No início do mês de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1085/23, mais conhecido como Lei da Igualdade Salarial, que torna obrigatória a igualdade salarial entre homens e mulheres quando exercerem atividades de igual valor ou mesma função. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma brasileira recebe, em média, 78% do que ganha um homem.
Foi para comentar o impacto da aprovação e os desafio da sua implementação no Nordeste, onde o trabalho informal é uma realidade na vida da maioria das mulheres que o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Milena Prado, economista e técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Confira:
Brasil de Fato Pernambuco: Segundo um levantamento do DIEESE, o rendimento médio mensal das mulheres no mercado de trabalho brasileiro é 21% menor do que o dos homens. Mesmo nos setores em que as mulheres são maioria,elas recebem menos. A que se deve essa disparidade salarial entre homens e mulheres?
Milena Prado: A gente tem que lembrar que existe uma relação de hierarquia entre homens e mulheres, que estão inseridos num sistema de dominação que é o patriarcado. Quando nós vamos para o mercado de trabalho, ele gera uma hierarquia fundamental que é de que trabalho de mulher vale menos que trabalho de homem, que trabalho de homem é o trabalho que está na vida pública, que gera riqueza ao PIB. E o trabalho das mulheres, ele se origina do trabalho doméstico, a gente vem do trabalho doméstico pra vida pública .
Quando a gente vai pro mercado de trabalho, essa hierarquia está estabelecida e daí nós somos em geral contratadas em postos de trabalho de menor valor, que pagam menos, em que a jornada de trabalho é diferenciada. Portanto, se nós trabalhamos menos tempo, nós também recebemos menos e por que nós trabalhamos menos tempo? porque nós temos também todos os cuidados com a vida familiar.
Isso tudo está muito estruturado nessa divisão sexual do trabalho e nessa hierarquização do trabalho entre mulheres e homens. E o mercado de trabalho vai refletir isso com muita tranquilidade. Na última pesquisa com os dados do trimestre da PNAD as mulheres ocupadas ganhavam em média R$ 2.305,00 e os homens ganhavam R$ 2.909,00. As mulheres ganham 32% a menos dos homens que estão ocupados nos setores de educação, saúde e serviços sociais e outros serviços, a diferença de rendimentos chega até a 27%.
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BdF PE: Também segundo pesquisa do DIEESE, a maioria das mulheres na região Nordeste estão na informalidade, ou seja, trabalham sem carteira assinada. Quais os impactos dessa feminilização da informalidade?
Milena Prado: A gente entende que estar na informalidade é estar na precarização do trabalho, do rendimento do trabalho, das condições de proteção social desse trabalho, então isso reflete de uma maneira generalizada sobre todas as condições de reprodução de vida e dignidades e cidadania dessas mulheres.
No Nordeste isso é muito sintomático porque existe uma taxa de informalidade elevadíssima. Então a gente poderia dar alguns exemplos. Em Pernambuco 56,8% das mulheres estão na informalidade; no estado do Piauí, essa proporção de mulheres na informalidade aumenta pra 62%, chegando ao ápice no Maranhão, onde 66,2% das mulheres que estão ocupadas estão na informalidade.
É muito cruel quando a gente olha pra essa informalidade e não consegue estabelecer regras ou alguma proteção social para essas mulheres que permita que ela tenha o mínimo de cidadania, bem viver. A gente poderia e deveria pensar nessa perspectiva.
BdF PE: Milena, no início deste ano a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei chamado de Lei da Igualdade Salarial que torna obrigatório o pagamento de salário igualitário entre homens e mulheres quando exercerem as mesmas atividades. Como você acredita que medidas como essa contribuem para a redução da desigualdade?
Milena Prado: Então a gente volta um pouco na primeira parte da nossa entrevista onde a gente chama a atenção para essa divisão desigual do trabalho. A divisão sexual do trabalho é uma divisão que é estrutural e ela não é só sexual, ela é racial… Então quando se trata no mercado de trabalho dessa diferenciação, da questão patriarcal, tem que pensar também como tratar isso na questão pública, porque pode ser de alguma maneira enfrentado de forma mais efetiva pela dimensão pública. Quando a gente olha a importância dos mecanismos da política pública para fazer enfrentamento a isso.
É através de um projeto de lei, é através do enfrentamento, da Câmara, do Senado e entendemos e esperamos que agora o Ministério da Mulher possa fortalecer isso, ter a perspectiva de poder trazer pras mulheres, pras mulheres negras, que a gente exerça de fato uma economia onde mulheres que exercem o mesmo trabalho, o mesmo cargo, o mesmo posto que os homens também recebam o mesmo salário, que não haja diferenciação.
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BdF PE: A política de valorização do salário mínimo tem sido uma das principais pautas do movimento sindical. No dia 1º de maio, o presidente Lula anunciou um aumento mas ainda abaixo do esperado. Como uma política de valorização do salário mínimo contribui para o aumento da qualidade de vida das mulheres trabalhadoras?
Milena Prado: A maioria das mulheres que estão ocupadas com o mercado de trabalho recebem até um salário mínimo, então tem um percentual significativo de mulheres que estão ocupadas em trabalhos e que recebem um salário mínimo. Então, uma política de valorização do salário mínimo é fundamental para garantir a elevação de renda dessas mulheres. Principalmente das mulheres que estão no trabalho doméstico, nos serviços sociais, nos serviços de saúde, na área de educação.
O salário mínimo é referência de todo o rendimento que acontece no mercado de trabalho. Então, quando determinadas categorias de trabalho como o comércio, o setor de serviços recuperam seus pisos salariais eles estão olhando para a política de valorização e essa política é fundamental para alimentar por consequência esse outros níveis salariais onde as mulheres também estão muito presentes.
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Edição: Vanessa Gonzaga