O 1º de Maio é uma data que relembra a história de trabalhadoras e trabalhadores que travaram batalhas em prol dos seus direitos, nos deixando um grande legado de força e de vitórias. Apesar de ter sido transformado em feriado pelas próprias elites, como uma tentativa de esvaziar o seu significado revolucionário, é necessário entender o seu real sentido.
Foi no ano de 1891, durante a II Internacional Socialista, no Congresso de Bruxelas, que a data foi firmada como um marco de luta e afirmação em torno da reivindicação da jornada de 8 horas de trabalho diárias, entre outras pautas. Neste mesmo sentido, nos Estados Unidos, no 1º de Maio de 1886, uma greve geral foi deflagrada conseguindo mobilizar cerca de 240 mil trabalhadoras e trabalhadores também em torno da jornada de trabalho.
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Em muitos estados foi conseguido diálogo com os empresários e empregadores, exceto na cidade de Chicago, onde os trabalhadores foram respondidos pelo Estado e pelas elites locais - com respaldo, inclusive, da imprensa burguesa -, com muita violência. Oito líderes foram julgados e condenados, sendo as sentenças anuladas apenas 6 anos depois. Foi assim que a data foi determinada como o Dia Internacional da Luta da Classe Trabalhadora. Ao longo dos anos esse dia pôde ser ressignificado, de acordo com os momentos históricos, pautas e realidades de cada país e território, dando continuidade e ampliação nas reivindicações da classe.
Existem diversas formas e tipos de trabalho na sociedade que fazem parte desse contexto, e o objetivo aqui é explorar um tipo de trabalho ainda pouco valorizado e atravessado estruturalmente pelas questões de gênero e raça. Quando se fala da situação da mulher trabalhadora e seus direitos, normalmente se fala daquela mulher que trabalha em um espaço público, ou seja, aquela mulher que tem um emprego fora de casa. Mas, para falar da situação da mulher trabalhadora de fato é preciso que se fale também do trabalho realizado no âmbito doméstico, de forma não remunerada. Analisar o trabalho e suas precarizações do ponto de vista das estruturas de exploração capitalistas, inclusive a própria ideia de família nuclear e o papel da mulher.
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Falar sobre esses dois temas - gênero e trabalho - não é algo simples, sendo fundamental fazer uma distinção de quais mulheres estamos nos referindo, já que essa condição está relacionada fundamentalmente com a questão de classe e raça. Por estarmos inseridos em um sistema capitalista, nossa sociedade é organizada de acordo com esse sistema, portanto, os mecanismos criados, desde a fase de acumulação primitiva do capital, tem vívidas consequências na organização social atual. Estamos então fazendo uma análise sob a perspectiva de classe, raça e gênero, com base em um modelo social e político implantado desde o século XVI no Brasil.
O trabalho doméstico não remunerado ainda é extremamente invisibilizado, muitas vezes até mesmo pela própria esquerda. As melhorias da posição da mulher nos espaços de trabalho na esfera pública, são ainda muito recentes. A mulher só teve direito a voto em 1932, ou seja, 91 anos atrás. Foi no mesmo ano que o decreto 21.417 foi criado, estabelecendo salários iguais para os trabalhos de mesmo valor, além de vir a regulamentar outros pontos, como é o caso do horário de trabalho, questões médicas e proibição de transporte de determinados produtos.
O que se nota é que, a mulher ainda era vista de acordo com a tutela masculina e a partir da maternidade, sendo colocada como menos capaz de realizar determinadas atividades em comparação com o homem, e limitando determinadas questões de um ponto de vista moral. Assim, fica regulamentado que o trabalho que a mulher desenvolve fora de casa é dependente do trabalho que ela realiza dentro de casa, pensando que ela precisa ter tempo e espaço para realizar as tarefas domésticas.
Essa jornada dupla de trabalho é a base de todo uma sociedade, é a base, inclusive de muitas organizações de esquerda, que reproduziam as mesmas estruturas que a sociedade burguesa criou, usando o trabalho doméstico como sustentáculo de suas vidas e lutas, sobretudo se olharmos para o passado. Segundo dados do IBGE, do ano de 2020, as mulheres costumam dedicar em média 10 horas a mais, que o homem, semanalmente, com tarefas domésticas e cuidados com outras pessoas.
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Dentro disso, a taxa de mulheres brancas, na realização dos trabalhos domésticos é menor que a de mulheres negras e pardas. Houve muito crescimento de alguns debates, especialmente no seio da esquerda, no que concerne à exploração da mulher na sociedade, no entanto, algumas questões ainda precisam ser levantadas de forma mais palpável, como é o caso do trabalho doméstico não remunerado. O trabalho invisibilizado que as mulheres realizam continua sendo instrumentalizado, até mesmo por essa mesma esquerda. É vital tratar da exploração do trabalho da mulher em todos os âmbitos, que serve de base para toda ordem social existente. Neste 1º de Maio de 2023, que possamos pensar a igualdade de gênero como parte essencial do processo, que a classe trabalhadora siga firme na luta, e que a História nos sirva sempre para resgatar a verdadeira simbologia desta data.
Vittória Paz é Mestra em História pela UFPE e militante do Movimento Brasil Popular em Pernambuco
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga