As sementes plantadas no governo da exclusão continuam a reproduzir injustiças
[Audiodescrição: Em fotografia aparece uma pessoa com deficiência física usuária de cadeira de rodas no primeiro plano. Ela está de costas, movimentando as rodas da cadeira, usa blusa cinza e um colar de flores atravessadas em seu tronco. Ao fundo, uma roda de pessoas conversando em pé. Fim da descrição.]
Mesmo com a sinalização da nova conjuntura do governo Lula, em abarcar uma luta mais ampla por políticas públicas inclusivas, as sementes plantadas no governo da exclusão continuam a reproduzir injustiças, desigualdade e capacitismo, espalhando seus frutos e perpetuando a ideia de desumanização das pessoas com deficiência.
Essa situação não findou com a revogação – no dia da posse do governo Lula em 01 de janeiro de 2023 – do decreto 10.502/2020, o qual, claramente, retirava as pessoas com deficiência da escola e legitimava essa prática normatizando-a. Isso porque a consequência da discussão não se trata apenas do documento que caiu em desuso, mas sim de um projeto de governo que, bem sucedido em sua estratégia, fortificou no imaginário social o assistencialismo e, como consequência desse movimento de naturalização, as portas das escolas têm sido, literalmente, fechadas através da recusa de matrículas.
Ocorre que a educação em uma perspectiva inclusiva sofreu um desmonte, o qual deixou consequências extremamente nocivas, resultado da usurpação do governo da exclusão que, para além de ter proliferado a ideia de incapacidade, infantilização e caridade, vinculada à vida das pessoas com deficiência, atacou as conquistas dos seus direitos, dividiu o segmento e falseou a discussão sobre acessibilidade.
Tal ataque transformou o acesso à educação dessas pessoas em uma espécie de “escolha” e, por outro lado, determinou quem escolhe, referindo-se à deficiência como um tipo que atrapalha, uma espécie de sigla e/ou situação a ser resolvida. Assim, uma vez subjugados, estes são reafirmados como “problema”, a partir da patologização do laudo, o qual reafirma que seus corpos físicos devem ser identificados e catalogados, para melhor exercer vigilância e garantir seu isolamento, reforçando a lógica da submissão e hierarquização.
Esse movimento não apenas empurra as pessoas com deficiência para instituições carcerárias e/ou ambientes incapacitantes (prefiro chamar as coisas pelo nome correto), através da lógica da expulsão e marginalização – já que no imaginário social está cada vez mais reafirmada a ideia do fracasso tendo por base a deficiência – como também e/ou por consequência disso, as mata.
Temos muito trabalho a fazer e confrontos a travar, ao lado da militância PCD, no embate à precarização da vida. Nesse sentido, a luta por uma escola democrática e inclusiva, sem dúvida, é um dos principais caminhos. Devemos compreender – mesmo que o óbvio deixe a afirmação redundante – que o aluno com deficiência é aluno da escola e que os construtores desta, uma vez abarcados pelo Estado, são partícipes da luta pela democratização das oportunidades.
O direito à educação não é negociável e quando está em disputa é porque existem assimetrias de poder que devem ser duramente combatidas. A escolha não tem sido das pessoas com deficiência, na verdade, elas sempre estiveram do lado das lutas, porque quem escolhe, normalmente, solidifica a supremacia dos corpos e essa história precisa urgentemente de reparação, pois como sempre traz a companheira Mariana Rosa: o que deve ser questionado não é a presença das pessoas com deficiência na escola, mas sim a ausência delas.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga