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SAÚDE

Dezembro Vermelho: Quase 90% das ISTs são transmitidas através do sexo sem prevenção

Airles Ribeiro, gestor da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde (Sesau), fala sobre estratégias de prevenção

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Dezembro Vermelho é tempo de conscientização sobre a Aids e o vírus HIV
Dezembro Vermelho é tempo de conscientização sobre a Aids e o vírus HIV - Foto: Agência Brasil

Dentre as várias datas comemorativas, este mês também é marcado pelo Dezembro Vermelho, uma campanha instituída pela lei nº 13.504/2017, que marca uma grande mobilização nacional na luta contra o HIV, a Aids e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), chamando a atenção para a prevenção, a assistência e a proteção dos direitos das pessoas que vivem com o HIV.

A campanha é inspirada no Dia Mundial de Luta Contra a Aids, celebrado no dia 1º de dezembro e instituído em 1988 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma data simbólica de conscientização para todos os povos sobre a doença.

As Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) são causadas por vírus, bactérias ou outros microrganismos, sendo transmitidas, principalmente, por meio do contato sexual (oral, vaginal, anal) sem o uso de camisinha masculina ou feminina, com uma pessoa que esteja infectada.

Para falar sobre as ISTs e estratégias de prevenção na cidade do Recife, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Airles Ribeiro, ele é chefe do Setor de Ist/Aids E Hepatites Virais da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde (Sesau) da Prefeitura do Recife. Confira:
 

Brasil de Fato Pernambuco: Pra começar acho que é importante entender que a terminologia IST — Infecções Sexualmente Transmissíveis passou a ser adotada em substituição à expressão DST — Doenças Sexualmente Transmissíveis, por que isso ocorreu?

Airles Ribeiro: Na verdade é uma questão clínica porque quando eu falo em DST — Doenças Sexualmente Transmissíveis, a gente está falando de sintomas, olho pra uma pessoa e enxergo nela características, referências a uma doença. Então, por exemplo, quais são os sintomas pra gente caracterizar a covid para além da testagem rápida? Coriza, dor de cabeça e febre são sintomas que a pessoa está sentindo naquele momento e que vão caracterizar para quem está atendendo ela que ali existe uma possibilidade de uma doença.

Já para as Infecções Sexualmente Transmissíveis, esses sintomas que vão caracterizar possivelmente uma doença são maleáveis, acabam passando por uma invisibilidade, um exemplo é o HIV. Eu só vou descobrir que tenho HIV muitas vezes quando tenho a manifestação da Aids e aí sim vai ter a doença. Por isso que a Aids é a doença, mas o HIV é muito específico porque não tem como, para além de realização de um teste rápido ou do exame de sorologia saber se aquela pessoa é ou não soropositiva em relação ao HIV. A mesma coisa a sífilis e as hepatites virais B e C. Já algumas outras infecções são mais visíveis como a gonorreia, por exemplo, que tem os "sem sintomas", mas para não ficar uma conversão repartida se colocam todas como infecções por conta dessa questão. As infecções não conseguem ser reconhecidas facilmente a partir de sintomas e sim a partir de diagnósticos clínicos feitos por exames laboratoriais.

BdF-PE: Quais são as Infecções Sexualmente Transmissíveis e quais as formas de transmissão?

Airles Ribeiro: A gente tem uma gama enorme de Infecções Sexualmente Transmissível, algumas que não têm dentro dos seus sintomas questões que levam a óbitos ou a um agravamento da saúde do usuário. Porém, outras vão ter consequências maiores. Temos três que tratamos como principais porque são infecções que vão ter desdobramento em possíveis óbitos, com possíveis comorbidades, ou seja, alguns agravamentos em saúde que podem afetar a vida do usuário para o resto da vida dele que são a sífilis, as hepatites B e C e o HIV. São as três principais e estas que trabalhamos no município.

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A forma principal de transmissão é a prática sexual sem nenhuma barreira, sem nenhuma prevenção, e que está para além do preservativo, existem outras formas de prevenção das ISTs. O desafio é este, fazer com que a população entenda que existem mecanismos para além dos preservativos e que a principal forma de transmissão de IST é tendo relações sexuais sem preservativos. Há um tempo atrás existiam transmissões por transfusão sanguínea, alguns procedimentos em ambientes insalubres como salões de beleza, manicure, tatuagens, uso de seringas que deveriam ser descartadas mas hoje vemos que quase 90% das infecções sexualmente transmissíveis são pelo sexo sem nenhum tipo de barreira, sem nenhuma prevenção.

BdF-PE: Airles, neste ano a Prefeitura do Recife focou a campanha do Dezembro Vermelho no público jovem. Por que?

Airles Ribeiro: A campanha do Dezembro Vermelho, que é o “Viva positivo”, com cuidado, sem preconceito de ser positivo, tem o público jovem como alvo por conta de duas questões: a primeira é uma questão epidemiológica, hoje o maior número de novas infecções do HIV está concentrado na população jovem, a população de 14 a 29 anos de idade chega a ser quase 40% de todas as infecções que Recife tem.  Até 30 de novembro, tivemos 600 infecções, quase metade delas é do público jovem, uma parcela da população que precisa de um olhar diferenciado para questões de prevenção. E o segundo ponto é a questão do estigma e preconceito que nesse público jovem ainda é muito vigente e que muitas vezes dificulta o jovem a procurar o teste, procurar o tratamento e ter uma qualidade de vida.

Queremos primeiro conscientizar os jovens dos riscos da relação sexual sem nenhuma prevenção e, ao mesmo tempo, fazer com que a juventude e a sociedade como um todo enxerguem o HIV como uma infecção como qualquer outra, que o estigma e preconceito em relação a ela seja diminuído e possivelmente até eliminado.

BdF-PE: Para além do Dezembro Vermelho que outras iniciativas são realizadas pela prefeitura pra conscientização da população sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis?

Airles Ribeiro: Para além da população jovem, temos um foco grande na população de mulheres. A gente enxerga que as mulheres muitas vezes são infectadas com ISTs por conta do machismo que coloca essa mulher muitas vezes na impossibilidade do autocuidado, na impossibilidade do uso preservativo e na própria violência doméstica em casos de sexo forçado em casa e que, muitas vezes, o sexo está colocando essa mulher em risco em relação às ISTs. A população idosa também vem sendo enxergada pela gente como uma população estratégica pra questão do HIV/Aids, é uma população que a gente não consegue diminuir as novas infecções. De 2011 até 2021 temos praticamente os mesmos números de novos casos enquanto nas outras populações vem diminuindo.

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Para a população de idosos, a população jovem e a população de mulheres temos que ter estratégias dentro do município. Primeiro, de prevenção; depois, de diagnóstico, precisamos testar essas pessoas, oferecer o teste, facilitar o acesso ao teste. E o terceiro ponto é descentralizar o cuidado e proporcionar um cuidado sem estigma e sem preconceito. A gente reconhece hoje no município que o estigma e o preconceito são uma das principais barreiras de acesso. A questão do tratamento, por exemplo, do HIV/Aids diferente do Dezembro Vermelho, as pessoas têm medo de entrar nos espaços de cuidado, de declararem que vivem com HIV e isso vai cerceando a forma que essa pessoa acessa esses espaços ou dá continuidade ao seu cuidado.

BdF-PE: Quais são os serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento para IST aqui na cidade do Recife?

Airles Ribeiro: Falando da prevenção e dos insumos de prevenção, preservativos, gel lubrificante, é importante que a população entenda que  toda unidade de saúde da família, ou seja, todo posto de saúde próximo da sua casa dá acesso ao preservativo. Então é ir lá buscar o preservativo para ter relações seguras. Temos uma estratégia de descentralização, vamos prevenir, faremos totens na cidade com despensas de preservativos nos mercados públicos e terminais integrados de ônibus.

Na questão do diagnóstico e teste rápido é importante também procurar uma unidade de saúde para fazer o seu teste rápido, principalmente das gestantes e pessoas com sintomas ou diagnosticadas com tuberculose, é importante saber que o maior número de causa/morte de HIV/Aids ainda é com infecção de tuberculose. É importante que a pessoa com tuberculose faça o seu teste de HIV e a pessoa que tem HIV fique monitorando a questão da tuberculose. Mas além das unidades de saúde, há os Centros de Testagem do Gouveia de Barros, do Pátio de Santa Cruz, em Recife. No Vilma  Lessa de Andrade, nas quartas-feiras, tem testagem rápida com demanda espontânea e na Policlínica Salomão  Kelner, nas segundas e terças-feiras, também tem as testagem com demanda espontânea.

Em 2022, inauguramos estratégias "Vamos Testar", que aí é uma van que circula na cidade parando em alguns pontos estratégicos para oferecer a testagem pra população. Temos a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), que é uma estratégia que se você teve uma relação sexual onde pode ter tido uma exposição ao HIV procura um serviço em até 72 horas pra fazer a profilaxia e impedir que você tenha uma infecção de HIV. Hoje temos três policlínicas oferecendo esse serviço, policlínicas que funcionam 24 horas pra facilitar e garantir o acesso: a Policlínica Barros Lima, a Policlínica  Agamenon Magalhães e a Policlínica Arnaldo Marques. Tem a PREP - Profilaxia Pré-Exposição, que chamamos de uma "barreira farmacológica", a medicação que você toma diariamente impede que você seja infectado pelo HIV, e temos na Policlínica Lessa De Andrade e no CTA Gouveia De Barros.

Há ainda os Serviços de Atenção Especializada (SAE) das pessoas que vivem com HIV, viver com HIV é possível desde que não se tenha preconceito e que se tenha os cuidados necessários, então tem o SAE Lessa de Andrade, o SAE Gouveia de Barros, um SAE pediátrico para crianças vivendo com HIV ou que foram expostas ao HIV que também fica no Gouveia de Barros. E estamos inaugurando até o final desse ano o SAE Salomão Kelner, uma policlínica que fica na Zona Norte do Recife no bairro de Água Fria. São estes os espaços que oferecem  cuidado em relação às ISTs e principalmente ao HIV/Aids.

Edição: Glauco Faria