o direito à igualdade salarial das trabalhadoras é histórica e cotidianamente descumprido
No último dia 8 de março, por ocasião do Dia Internacional de Luta das Mulheres, o Presidente Lula anunciou um pacote de ações com a finalidade de assegurar os direitos das mulheres e, dentre elas, o envio para o Congresso Nacional de um projeto de lei para garantir o pagamento pelo empregador de salários iguais para homens e mulheres que exercem a mesma função. Como se trata ainda de um projeto de lei, o seu conteúdo ainda não está valendo, de modo que deve se aguardar a sua votação e aprovação na Câmara de Deputados e no Senado Federal.
Mesmo ainda não sendo uma lei vigente, que produz efeitos jurídicos concretos, o anúncio do projeto e todo o seu simbolismo para o avanço na efetivação dos direitos sociais básicos das trabalhadoras já é motivo suficiente para discutirmos o seu teor aqui nesta coluna.
A previsão de igualdade de salários entre homens e mulheres empregados que exercem uma mesma função dentro de uma empresa já era presente desde 1988, na Constituição Federal. Segundo o artigo 7°, XXX, do texto constitucional, é proibida a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
Essa é uma especificação às relações de trabalho de uma regra geral presente no art. 5º, caput, da Constituição, que traz o princípio da isonomia, vedando qualquer forma de discriminação de qualquer natureza, assim como no seu inciso I, segundo o qual “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
A CLT, da mesma forma, a fim de proteger o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, em mesmas condições que os homens, já trazia desde o ano de 1999 previsão de que seria proibido “considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional” (art. 373-A, III). O artigo 401 já previa também pena de multa administrativa, junto ao Ministério do Trabalho, a ser aplicada ao patrão que estabelecesse discriminações de remuneração em relação às suas empregadas.
Igualmente, o caput do artigo 461 dispõe que “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade” e, em seu parágrafo 6º, é prevista multa destinada à empregada discriminada, porém em valor relativamente baixo: 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, além da própria diferença salarial.
Já no projeto de lei anunciado pelo Presidente Lula, é reforçado o dever do empregador de paridade salarial, de maneira que explicitamente diz que é obrigatório o pagamento de remuneração igual a homens e mulheres no mesmo cargo, com as mesmas condições. Em caso de descumprimento, é prevista uma multa de 10 vezes o maior salário pago pela empresa, bem como a elevação da multa em 100% se houver reincidência.
O projeto cria também a possibilidade de que a Justiça do Trabalho emita, em caráter de urgência, decisão para forçar a empresa a pagar o mesmo salário, combatendo a violência patrimonial e de direitos contra a trabalhadora, assim como a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais. Por fim, a medida determina que empresas com mais de 20 empregados deverão divulgar relatórios de transparência salarial e remuneratória de homens e mulheres, observando as leis de proteção de dados, além de ser imposta multa no caso de descumprir tal obrigação.
A criação de regras de combate à discriminação salarial mais duras pelo projeto de lei anunciado é justificada porque o direito à igualdade salarial das trabalhadoras é histórica e cotidianamente descumprido. É o que pesquisa divulgada recentemente pelo DIEESE traz: o rendimento médio mensal das mulheres é menor do que o dos homens (R$ 2.909 x R$ 2.305). Nos serviços, elas representam 42% dos ocupados e ganham salários 27% menores; na indústria e construção, recebem 17% menos; na educação, saúde e serviços sociais, as mulheres são 75% da força de trabalho e ganham 32% menos; no comércio, elas são 42% dos ocupados e têm salários 24% menores; e no serviço público, elas correspondem a 40% da mão-de-obra, mas recebem 15% menos. Mesmo nos serviços domésticos, que as mulheres representam 91% dos ocupados no setor, elas tem salários 20% inferiores do que o dos homens.
Aqui em Pernambuco, a força de trabalho feminina tem um desnível salarial de 13% em relação aos homens.
É por isso que medidas de combate à discriminação às mulheres no ambiente de trabalho, principalmente em relação aos salários, infelizmente, ainda são tão atuais e necessárias. Não se sustenta o discurso econômico do setor empresarial, que vez ou outra sempre volta quando se busca criar regras de proteção especial ao trabalho para promoção de igualdade formal: não há qualquer justificativa plausível para embasar o discurso misógino de que tal medida protetiva seria fator de desincentivo à contratação de mulheres ou mesmo de aumento da demissão de trabalhadoras.
Edição: Elen Carvalho