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Liberdade com responsabilidade: reação das big techs ao PL 2630 só reafirma sua urgência

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O Telegram disparou mensagem em massa para os seus usuários no Brasil atacando o PL das Fake News - Dilvulgação Telegram
É mais ou menos assim que funcionam as mídias sociais. Quem paga mais, chega mais longe

Imagina um pavilhão em que diversas pessoas debatem, cada uma ao seu microfone. Argumentam, discordam, buscam convencer as outras de suas verdades. Outras tantas pessoas apenas ouvem a discussão, às vezes manifestando suas opiniões através de sinais feitos com o polegar ou mesmo anotando algumas ideias que as interessaram mais.

Agora imagina que numa cabine, alguém tem o poder de aumentar ou diminuir o volume de cada um desses microfones. E o faz, atendendo sempre ao pedido de alguém que oferece dinheiro. Quanto mais dinheiro, mais volume no seu microfone. Consequentemente, menos volume no microfone do restante.

Imagina que, além do dinheiro que recebe das pessoas que querem ver sua voz chegar mais longe, quem controla a cabine também ganha dinheiro na proporção do tempo que cada pessoa passa dentro do pavilhão participando ou assistindo do bate-boca. Logo esse sujeito percebe que, quanto mais discórdia o conteúdo gera, mais gente passa mais tempo prestando atenção. E usa esse conhecimento para, no jogo do aumenta-e-diminui o volume, manter o foco de quem observa.

A grossíssimo modo, é mais ou menos assim que funcionam as mídias sociais. Quem paga mais, chega mais longe. Não importa se está dizendo a verdade ou mentindo. Se está caluniando alguém ou postando foto do almoço. Ao contrário do que podemos imaginar, nós, as pessoas usuárias, não somos clientes dessas empresas. Cliente é quem paga por anúncios ou impulsionamento. Nós, com nossos olhos e ouvidos atentos, com nossos dedos agitados, na maior parte das vezes somos o produto. Quanto mais a gente treta no Twitter, quanto mais a gente compartilha o post ridículo do jornalão, quanto mais a gente se engaja e participa, mais eles ganham dinheiro.

Sendo assim, não é de se estranhar a grita das chamadas ‘big techs’ quando o parlamento brasileiro avança na discussão do PL 2630, que busca criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, também conhecida como “Lei das Fake News”. Afinal, quem – até agora – ganha rios de dinheiro argumentando uma pseudoneutralidade nos conteúdos que publica (e impulsiona) não quer mesmo regras que possam eventualmente prejudicar seus negócios (mesmo que esses ‘negócios’ sejam lucrar com discurso de ódio e distribuição de notícias falsas.

Responsabilidade é a palavra que está por trás do projeto. É trazer, de forma mais nítida, para o ambiente virtual aquilo que já é crime no mundo real, como o racismo e a difamação, por exemplo. É ter normas que impeçam uma plataforma a ganhar milhões impulsionando postagens sabidamente falsas ou nocivas. É criar mecanismos para proteger crianças de conteúdos impróprios ou mesmo de abusadores que usam as redes para encontrar suas vítimas. A recente ofensiva recém liderada pelos Google, Twitter e Meta da vida só negrita ainda mais a necessidade de termos uma legislação nesse sentido. Para se ter uma ideia do nível dessa tropa, o Telegram – que disparou um monte de mensagem falsa dizendo que o PL 2630 era sobre censura – não quer nem ter um representante legal no Brasil. É ‘terra de ninguém’ que eles querem. Mas não podem ter.

É bom lembrar que a ideia de se haver regras para o tráfego de conteúdo nas redes não é uma jabuticaba brasileira. A Alemanha saiu na frente em 2017, quando criou o Network Enforcement Act (NETzDG). A legislação, por exemplo, facilita a notificação de conteúdos inadequados, demanda relatórios periódicos sobre o que as plataformas estão fazendo para tornar suas mídias mais seguras. Na mesma linha, no ano passado, a União Européia aprovou o Digital Services Act, que cria uma espécie de "auto regulamentação regulada”, com obrigações escalonadas de acordo com os riscos das atividades exercidas pelas empresas.

É bem verdade que a proposta brasileira não vem perfeita. Discutida por mais de três anos no Congresso Nacional, o PL 2630 institui uma espécie de “imunidade parlamentar” nas redes que não faz sentido. Como também se equivoca um dispositivo que faz com que plataformas remunerem conteúdo jornalístico produzido por empresas locais. Se for para gerar recurso, que seja encaminhado para a comunicação livre e não para os velhos conglomerados de sempre.

Também é preciso dizer que essa lei não resolve todos os nossos problemas no campo da comunicação. Acesso à banda larga de qualidade, privacidade e neutralidade da rede permanecem sendo questões, assim como ainda precisamos enfrentar o histórico problema da concentração da propriedade na radiodifusão. Cada vez mais, é preciso também introduzir conteúdos de leitura crítica da mídia nas escolas – e além delas. Se já era imprescindível aprender a ‘ler entre as linhas’ quando predominavam tevê, rádio e jornal, a miríade de conteúdos disponíveis e a forma com que se distribuem fazem com que saber ler já não seja suficiente para compreender o que está por trás do que nos chega diariamente.

Na esteira do que muitos países democráticos já estão fazendo, ter uma Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet é urgente, necessário e imprescindível. E será apenas um bom começo.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga