Em 31 de dezembro de 2022, indígenas ocuparam um terreno na Estrada Monjope, em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife. A ideia é transformar o local na aldeia Mataro Kaetés. O grupo é formado por indígenas de diferentes etnias, mas que tem uma coisa em comum: viviam em zonas urbanas e se uniram para fortalecer a cultura dos povos originários, compartilhando saberes e tradições. Assista a reportagem:
A Cacica Valquiria Kyalonãn destaca que, para eles, a ocupação é um processo de retomada da terra que foi tirada dos povos originários desde a invasão portuguesa. “Nós somos os povos originários e essa terra é nossa. Eu não vejo, assim, como uma terra da prefeitura ou uma terra de alguém não, a terra é nossa. Nós estamos aqui antes que surgisse esse estado nacional. Então, temos isso, como essa terra é dos nossos antepassados, cada parte dela é o nosso sangue indígena que está e toda a nossa força, da nossa natureza sagrada”, aponta.
Da Assicuka à etnia Karaxuwanassu
A mobilização começou pela necessidade de vacinação contra a gripe em janeiro de 2021, criando a primeira associação indígena em contexto urbano, a Assicuka. Os participantes do grupo se consideram do povo Karaxuwanassu, que reúne pessoas de diferentes etnias originárias de Pernambuco, Bolívia, Peru e Venezuela, que estavam fixadas no Recife. O nome do povo é uma junção do nome de várias etnias, entre elas, Xucuru, Warao e Fulni-ô.
A resistência e a religiosidade dos povos originários
O Pajé Juruna destaca que a criação da aldeia se deu pela necessidade do contato com a natureza e também para o reconhecimento deles mesmos enquanto indígenas. “Até por ser guardiões da mãe-natureza, na cidade é mais complicado, não podemos combater a poluição do nosso rio Capibaribe sem a estrutura, né? Essa poluição sonora e esse tóxico que é jogado no nosso ar”, destaca o pajé.
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“A nossa caminhada começou com a influenza, quando muitas pessoas chegavam a nós, a eu e a cacica, dizendo ‘Juruna, eles não querem nos vacinar, não’. Aí começou esse mapeamento para vacinar no Distrito 1, de Recife, mas aí chegou a pandemia e eles não quiseram mais, falaram que a gente era descendente de indígena e não indígena. Logo, a nossa guerreira Rubinita disse ‘se é por falta de uma aldeia, vamos criar uma”, aponta.
A terra, que está registrada como propriedade da prefeitura de Igarassu, estaria abandonada até a ocupação. No entanto, a prefeitura já acionou a justiça para pedir a reintegração de posse, mas a justiça de Pernambuco determinou a suspensão temporária da ação contra os indígenas. A suspensão é resultado de um recurso feito ao TJPE, mas o processo ainda aguarda uma decisão definitiva sobre a reintegração.
O Cimi
O povo Karaxuwanassu pediu ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) para acompanhar a retomada. O missionário Angelo Bueno, que acompanha a ocupação desde o dia 1º de janeiro destaca o papel de inovação que a ocupação pode ter. “A gente acredita que o município de Igarassu possa conviver com uma reserva indígena. Inclusive, a prefeita falou que elas tem planos para esta região de construir uma escola, a gente até falou com a prefeita, eles mesmos falaram com a prefeita, que poderia ser uma coisa inédita não só para Igarassu, mas para o estado de Pernambuco para fazer uma escola pluriétnica”, destaca o missionário.
Aldeia precisa de solidariedade
Mas, para garantir a construção da aldeia e a permanência dos indígenas no local, o povo Karaxuwanassu pede doações de itens como alimentos, materiais de limpeza e higiene pessoal, água, eletrodomésticos e colchões. “A gente tem feito tudo para dividir o que a gente tem: frutas, verduras, inhame, macaxeira; mas foi só uma vez que a gente ganhou isso. Mas tudo o que a gente faz a gente divide com todos, mas está faltando”, ressaltou a cacica.
Para realizar as doações, é possível ir até o local na Estrada do Monjope, 527, deixar os mantimentos. Também é possível doar através do pix [email protected].
Resposta da Prefeitura
A equipe do Brasil de Fato entrou em contato com Prefeitura de Igarassu, que respondeu através da nota que segue na íntegra:
“A prefeitura esclarece que no dia 1 de janeiro de 2023 foi surpreendida com a informação de que pessoas ocuparam o espaço onde funcionou o Polo Empresarial Ginetta, atualmente utilizado para a recuperação de bens da Secretaria municipal de Educação. O equipamento foi desapropriado com verbas vinculadas ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação — Fundeb, inscrita junto ao FNDE (ID 4027871), destinada para a construção de uma Escola em Tempo Integral, para a educação de adolescentes.
O projeto compreende 13 salas de aula, quadra poliesportiva, laboratórios de informática e ciências, refeitório que oferecerá quatro refeições diárias.
Salientamos, ainda, que o município vem envidando esforços nos últimos quatro anos para amparar as 86 famílias de migrantes venezuelanos, totalizando 239 pessoas, cujo projeto de acolhimento foi reconhecido e premiado pela ONU.
A cidade não dispõe, no momento, de meios para atender o pleito, pois ainda vem cuidando das pessoas atingidas pelos efeitos da chuva, sendo a segunda cidade mais atingida do Estado.
Não se trata de terra improdutiva, mas de área que vem sendo utilizada pela administração municipal, dotada de iluminação elétrica, circuito interno de câmeras e funcionários que não estavam no local, no momento da ocupação, por se tratar de um domingo e feriado.
Naquele dia, a Guarda Municipal foi acionada tendo constatado atos de vandalismos do patrimônio público, sendo devidamente documentado para adoção das medidas legais pertinentes. Foram constatados danos no contador para interromper o fornecimento de energia e arrombamento do portão principal com substituição do cadeado pelos invasores.
Foi preciso que a equipe elétrica se dirigisse até o local para restabelecer o fornecimento de energia e religação do circuito de câmeras dos galpões.
A gestão municipal tem compromisso com o acolhimento e a Assistência Social tem tratado do assunto com compromisso e respeito junto aos órgãos federais, estaduais e municipais para solucionar o problema. Informamos ainda que o diálogo permanece com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas — FUNAI, órgãos e membros envolvidos.”
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Edição: Vanessa Gonzaga