Pernambuco

Coluna

Pela defesa da democracia, as pessoas com deficiência tomam posição!

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Ouça o áudio:

Vidro partido na Praça dos Três Poderes, em Brasília: resultado dos ataques terroristas de bolsonaristas no dia 8 de janeiro - Marcelo Camargo/ABr
Precisamos da organicidade da resistência popular contra o terrorismo

[Audiodescrição: Em primeiro plano na fotografia aparece um vidro quebrado o qual reflete a imagem da bandeira do Brasil. Em segundo plano adentro, um homem olha com expressão de indignação para o vidro quebrado enquanto trabalha na manutenção dos danos. Fim da descrição.]

O que aconteceu no dia 08 de janeiro de 2023 já estava sendo semeado há um longo tempo. O autoritarismo foi marco de todas as ações do governo Bolsonaro, característica que se destacou profundamente diante a arrogância, indiferença, ausência de solidariedade, bem como o apagamento e desaparecimento de tudo que não fizesse parte do nefasto fascismo.  

Nos últimos quatro anos Bolsonaro agrediu as instituições garantidoras do Estado Democrático de Direito, inclusive o próprio Executivo, ridicularizando o Brasil. Focado em disseminar a tirania do bolsonarismo com o Executivo nas mãos, o ex-presidente e seus apoiadores, não apenas mobilizaram o fascismo criando um campo de defensores, como lhe instituiu aplicabilidade, sem qualquer tipo de punição, ornamentando a matriz violenta e terrorista, a qual, infelizmente, teve mais uma de suas materializações na fatídica data. 

Estamos diante de inúmeros desafios e enfrentamentos. Precisamos nos organizar enquanto resistência, não apenas fortalecendo as instituições e suas representatividades à luz constitucional - visto os desafios que o atual Presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá, mediante as alianças de governabilidade, bem como pelos poderes Executivo e Legislativo estarem tomados pelas forças conservadoras -, mas principalmente, precisamos da organicidade da resistência popular, contra o terrorismo que nos assola.

Nesse sentido, vale lembrar que as pessoas com deficiência foram duramente atacadas durante o período do governo Bolsonaro, tendo seus corpos e demandas usurpados em favor de um viés assistencialista, normativo e apagador, estratégia essa, primordial para a cooptação e patrocínios dos “soldados de Deus”, através do “Pátria Caridosa”.

Nesse período, as militâncias do campo progressista das pessoas com deficiência se contrapuseram enfaticamente pelo não retrocesso dos direitos, por igualdade e, conscientes da interseccionalidade dessa luta, brigaram por uma sociedade que trate o cuidado como uma necessidade social que precisa de respostas públicas e de um tratamento ético.

É nesse sentido que há a compreensão de que tais demandas não podem ser reivindicadas afora de uma sociedade consolidada na democracia, por isso, trago abaixo resumidas passagens de alguns militantes com deficiência e uma pessoa surda, cedidas a mim, os quais compreendendo a importância da participação e unificação popular, manifestam uma chamada não apenas no que se refere às pessoas individualmente, mas também às instituições e movimentos organizados que representam o segmento PCD e surdo, para que se posicionem, somando forças na defesa pela democracia:  

LAUREANE LIMA COSTA - Psicóloga, doutoranda em Educação pela USP

“A conquista de direitos pelas pessoas com deficiência, no Brasil, emerge no final da década de 1970 para 1980, quando, no clima de abertura política pela redemocratização do país, elas se organizam e, ao lado de outros movimentos sociais, tomam as ruas e as assembleias constituintes a fim de disputar a inserção de suas demandas de modo transversal na Constituição Federal de 1988, invés de alocadas em um único capítulo. 

Assim, construíram o alicerce para o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à assistência social, em outras palavras, a participação das pessoas com deficiência na construção da nossa Constituição marcou a transição de uma vida tutelada para uma vida cidadã, por isso é fundamental que, de novo, façamos parte das forças em defesa da democracia. 

A atrocidade que testemunhamos em 08 de janeiro 2023 é fruto de reiterados ataques ao Estado democrático de direito, observados desde o golpe parlamentar, empresarial e midiático de 2016, acentuados com eleição de Bolsonaro em 2018, a qual foi facilitada pelo mar de mentiras disseminado através das redes sociais. 

Nesses seis anos de sucessivas ofensas à democracia, as pessoas com deficiência também tiveram seus direitos abalados, a exemplo da violação do direito à educação, materializado no decreto 10502/2020, suspenso pelo STF e, finalmente, revogado pelo presidente Lula. Ao mesmo tempo em que é fundamental que nós, pessoas com deficiência, tomemos nossa posição nos atos em defesa da democracia, é essencial lembrar aos parceiros de luta que não se defende a democracia sem garantia de acessibilidade e mediação humana para corpos com maior nível de impedimento. O chamado é para todas nós, pessoas com e sem deficiência, garantir acessibilidade para ampliar a frente democrática, defender a democracia para efetivar direitos já conquistados no âmbito da igualdade formal e avançar nas proposições de distribuição justa dos recursos materiais e sociais”.

MARIANA HORA - Surda e Assistente Social

“É imprescindível e urgente que as entidades e coletivos que constituem o Movimento Surdo se posicionem com firmeza em defesa da democracia, mobilizem a comunidade para participar de manifestações e, principalmente, invistam em trabalho de base para fortalecer a politização crítica, progressista e popular da militância. Apesar dos limites da democracia capitalista, não podemos deixar espaço aberto para autoritarismo reacionário e retrocessos nos direitos humanos”.

MARIANA ROSA - ativista e fundadora do Instituto Cáue

“Não podemos esquecer que, num passado não tão distante, o regime nazista exterminou 300 mil pessoas com deficiência por considerá-las ônus para o Estado. Esterilização compulsória, institucionalização, segregação, contenção química, exclusão também são condutas autoritárias levadas a cabo, em diferentes momentos da história, pela crença de que a deficiência precisa ser extirpada do convívio comum. 

Por isso, a defesa da democracia, do Estado democrático de direito, é a defesa da participação em oposição à tutela, da agência e do protagonismo, em oposição à obediência. Em suma, a defesa da Democracia, pelas pessoas com deficiência, é a defesa do direito à própria vida, e precisa ganhar materialidade nas ruas, nos coletivos, nos sindicatos, nas associações”.

PAULO FABIÃO - Jornalista

"É muito importante termos em mente que mesmo que os episódios recentes sejam contidos e os responsáveis sejam eventualmente punidos, a democracia está em risco e a realização de um novo golpe pode ocorrer a qualquer momento, haja vista, que as instituições responsáveis pela manutenção da ordem não se encontram ao lado da população civil. Então, não podemos assistir tudo de modo passivo esperando que tudo se resolva sem que participamos. É fundamental que nos organizarmos coletivamente (através de partidos, coletivos, movimentos sociais, etc...), pois a verdadeira luta pela manutenção da democracia virá através da força do povo"

Sem anistia! 

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

 

Edição: Vanessa Gonzaga