O FNE Participativo de agora assumirá um papel de muito diálogo
O golpe político impetrado contra a ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016 não se voltou somente contra a ex-presidenta. Como ela mesma alertou quando de seu afastamento forçado pelo complô que se forjou contra o seu governo e contra a soberania do voto popular que a havia elegido em 2014, o golpe seria contra o povo brasileiro. E de fato foi isso que ocorreu.
Assim como o conjunto da sociedade brasileira, a educação de nosso povo foi fortemente atacada. O então ministro da pasta à época da gestão do golpista Michel Temer, fazendo jus ao governo que compunha, assumiu a tirania e a arbitrariedade como marcas de sua gestão.
Mendonça Filho, por meio da malfadada Portaria 577/2017 do MEC, destituiu muitas das representações da sociedade civil que faziam parte da composição do Fórum Nacional de Educação (FNE), desconfigurando aquele espaço que, por excelência, existe justamente para fazer a interlocução da sociedade civil com o Estado brasileiro, nas pautas que dizem respeito à educação nacional.
Esse não havia sido o primeiro ataque à educação de nosso povo, é bom lembrar. Uma das primeiras medidas do golpe foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, ainda em 2016, logo após o afastamento da Presidenta Dilma.
A EC 95/2016 agiu para asfixiar financeiramente os gastos sociais do país, inclusive os da educação. De 2016 a 2022, por exemplo, dados dão conta que a função educação teve uma perda no Orçamento da União na casa dos R$ 74 bilhões de reais. Isso somente em função da EC 95 que, no fim das contas, agiu para inviabilizar a expansão e manutenção das politicas educacionais brasileiras. De lá para cá, depois do fim do FNE com a Portaria 577, a educação brasileira degringolou, ratificando a famosa frase do antropólogo e educador Darcy Ribeiro: a crise da educação no Brasil é um projeto.
Essa redução no financiamento da educação, da ciência e da tecnologia desde 2016 prejudicou a assistência estudantil, as bolsas de pesquisas, os Institutos Federais e as Universidades Públicas, quebrando a aplicação de políticas educacionais com uma visão sistêmica da creche à pós-graduação, iniciada ainda no ano de 2005, quando do governo federal capitaneado pelo Presidente Lula. Trata-se mesmo de ataque sem precedentes e, de forma cruel, o setor que almejou um dia ser potencializado com as verbas do Pré-Sal, viu o ex-presidente Bolsonaro propor um orçamento da educação infantil para o ano de 2023 com um corte de 97%.
O fim do FNE também trouxe graves consequências no monitoramento das metas estabelecidas no âmbito dos planos de educação. O não cumprimento constitucional dos planos decenais de educação, do atendimento à universalização do direito à educação, das condições adequadas nas escolas para garantir a permanência dos estudantes e da falta de compromisso dos poderes públicos na aplicação de políticas que valorize os/as trabalhadores/as em educação terminaram por não garantir que a escola cumpra o seu papel na formação cidadã dos/as jovens, em especial na conclusão da educação básica.
No ano passado, levantamento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostrou que 86% dos objetivos previstos no Plano Nacional de Educação, com vigência até 2024, ainda estavam descumpridos àquela época. De 2014 a 2021, apenas 5 das 20 metas pactuadas haviam sido cumpridas, mesmo que parcialmente. Isso, é claro, se deve debitar na conta do golpe e do fim de um FNE representativo da sociedade. Apenas 2 anos depois de ser construído coletivamente, o PNE 2014-2024 e suas metas também não resistiram ao golpe.
Também resultado da aventura golpista de 2016 e do fim do FNE em 2017, o conjunto da sociedade brasileira hoje reclama da implementação do Novo Ensino Médio (NEM). É claro que isso, da mesma forma, resulta de um processo pouco democrático na construção da política pública que forjou uma proposta de reforma do ensino médio brasileiro. As escolas públicas e privadas foram fortemente atacadas por leis aprovadas sem a nossa participação. E talvez o maior exemplo seja a Lei 13.415/2017 (Reforma do Ensino Médio), que nasceu de uma Medida Provisória do governo golpista de Temer.
Além disso, a profusão de projetos de leis sobre educação domiciliar e de controle dos processos de ensino e aprendizagem atinge a escola e a autoridade da figura do/a professor/a naquilo que lhes é mais caro. O resultado desse caldo político e cultural forjado pela extrema direita brasileira não podia descambar para algo diferente do que estamos a viver nos dias de hoje com o quadro crescente de violência e ataques às nossas escolas.
Os ataques criminosos às escolas que hoje estamos a vivenciar no Brasil são resultado também desse processo crescente de desprestígio a que o ambiente escolar e o papel do/a professor/a foram submetidos. Achincalhados/as noite e dia pelos arautos da ignorância que tomaram conta do país com suas fake news no último período – e que felizmente foram derrotados pelas urnas nas eleições de 2022 -, a educação e seus profissionais sofrem. O alijamento dos/as professores/as da gestão e do cuidado de nossas escolas, com o ataque recorrente à sua autoridade, fomentou também nesse período o processo crescente de militarização e de gestão por organizações sociais privadas. O prognóstico para isso não pode mesmo ser nada positivo.
O fim desse ciclo trágico com a eleição do Presidente Lula trouxe alento ao país e, também, como reflexo dessa mudança geral, à educação brasileira. No último dia 14 de abril, por pressão do conjunto do movimento educacional brasileiro comprometido com uma perspectiva freireana e popular, a atual gestão do Ministério da Educação (MEC) editou uma nova portaria recompondo o Fórum Nacional de Educação (FNE) nos moldes daquele que foi golpeado em 2017. Com a mesma composição de antes do golpe, e com a coordenação nas mãos da CNTE como à época, o FNE voltou e assumiu compromissos centrais com a educação nacional.
O FNE Participativo de agora assumirá um papel de muito diálogo para que possamos entender qual o projeto de educação é necessário para alcançarmos o projeto de nação que queremos. Também não nos furtaremos a ser um FNE de muitas elaborações políticas para contribuir com o MEC no atendimento a todas as demandas do direito à educação, com qualidade social e a valorização das/os trabalhadoras/es em educação.
E, por fim, o FNE será um espaço de mobilização social que, através da organização da Conferência Nacional da Educação, transformarão a educação, a ciência, a cultura, o trabalho e a tecnologia em eixos permanentes de debate na sociedade brasileira, com a perspectiva de garantir a formação integral de todas as pessoas e que possibilite que vivam com dignidade. Esses serão os atributos do novo FNE, participativo e democrático, pujante na formulação de políticas educacionais arrojadas, a altura que o momento político pede e nos exige.
Não serão tarefas fáceis para serem cumpridas e, dessa forma, não serão sentidas de imediato, mas espero que tenhamos, dentro do FNE, agora e por muitos anos à frente, as condições e o respeito entre nós para iniciarmos (ou retomarmos), de forma coletiva, a construção de um projeto de educação democrático, inclusivo e libertador para o nosso país. Sob a luz e orientações do Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire!
Viva a democracia!
Viva a educação pública!
Viva o Fórum Nacional de Educação Participativo e Democrático.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga