O ano de 2023 começou e com ele um novo governo para o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já começou a encarar alguns dos inúmeros desafios dos próximos quatro anos. Mas, o que a população deve esperar?
Leia: PE: acampamentos bolsonaristas são desmobilizados e milhares vão às ruas defender a democracia
Sobre esse assunto, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com o cientista político Cláudio André que é pesquisador e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Confira:
Brasil de Fato Pernambuco: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu a Presidência da República para um terceiro mandato, 12 anos depois de deixar o cargo. Levando em consideração o governo que seguiu até 2022, o que a gente pode esperar nos primeiros 100 dias de governo Lula?
Cláudio André: É uma tarefa gigantesca reorganizar o país do ponto de vista democrático. Eu penso que essa será a primeira tarefa do governo: ter uma reorganização das suas atribuições burocráticas, órgãos, superintendências, ministérios, tanto que nós aumentamos o número de ministérios que é uma forma que se tem de organizar a burocracia a partir de pastas que terão tarefas e atribuições específicas, mas penso que nos primeiros 100 dias o governo precisará acenar para a sociedade um conjunto de ações que se assemelham a pequenas reformas e acho que a pauta central tende a ser o combate às desigualdades. Essa é uma situação alarmante que a gente passa no país que decorre de uma crise econômica e de uma política de governo desastrosa feita pelo governo anterior.
Leia: Vacinação, Farmácia Popular, Mais Médicos: os planos da Saúde para os primeiros 100 dias
BdF PE: Essa nova gestão promete ser marcada por uma expansão da participação do Estado na economia, pela ampliação de programas de assistência social, ênfase em políticas ambientais e nas demandas de minorias e classes, além do retorno de regras mais rígidas para aquisição de armas de fogo. Na sua opinião, qual seria a melhor forma dessas medidas acontecerem?
Cláudio André: A gente vai viver uma reoxigenação da relação entre Estado e sociedade civil pautada pela legitimidade da participação política. Ou seja, da legitimidade da sociedade estar organizada e colocando as suas demandas frente ao Estado e direcionado ao atual governo. É muito importante que essas medidas sejam debatidas com a sociedade, que haja um diálogo político e republicano em torno do que se deve ter em relação ao ideal do ponto de vista dessas políticas públicas.
O que consigo perceber, e isso está muito presente no discurso do presidente Lula e também presente no discurso dos ministros que assumiram as pastas, é que há um sentimento que o país deve marchar para outras prioridades. Principalmente, a pauta ambiental; ao mesmo tempo o combate à violência se traduzindo na diminuição da circulação de armas de fogo.
Aliás, esse é um grande desafio para o governo Lula decorrente da polarização. Então o governo precisa aumentar a sua capacidade de diálogo pra que ele aumente a sua popularidade e pra que ele consiga trazer segmentos da sociedade que votaram no presidente anterior. Então é muito importante que haja diálogo e o retorno da participação, o retorno da construção de políticas públicas que passam pela etapa de ouvir a sociedade. Isso é muito importante e fortalece a democracia
Leia: Bolsonaro publica vídeo com notícia falsa sobre eleição e apaga pouco depois
BdF PE: Lula defende para seu terceiro mandato uma política econômica desenvolvimentista e uma reforma tributária “solidária, justa e sustentável”, que simplifique tributos para que “os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”. De que maneira isso pode acontecer?
Cláudio André: Vai ser inexorável que haja um diálogo do governo atual com o Congresso para uma reforma que consiga, inclusive, corrigir o imposto de renda, a tabela do imposto de renda pra pessoa física. Tem um debate também das grandes fortunas e eu entendo que são debates muito importantes porque o sistema tributário brasileiro coloca uma grande carga sobre o consumo, logo une aqueles que ganham menos.
Então, se a gente pensar na pessoa que vai comprar uma garrafa de água mineral, se for uma grande empresa ou se for uma pessoa física assalariada, a carga tributária é praticamente a mesma. Então, é muito importante que nós tenhamos de fato esse debate porque ele também envolve interesses do empresariado, interesses da classe trabalhadora. Então, com certeza, deve ser um debate que vai surgir como uma das medidas do Governo atual sob a liderança do Ministro da Fazenda Fernando Haddad.
Leia: Haddad, Múcio, Dino, Mauro Vieira e Rui Costa são anunciados como futuros ministros de Lula
BdF PE: O combate à fome e à pobreza sempre foi uma das principais pautas defendidas por Lula. Como a gente pode esperar que o governo trabalhe em cima dessas questões?
Cláudio André: Essa é pauta que liga o terceiro governo Lula ao primeiro. Tem aí um elo histórico importante porque a pauta em 2002 girava exatamente em uma prioridade de dar renda mínima, de garantir o mínimo de condições, de igualdade, de existência, de dignidade pra maioria do povo brasileiro. E, infelizmente, esse desafio, como política pública, se coloca de novo na história agora 20 anos depois e eu vejo que a primeira medida que o governo enxerga para o combate à fome é de fato a manutenção do Bolsa Família no valor de $600 e no acréscimo de $150 pra cada criança que houver na família e entendo que essa é a principal medida imediata, portanto, pra conseguir fazer com que a gente de segurança alimentar a maioria das famílias brasileiras.
Em paralelo a essa medida, o governo entende que deve pensar em oportunidades econômicas de trabalho e renda que consiga chegar para essa população e isso passa pela condição de ter mais dinheiro disponível na mão da população para consumir. Então, eu penso que essa é a principal medida. O combate à fome e a pobreza esse ano virá, sobretudo, do Bolsa Família remodelado, reconstruído, que deixe o Auxílio Brasil de Bolsonaro para trás e consolide uma nova política publicada reconfigurada mas de continuidade ao combate à fome e a pobreza.
Leia: Com 5,3 milhões na fila de espera, Auxílio Brasil sozinho não sana pobreza, avalia especialista
BdF PE: Para além desses desafios que o presidente Lula vai enfrentar, do combate à fome e à pobreza, e também esses descasos que o governo Bolsonaro deixou, quais outros desafios Lula tem pela frente, como saúde e educação… o que podemos esperar?
Cláudio André: Primeiro, lidar com a gestão fiscal, essa é uma demanda não só do mercado financeiro, mas passa a ser uma demanda importante que o governo precisa pensar numa gestão fiscal pra que dê segurança e gere segurança, sobretudo, para os líderes empresariais e para o setor econômico do país. Outro desafio posto é a infraestrutura. O país está sucateado, se a gente pensar aqui na Bahia você tem problemas que envolvem as rodovias federais, a manutenção das rodovias federais. Então, essa é uma demanda que vai ser colocada por esse novo governo pensando numa infraestrutura de maneira geral, pensando inclusive nas obras paralisadas.
A gente tem uma situação na educação que é grave, que é praticamente o desmonte de algumas políticas públicas de avaliação do sistema educacional brasileiro, então novos programas terão que ser revistos e estudados, o que gera uma complexidade que também envolve decisões técnicas, que precisa ser operacionalizado de outra forma e obviamente também vivemos um colapso das universidades com o corte de bilhões de reais do orçamento nos últimos anos e essa é uma demanda fundamental pra que a gente faça das universidades também uma política de inclusão e acolhimento.
A saúde a gente vai continuar com muita demanda por conta não só da pandemia, mas da necessidade de dar atenção ao povo brasileiro e isso demanda cooperação interfederativa com estados e municípios e pra finalizar temos a demanda da segurança pública. É preciso refazer as demandas e as políticas de segurança em nível nacional e, por fim, o meio ambiente.
Leia: "Não vamos permitir que democracia escape das nossas mãos", diz Lula diante de governadores
Edição: Vanessa Gonzaga