Após anos de desmonte das universidades federais, as instituições voltam a funcionar com muitos desafios, mas com um aceno positivo do governo federal, que reajustou o valor de bolsas, nomeou novos reitores e promoveu um encontro com reitores das universidades federais.
Leia: Lula recebe reitores e diz que universidades e institutos federais vão "sair das trevas"
Presente na Bahia, Pernambuco e Piauí, a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) é uma das instituições que vem passando por mudanças, como a nomeação do reitor eleito em 2019, Télio Nobre Leite, que foi entrevistado para o programa Trilhas do Nordeste. Confira:
Brasil de Fato Pernambuco: No início do mês de abril, você finalmente foi nomeado reitor da Univasf depois de uma ação judicial que iniciou em 2019, após o impedimento de que a comunidade acadêmica pudesse indicar seu representante. Conta pra gente como foi esse processo que começou há 3 anos e só teve um desfecho agora.
Télio Nobre: Bom, a eleição de um reitor de universidade federal tem uma legislação específica, ela remonta o ano de 1968, ainda no auge da da ditadura militar e que teve teve algumas modificações, mas ela permanece de forma um tanto quanto complexa. Diferentemente, por exemplo, de um prefeito de uma cidade, que é uma eleição em que cada pessoa vota, se homologa o resultado e se assume um mandato num determinado momento, a eleição para reitor ela tem três momentos.
O primeiro momento é a quando a gente escuta a comunidade e a gente fez aqui uma eleição em novembro de 2019, paritária, onde tanto os estudantes como os professores e os funcionários tiveram o mesmo peso na nossa votação; depois dessa eleição onde a gente teve cerca de 57% por cento dos votos na nossa comunidade, vencendo pleito em primeiro turno, a gente tem uma eleição no colegiado máximo, que pela legislação é o órgão formal que elabora uma lista de três nomes do primeiro ao terceiro mais votado. E nesse novo processo eleitoral o meu nome foi colocado como primeiro lugar dessa lista.
Entretanto, antes dessa lista ser encaminhada à Presidência da República, um dos candidatos derrotados no processo eleitoral questionou a forma como essa lista foi elaborada; não teve êxito na primeira instância, mas na segunda instância no Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª região ele obteve uma liminar em fevereiro de 2020 e essa liminar perdurou até que houvesse o julgamento de mérito na primeira instância, que foi em agosto de 2021, mas logo em seguida eles conseguiram um novo efeito suspensivo.
Resultado é que o processo judicial só foi desenrolado agora no início deste ano. E não houve questionamento à minha presença como primeiro dessa lista. E o processo finalmente subiu para a Presidência da República depois das análises que são feitas em Brasília e o presidente Lula, honrando o compromisso que já tinha assumido de que ele iria nomear o primeiro da lista, o meu nome foi nomeado agora dia 05 de abril. É uma mudança de rumos em relação ao governo passado, que cerca de um terço das nomeações ele nomeou o segundo ou o terceiro da lista ou até mesmo alguém que não estava na lista, como foi o caso da Univasf para exercer uma gestão pro tempore.
Leia: Em Pernambuco, estudante de universidade federal é processado por questionar gastos da reitoria
BdF PE: A Univasf tem um modelo de multicampia muito diferente, já que ela está presente nos estados da Bahia, Pernambuco e Piaui. Como abranger as particularidades de cada estado e construir uma gestão integrada?
Télio Nobre: Bom, esse é o desafio diário, o desafio até de nossa identidade como instituição, de construir essa identidade. A gente estava acostumado a uma universidade muito localizada numa determinada cidade ou no máximo ao longo de determinado estado, mas a Universidade Federal do Vale São Francisco surgiu com essa vocação de ser a primeira universidade regional do país e ela tem a sua sede aqui Petrolina, Pernambuco, no interior do Nordeste, mas hoje em dia com campus em Juazeiro, Senhor do Bonfim e Paulo Afonso, na Bahia; Salgueiro, também em Pernambuco; São Raimundo Nonato lá no Piauí.
E isso gera complexidades do ponto de vista administrativo, gerencial, para lidar com diferentes situações. Em relação, por exemplo, nos nossos contratos terceirizados a gente tem que ter uma convenção coletiva pra usar de base em cada estado; gera complexidade também na relação com as concessionárias de serviços de água e de energia. Entretanto ela traz uma riqueza de composição à nossa estrutura administrativa e da universidade, numa posição muito estratégica e privilegiada no interior do Nordeste, podendo atuar nesses três estados da federação.
Inclusive, com a nossa presença em Salgueiro a gente fica muito próximo também do Ceará e da Paraíba; com a nossa presença em Paulo Afonso, a gente fica muito próximo de Sergipe e de Alagoas. Então, eu considero um privilégio poder estar numa universidade com essa característica não só da multicampia, como também essa característica regional em três estados da nossa federação. Por mais desafiador que seja eu acho que a gente ganha em riqueza, em diversidade, ela compensa enormemente e a nossa atuação de fato ela fica muito fortalecida com essa presença
BdF PE: Apesar de todas essas particularidades, o desmonte que a Univasf sofreu nos últimos anos é semelhante ao de outras federais, que inclusive, chegaram à beira da suspensão das aulas por falta de recursos. Qual o cenário da Universidade Federal do Vale do São Francisco hoje?
Télio Nobre: É um cenário muito crítico. Nós temos histórias muito difíceis com relação ao período da pandemia. Como nós passamos praticamente dois anos em atividade remota isso deu uma uma camuflada, por conta que as despesas se reduziram drasticamente. Entretanto, com a contínua defasagem do nosso orçamento para custeio e manutenção da universidade e com a volta às atividades presenciais a partir do ano de 2022 ficou muito crítico.
Eu estou conversando agora com o reitor que está saindo, o professor Julianeli Tolentino, que é o reitor pro tempore, ele me falou que está pagando neste mês agora de abril as faturas de dezembro do ano passado. Uma situação muito precária. E foi assumido um compromisso com essa nova gestão do Ministério da Educação e com o Governo Federal de recompor o nosso orçamento.
Leia: Após quase três anos com interventor, Univasf volta a ter Julianeli Tolentino como reitor
Então nós chegamos e encontramos nesse ano os restaurantes universitários todos fechados, sem nenhum contrato; sem contrato de telefonia; alguns contratos de manutenção que são estratégicos, já que nossa região é uma região de temperatura elevada aqui no interior do Nordeste e a gente está sem contrato de manutenção de ar condicionado. A gente estava com uma série de contratos emergenciais a pleno de vencer, a gente podia ficar sem alguns serviços essenciais.
Então a situação é bastante dramática, mas a gente está conseguindo colocar agora a casa em ordem e com a perspectiva de recompor esse nosso orçamento não só de custeio, mas com possibilidade de novos investimentos, afinal de contas nossos prédios já já estão antigos. Uma série de equipamentos já tem mais de uma década e a gente precisa reestruturar toda essa infraestrutura.
A situação é uma das mais dramáticas das universidades federais a situação pelo Brasil também não é diferente em outras instituições, mas somado a isso há um clima de que a universidade foi tratada como uma adversária nos últimos quatro anos, como adversária do país pelo governo que encerrou, então isso traz uma série de situações do campo material, do campo da qualidade de vida no trabalho, então hoje a gente tem um ambiente de trabalho de muito adoecimento e que a gente precisa recuperar também esse aspecto.
BdF PE: Recentemente o Brasil completou 100 dias de governo Lula e um dos eventos que marcou a nova até aqui foi o evento com reitores. Para você que já tem uma trajetória de gestão universitária em governos progressistas, o que podemos esperar do Governo Lula em relação à educação superior?
Télio Nobre: A gente percebe claramente pelos discursos, não só pela prática do presidente Lula e do conjunto de partidos que apoiam esse governo, um compromisso, uma valorização muito grande com as universidades… não só as universidades, como os institutos federais.
Então a gente espera que consiga retomar o patamar de orçamento, não só de custeio, isso é essencial, mas também retomar o patar de investimento, esse é compromisso do governo de retomada dos investimentos públicos e a gente sabe que a área da educação será privilegiada, para retomar obras que estão paralisadas e as que precisam ser iniciadas para a gente dar conta de todo um processo de expansão da educação pública superior que aconteceu nas últimas décadas. A gente espera tão logo as condições deem essa oportunidade, que a gente possa retomar um novo debate sobre a expansão da graduação e dos investimentos em ciência e tecnologia.
Já temos algumas notícias que são bastante animadoras como o reajuste de bolsas, a retomada de orçamento no Ministério de Ciência e Tecnologia também. Então a gente espera fazer aqui no interior do Nordeste, com a nossa região encravada na Caatinga, retomar e alavancar uma série de pesquisas, porque o homem e a mulher sertanejos precisam de um serviço prestado de excelência. A gente tem que ter esse compromisso de ofertar cursos de graduação, de pós-graduação de excelência. A gente está muito animado, não não só a questão do Ministério da Educação, mas com outros ministérios que são bastante afinados com a missão institucional da Universidade Federal do Vale do São Francisco para que a gente possa, de fato, colocar a nossa universidade no patamar dessa excelência que ela merece e que a gente tem tanto trabalhado nesses últimos 19 anos.
Leia: Sem telefone, restaurante universitário e água potável: novo reitor fala da situação da Univasf
Edição: Vanessa Gonzaga