É necessário pensar a cultura - e quem faz ela acontecer - para além dos ciclos festivos
Tenho ouvido bastante nas conversas pelos territórios que piso, em nossas audiências públicas e também na última reunião do nosso conselho participativo, que a cultura deve ser tratada como política de estado, perene, contínua, forte, articulada com políticas para a superação das desigualdades. E que é necessário pensar a cultura - e quem faz ela acontecer - para além dos ciclos festivos, como Carnaval, São João, Natal e afins, pois ela está vinculada ao território e aos símbolos que são construídos ao longo dos anos e merece ir para além da lógica do turismo, que fomenta o investimento em períodos específicos.
Faz pouquíssimo tempo que tivemos que lidar com cenas de artistas vendendo seus instrumentos, grupos tendo que encerrar suas atividades por falta de condições concretas de apresentações, com os integrantes enfrentando dificuldades para viver de seus trabalhos artísticos. Isso ocorre porque esses sujeitos e sujeitas já vivem no limite da sobrevivência, com uma política cultural em nosso estado que não garante condições dignas de sustentação financeira para suas vidas. Se é a cultura popular que, em Pernambuco destacadamente, atrai milhões de turistas todos os anos, no Carnaval, no São João, e trabalha o ano todo para manter vivo o Frevo, o Maracatu, o Caboclinho, a Ciranda, o Coco, o forró, o pife, o artesanato, por que para eles são oferecidos os menores cachês nas festas públicas?
Está batendo na porta um dos maiores e mais incríveis festivais de cultura pernambucano, que é o Festival de Inverno de Garanhuns (FIG). Até aqui, já foi bastante desconfortável a construção deste querido festival. Primeiro, porque demorou bastante para a divulgação das datas, o que interfere objetivamente na dificuldade de mobilização das pessoas que esperam o ano para curtir o friozinho do agreste e ainda vivenciar diversas manifestações culturais. Agora, com as datas definidas, não temos sequer nenhum aceno sobre a programação. Isso atinge a mobilização do público, mas também dificulta que os grupos que vão se apresentar consigam viabilizar suas idas e estadias, porque ainda não sabem o dia em que estarão na programação. O setor hoteleiro também está sendo afetado, como toda cadeia do turismo, visto que a cidade de Garanhuns também gira em torno desse festival.
A programação do FIG sempre gera um debate importante, porque ela converge sobre uma problemática que está na essência da nossa legislação: a burocratização e a escolha inadequada de quem pode e quem não pode se relacionar com o estado. Explico: os editais de fomento têm diversas etapas e dificuldades para os fazedores de cultura locais, que correspondem ao povo trabalhador, pobre, marginalizado, das periferias da cidade e do meio rural. Muitos deles e delas até desletrados. Além disso, não há abertura para contratações dessas figuras de forma pessoal, somente por uma empresa - o que não é real para essas pessoas. Como também, muitas vezes há um desleixo com a cultura popular, desde o processo de seleção, até a montagem da programação que os exclui do palco principal e pagamentos atrasados.
Em Pernambuco, existe a lei nº 14.676/2012, que dispõe sobre a garantia de apresentações de artistas e grupos locais no Estado de Pernambuco. Logo no primeiro artigo ela diz que: ” ao remeterem recursos para a realização de atividades culturais, que têm por objetivo oferecer à população de Pernambuco apresentações artísticas nas áreas de música, teatro, dança, literatura e outras áreas afins, deverão prever a reserva de 60% das vagas para artistas e grupos que expressem a cultura pernambucana”. Será que vamos ter a efetividade dessa prerrogativa no FIG?
Nos chega a preocupação de que não teremos esses artistas de Pernambuco nas noites mais cobiçadas do palco principal e de que poucos artistas de Garanhuns estão entre a lista seleta de artistas habilitados para compor a programação oficial. Hoje estou debatendo o FIG, mas, essa problemática está em como o Estado fomenta a cultura pernambucana. E nós estaremos atentos para que consigamos efetivar uma política que mitigue as desigualdades entre os fazedores e fazedoras da cultura de forma permanente.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga