Pernambuco

Orgulho LGBTI+

Governo Lula "é um cenário de esperança, mas também de muita luta coletiva", diz Janaína Lima

Primeira trans a ocupar um cargo de gestora pública do RN, Janaína faz um balanço do mês do orgulho no governo Lula

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Janaína Lima atua na Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH) do Rio Grande do Norte - Arquivo Pessoal

No caminho para construir um país livre do preconceito LGBTfóbico, o mês de junho, declarado como mês do orgulho LGBTI+, é uma oportunidade para a construção de lutas e obtenção de conquistas para a comunidade em todo o Brasil. 

Na história do país, foi durante governos progressistas que a pauta em torno dos direitos sociais e a garantia de cidadania para a população LGBTI+ avançou, a exemplo da criação do Criação do programa Brasil sem Homofobia em 2004, e a realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT em 2008, nas duas gestões do governo Lula e a criação do Sistema Nacional LGBT em 2013, durante o governo de Dilma Rousseff (PT).

Depois de quatro anos marcados pelo conservadorismo e desmonte das políticas voltadas a esta parte da população protagonizado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), a conjuntura "é um cenário de esperança, mas também de muita luta coletiva", diz Janaína Lima, comunicadora popular, primeira mulher trans a ocupar um cargo de gestora pública no Rio Grande do Norte e militante do Movimento Brasil Popular. Ela faz um balanço do mês do orgulho LGBTI+ e reafirma a necessidade de pensar políticas intersetoriais para combater a LGBTfobia. Confira: 

Brasil de Fato Pernambuco: Estamos finalizando junho, que é conhecido dentre outras coisas, como mês do orgulho LGBT. Como é celebrar o mês do orgulho vivenciando um governo democrático?

Janaína Lima: Esse é o primeiro mês do orgulho após o governo Bolsonaro. O último período foi muito difícil, em especial para as políticas públicas para a população LGBTQIA+ então é fundamental compreender que esse momento histórico é muito importante por nos apresentar uma nova possibilidade de negociação de maior participação popular e controle social a nível federal com as políticas públicas. 

Um exemplo disso é a retomada do Conselho Nacional de Direitos da População LGBTQIA+, com uma possibilidade inclusive de construir junto do governo Lula novas possibilidades de reconhecer os direitos sociais da população LGBTI+, além de ter um orçamento também. 

Leia: Espaços de sociabilidade para pessoas LGBTs são destaques no Prosa e Fato

Isso amplia para nós uma esperança mais concreta de ter na ponta, nos estados e nos municípios, programas e políticas que possam de fato garantir esses direitos, mas também promover a cidadania aqui no país, que ainda é muito atacada, muito violentada nós continuamos sendo o país que mais mata pessoas transexuais e travestis no mundo. Então é fundamental compreender que um dos caminhos é também garantir que as políticas públicas consigam chegar em todos os estados, em todas as regiões desse país para garantir uma melhor a qualidade de vida e também de cidadania para nossa população.

BdF PE: Você foi a primeira travesti gestora pública do governo do do estado do Rio Grande do Norte. Como tem sido essa experiência e importância de mais pessoas travestis e transexuais ocuparem esses espaços?

Janaína Lima: Isso mesmo. A gente até comenta que isso é uma contra-maré nos últimos quatro anos aqui no Rio Grande do Norte. Enquanto a gente tinha em nível federal um governo que de fato retirava as políticas sociais, os orçamentos específicos para a população LGBTQIA+, aqui no Rio Grande do Norte nós podemos criar uma nova coordenadoria, a Coordenadoria da Diversidade Sexual e de Gênero ligado ao governo do RN. 

Ele foi criado com a legislação específica da governadora Fátima Bezerra que nos possibilitou pela primeira vez dentro da administração pública direta ter um órgão que fizesse o trabalho intersetorial, na articulação com a saúde, com a cultura, com a educação, com a segurança pública, pensando as demandas específicas da população LGBTQIA+  aqui do Rio Grande do Norte.


Palácio do Itamaraty, em Brasília, iluminado com as cores do Orgulho LGBT / SERGIO LIMA / AFP

Também é um momento também de reafirmar a nossa participação política enquanto população transexual e travesti potiguar, de se reconhecer também nos espaços públicos, nos espaços políticos do executivo estadual e isso faz com que a gente não só amplie essa representação política, mas também que isso nos dê uma possibilidade de humanidade, de também construir a política, de pensar como o Estado pode ser combinado com as nossas lutas sociais, com as nossas pautas dos movimentos populares e que o Estado venha a contribuir também, se formar como mais um agente na construção das políticas, mas também nessa conquista de direitos que historicamente foram negados para nossa população. 

Então, ocupar esse espaço de um lado contribui concretamente na construção das políticas públicas, mas contribui também para a participação do movimento social organizado LGBTQIA+ e também nessa garantia da gente ter uma participação política de fato concreta com os movimentos sociais organizados.

BdF PE: Janaína, que ações tem sido realizadas pelo governo do estado do Rio Grande do Norte no combate à LGBTfobia?

Janaína: Aqui acho que é importante demarcar que a LGBTfobia ela se expressa nas diversas dimensões da vida social da nossa população, então seja no espaço privado da família, seja no espaço público, ou seja no espaço da educação, no acesso à escola com nome social garantido na chamada, na utilização do banheiro de acordo com a identidade de gênero, seja acessando a cultura e o lazer, o mercado de trabalho, enfim… nas diversas dimensões da vida social a LGBTfobia se manifesta e muitas vezes como uma barreira de acesso à saúde, como uma barreira na expulsão das escolas, porque não reconhecem a sua identidade de gênero, muitas vezes porque as pessoas gays e lésbicas não conseguem acessar o mercado de trabalho pelo preconceito em relação a sua orientação sexual, nos diversos campos da vida humana a gente tem a expressão concreta da LGBTfobia. 

Por isso que é fundamental a gente enfrentar a LGBTfobia pensando também nessa articulação das políticas. A LGBTfobia não se enfrenta somente com a segurança pública, mas com acesso à educação, cultura, lazer, saúde e assim por diante, tem um conjunto de políticas. 

Nós temos tres ambulatórios para pessoas transexuais e travestis em nível de estado, tem os municipais, mas no estado nós temos três novos serviços públicos no SUS;  a própria criação do Conselho Estadual de Políticas Públicas LGBTI+ aqui do estado, de um Comitê de Enfrentamento à LGBTfobia, que é um outro órgão colegiado específico para pensar ações de enfrentamento à violência LGBTfóbica e em breve nós teremos a inauguração da primeira Delegacia Especializada em Crimes de Ódio, Intolerância e Racismo que vai ser a DCROIR, uma delegacia específica para pensar como o enfrentamento a essa violência ganha um novo lugar no campo da segurança pública.

São alguns exemplos de como a gente conseguiu enfrentar a LGBTfobia e desafios seguem, são muitos ainda. A gente sabe que um dos caminhos é articular as políticas públicas de forma intersetorial para enfrentar de fato o preconceito e a discriminação com garantia de direitos.

BdF PE: Pra gente fechar, qual o balanço você faz do mês do orgulho e do que é possível se orgulhar nessa conjuntura?

Janaína: O mês do orgulho a gente já iniciou falando que temos um novo elemento na conjuntura política que é essa possibilidade de reconstrução do Brasil, de retomada das políticas sociais, que tem como prioridade a classe trabalhadora e isso está diretamente relacionado com a população LGBTQIA+ que na ponta compõe esse grupo mais diverso dos trabalhadores e das trabalhadoras que estão enfrentando ainda a miséria, a fome o desemprego, então para nós é fundamental se orgulhar que nós temos uma possibilidade junto ao governo federal de ampliar essas políticas públicas. mas que só isso não é suficiente. 

A gente sabe que nesse período nós precisamos ampliar também a participação popular dos nossos movimentos populares junto ao governo federal, inclusive pautando a segurança alimentar, o combate à fome, pautando aí políticas reais de enfrentamento ao preconceito e a discriminação contra a população LGBTI+, mas também, pautando a garantia das políticas sociais e da promoção da cidadania junto aos estados e os municípios do nosso país.

Nós temos um investimento muito mais regionalizado, muito mais localizado de acordo com a realidade territorial para que cada estado consiga de fato planejar como vai transformar sua realidade em parceria com o governo Lula, mas garantindo também a participação e a reivindicação de pautas históricas que nós temos enquanto movimento organizado LGBTQIA+. Então de fato é um cenário de esperança, mas também é um cenário de muita luta coletiva, ocupar as ruas também quando for necessário para reivindicar e afirmar que as nossas vidas importam.

Leia também: No dia do orgulho LGBTQIA+, mundo convive com avanços e retrocessos

Edição: Vanessa Gonzaga