemas na matrícula.
A estudante recebeu com choque a notícia do bloqueio. “Sem essas bolsas, não tem como eu me manter aqui, porque são minha única fonte de renda. O custo de vida aqui não é barato. Talvez eu volte pra casa e adeus o sonho da universidade”, desabafa.
UFRPE também está ameaçada
A situação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) também é de incerteza. Por meio das redes sociais, o reitor da universidade, Marcelo Carneiro Leão, fez um informe e explicou que o pagamento de dezembro ainda não foi feito porque estão aguardando a liberação do recurso.
O gestor salientou que há uma tentativa de reverter a medida adotada pelo governo federal por meio de uma mobilização, tanto de forma individual, quanto junto à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
O momento é de medo para os estudantes, que não sabem se a situação será resolvida. "Não fomos avisados com antecedência e também não temos previsão nenhuma. Não temos certeza de nada. A sensação é de não saber como vai ser o amanhã", é o que afirma a estudante de Letras da Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UAST - UFRPE), Cinthia Stheffany.
Ela conta que recebe o Auxílio Creche, no valor de R$ 345,00. Com a quantia, paga a creche de seu filho, Rafael, de 1 ano e 10 meses, e completa outras despesas. “Eu moro a 50km da faculdade e preciso me deslocar diariamente”, diz a estudante, que reside no município de Flores e paga R$ 200,00 de transporte mensalmente para conseguir estudar.
A discente, que possui um trabalho de meio-período, afirma não saber como pagar a creche do filho caso não receba o valor. “Esse corte trouxe medo e incerteza pra todos nós”, finaliza.
Mobilização dos estudantes
Em todo o Brasil, estudantes de universidades e instituições federais diferentes tem passado pela mesma situação. É o caso da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outras.
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Em defesa de uma universidade pública de qualidade, a União Nacional dos Estudantes (UNE) está em diálogo com as gestões das universidades e divulgou um calendário de mobilização para pressionar a reversão do bloqueio.
⚠️PAGUEM A BOLSA DOS ESTUDANTES!
— UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES 🎓✊🏿 (@uneoficial) December 7, 2022
🚨Amanhã tem paralisação nacional, mas já tem ato marcado Pelo Brasil. Vai ter ato no seu estado/universidade? Manda pra gente!
Nós não aceitaremos pagar a conta eleitoreira de Bolsonaro e Paulo Guedes. NÃO AO CALOTE✊🏽
#PAGUEMINHABOLSA ✊🏽📚 pic.twitter.com/QrvvHZh7h6
Em Pernambuco, acontecem atos na UFRPE e também na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) durante este 7 de dezembro. Às 17h terá um tuitaço com a hashtag #PagueMinhaBolsa.
Na UFRPE de Serra Talhada, haverá Assembleia Estudantil na quarta-feira (8), às 18h, no auditório Atikum.
Edição: Vanessa Gonzaga