Em Pernambuco, policiais militares deverão começar a usar câmeras nos uniformes em até três meses. Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), o projeto é experimental e acontecerá nos municípios de Paulista e Abreu e Lima, no Grande Recife. A expectativa é que a ação combata a letalidade policial.
Serão entregues 187 câmeras individuais, conhecidas como bodycams, pela empresa contratada para o fornecimento dos equipamentos, a CHT Comunicações LTDA Eirelli. Além disso, serão fornecidas 196 baterias extras e estações computadorizadas. O contrato foi orçado em R$ 419.500 e tem validade de um ano.
O projeto será implementado no 17º Batalhão da PMPE. A SDS também afirma que irá investir em uma sala para o carregamento dos equipamentos, armazenamento de imagens e treinamento do efetivo.
Após um período de teste de funcionalidade e capacitações, as câmaras serão acopladas aos uniformes das PMs para registrar a ação dos agentes. As imagens são transmitidas em tempo real, por meio de live streaming, de maneira a impossibilitar a edição do registro.
A medida foi implementada em outros estados do Brasil, como em São Paulo. A partir do programa Olho Vivo, 18 unidades do estado utilizaram as câmaras. Em 2021, a diminuição da letalidade policial chegou a 83% nos últimos sete meses, comparados ao mesmo período de 2020, é o que apontam dados inéditos da Folha de S. Paulo.
Outros estados como Santa Catarina, Rondônia e, mais recentemente, Rio de Janeiro, adotaram a medida.
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Letalidade policial em Pernambuco
Movimentos populares envolvidos com segurança pública celebram a ação, mas chamam atenção para a necessidade de outras medidas. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, plataforma que mapeia e divulga dados sobre a violência armada, em pouco mais de quatro anos, foram 500 adolescentes baleados na Região Metropolitana do Recife. Isso é cerca de nove adolescentes por mês. Entre as vítimas, 322 morreram e 178 ficaram feridas. Desses, a maioria é de jovens negros.
Edna Jatobá, coordenadora executiva do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (GAJOP), cientista social e especialista em políticas públicas de segurança, pontua que há uma disputa na narrativa sobre o tema no estado.
“É uma média baixa se a gente comparar, por exemplo, com Bahia, Rio de Janeiro, Ceará, estados que têm uma violência policial que já passou da barbárie; se a gente compara com o nosso estado anos atrás, é uma média ruim”, explica. Seja qual for o ângulo a ser olhado, a especialista afirma que o objetivo é baixar o número para zero. "A gente sempre tem que comparar o cenário atual com o melhor cenário que já existiu".
Nesse sentido, ela avalia positivamente o uso de bodycams para redução do uso de força policial em confrontos. "Qualquer medida que reduza mortes é uma medida interessante. Essa é uma forma de aumentar o controle social da polícia”.
Contudo, ela sinaliza a importância de se debruçar sobre as particularidades de Pernambuco, antes de apenas "importar" um modelo que é bem sucedido em São Paulo. Portanto, a medida deve ser acompanhada de outras ações
"A gente tem um Ministério Público estadual muito omisso em relação às mortes praticadas pela polícia; um judiciário letárgico. O que vai adiantar ter câmeras nos uniformes se a gente não corrige esse fluxo, não tem o MP que encaminhe essas denúncias, que faça investigação de qualidade? Não dá para pensar que a câmera vai resolver tudo”, critica.
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Segurança para os agentes policiais
No final de 2022, o Grande Recife superou a marca de 100 agentes de segurança vítimas de tiros, com um total de 104 agentes baleados nos últimos quatro anos, segundo o Instituto Fogo Cruzado. Destes, 51 morreram e 53 ficaram feridos. Isso é uma média de 25 agentes de segurança baleados por ano. A maior parte destes, eram policiais militares (71).
Para o instituto, os dados escancaram a dificuldade do Governo de Pernambuco em estabelecer um plano de segurança que tenha foco em garantir a vida.
Rosana Santiago, integrante do Conselho Nacional do Movimento Policiais Antifascistas, também vê com bons olhos a iniciativa. “Levamos a questão aos demais integrantes do grupo e concluímos que é, sim, uma medida válida. Além de diminuir drasticamente a violência policial nas ruas, também resguarda o próprio policial”, opina.
O Movimento dos Policiais Antifascistas é um coletivo de segurança pública de todas as forças e que possui um pensamento progressista e humanitário da polícia. “Tratamos a polícia como trabalhadores e trabalhadoras que estão para servir a comunidade, não somente de forma mecanizada”, explica Rosana. "A polícia no Brasil é a que mais mata, mas também é a que mais morre", lembra.
Segurança Pública em Pernambuco
O debate da segurança pública em Pernambuco está em alta. Nos primeiros dias da gestão de Raquel Lyra (PSDB), o Governo do Estado divulgou a Operação Pernambuco Seguro, que tem, entre outras medidas, a promessa de colocar mais 500 PMs nas ruas do Grande Recife. O objetivo é conter a onda de assaltos na região.
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O plano de segurança prevê um investimento de R$ 7,5 milhões por mês e deve, também, enviar um reforço de 600 PMs para o interior do estado.
“A PM é a polícia preventiva e ostensiva, então só a presença dela já impõe uma sensação de segurança. É válido, mas somente isso para coibir a violência não é totalmente eficaz”, aponta Rosana Santiago.
Ela cita operações pontuais como a do Papai Noel, que aumenta a quantidade de PMs nas ruas no final do ano, mas assinala que isso não tem mostrado mudança. “Há vários anos que tem esse aumento [da violência e onda de assaltos]. Precisamos de uma proposta a mais”, afirma.
Edna Jatobá problematiza a estratégia como uma fórmula mágica para acabar com a violência. “Segurança pública a gente nunca pode pensar apenas como uma questão de polícia”, enfatiza. “A gente precisa fazer um balanceamento entre ações repressivas e preventivas”.
A especialista em Segurança Pública aponta para a necessidade do recompletamento de câmeras, o policiamento comunitário, o combate à truculência nas abordagens policiais e aos indícios de ilegalidade nelas.
Além disso, cobra uma ação dos municípios. “Eles não têm obrigação como o estado de ordenar as polícias, mas eles também podem colaborar com várias medidas que visem a prevenção, seja na redução de desigualdades, no acesso ao mercado de trabalho, etc”.
Fórum Popular de Segurança Pública de Pernambuco
Em Pernambuco, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, universidades, associações de bairros e redes envolvidas com a temática da segurança pública e Direitos Humanos se articularam e formaram o Fórum Popular de Segurança Pública de Pernambuco (FPSP-PE). Juntos, eles debatem os desafios e os caminhos para uma segurança pública de qualidade no estado.
No final de 2022, o fórum elaborou um documento que centralizou as principais propostas sobre a temática. O objetivo era que o documento fosse discutido com a equipe de transição da governadora Raquel Lyra (PSDB). Porém, segundo o fórum, foram diversas as tentativas de diálogo sem nenhum retorno.
Diante disso, optaram por publicar a Carta de Propostas do FPSP-PE, elaborada pelas mais de 15 organizações/grupos que compõem o fórum. Elas estão distribuídas entre oito eixos principais: Prevenção Social do Crime e da Violência; Violência Armada: controle de armas e munições; Violência contra Crianças e Adolescentes; Sistema de Justiça Criminal e Socioeducativo; Política de Drogas; Direito ao Território; Enfrentamento ao Genocídio e Criminalização dos Movimentos Sociais.
O GAJOP, que atua na promoção dos Direitos Humanos, com foco no Acesso à Justiça e Segurança, é uma das organizações que fazem parte do fórum. Edna Jatobá afirma que a nova gestão precisa estipular uma nova estratégia de segurança com participação popular. “A gente espera que exista uma escuta competente, transparente e aberta da sociedade civil”, encerra.
Para conferir o documento na íntegra, clique aqui.
Edição: Vanessa Gonzaga