Pernambuco

Solidariedade

Marcelo Barros: "Jesus nasceu como pessoa humana para que nós sejamos humanos"

Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, o teólogo pernambucano fala sobre a relação da fé com a política

Pernambuco |
"O projeto de tornar o Brasil católico, protestante ou pentecostal é um projeto nefasto e prejudicial para as igrejas e para o mundo", afirma teólogo. - Foto: Cáritas Brasileira

No período dos festejos de fim de ano, é comum debater sobre os significados do Natal e o que ele se propõe a inspirar na sociedade para além de religiões específicas. Em ano de eleições, o debate sobre a relação entre política, solidariedade e fé se fez ainda mais presente na vida de brasileiras e brasileiros, majoritariamente disfarçado pelas pautas morais e dos costumes. Mas o que de fato é possível esperar desse assunto para 2023?

O Brasil de Fato Pernambuco conversou com o teólogo, monge beneditino e assessor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Marcelo Barros, para entender o papel da solidariedade e da fé nas decisões políticas a serem tomadas para a reconstrução do Brasil. Assista à entrevista completa:

 

Brasil de Fato: A solidariedade é um tema que tomou bastante corpo e centralidade no último período, principalmente durante a pandemia de covid-19 e entre os setores religiosos. O que essas experiências apontam para o processo de reconstrução do Brasil que estamos vivenciando hoje?

Marcelo Barros: Eu penso que a solidariedade é de fato a atitude e a postura, pessoal e coletiva, mais revolucionária em uma sociedade individualista. E, como chamava o companheiro Eduardo Galeano, é uma “sociedade do desvínculo”. Nessa “sociedade do desvínculo”, ninguém se relaciona direito, ninguém cuida de ninguém. A solidariedade é o paradigma, é o critério do cuidado. O cuidado com os outros, com a Mãe Terra e com a vida. Essa é a atitude fundamental que muda tudo. Muda o coração da gente, muda as relações, e muda também a própria organização do mundo a partir das bases.

Brasil de Fato: O debate religioso e dos valores morais se fez muito presente nas pautas das eleições presidenciais desse ano e muito se questiona sobre como o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, irá conduzir a relação com os religiosos. Como deve se dar esse processo?

Marcelo Barros: Penso que o presidente Lula e os companheiros que estão na coordenação do governo tem sido muito sábios em relação a isso porque o Brasil é um país laico. Laico não quer dizer que é antirreligioso ou ateu, mas não é preso a nenhuma religião. Então, o projeto de tornar o Brasil católico, protestante ou pentecostal é um projeto nefasto e prejudicial para as igrejas e para o mundo. A sociedade é plural, pluralista. É importante que os cidadãos e as cidadãs sejam livres para pertencer a qualquer religião ou fé e nós todos temos que conduzir um Brasil plural. Nesse sentido, o governo tem dialogado, mas não tem entrado nesses assuntos que são produzidos por notícias falsas produzidas pelo capitalismo para vencer a eleição.

Leia também: 

Brasil de Fato: A fé não é apenas religiosa. Estamos em um momento de fortalecimento da democracia, o que a fé tem a ver com isso?

Marcelo Barros: É interessante você colocar isso porque a fé e a espiritualidade podem se expressar através de uma igreja ou de uma religião, mas também de uma ética e mística que não é religiosa. Por exemplo, o MST é um movimento de uma grande mística ecumênica, que não é necessariamente religiosa. Ela é humana, e acho que hoje o espírito nos chama a nos unir nesta fé e mística humana. É como diz o Grito dos Excluídos: A vida em primeiro lugar. E aí está o cuidado das pessoas, a solidariedade e a amorosidade. O resto vem depois.

Brasil de Fato: Estamos em período de festas, de Natal, o que elas têm a ver com solidariedade e esse atual momento do Brasil?

Marcelo Barros: A festa do Natal é uma festa que surgiu de uma festa anterior ao cristianismo. No século IV, os romanos celebravam o solstício de inverno, no dia 25 de dezembro, aquele dia do ano em que o sol quase desaparece nas noites longas do inverno europeu e começa a ressurgir. Ele é um recomeço, um renascimento. O Natal é uma festa de renascimento, não é apenas o aniversário do menino Jesus. O Natal é muito mais do que isso. Lembra que de fato Jesus nasceu como pessoa humana para que nós sejamos humanos e aprendamos a renascer cada dia.
 

 

Edição: Glauco Faria