Falta apenas uma semana para a governadora Raquel Lyra (PSDB) cumprir ou ficar em dívida com a promessa que fez, em entrevista em rede nacional, de apresentar à população, no mês de julho, o programa do seu governo para a segurança pública de Pernambuco. A cobrança em torno do anúncio ganhou força com a divulgação do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A publicação trabalha com dados de 2022 e aponta que, das 50 cidades mais violentas do Brasil com população acima de 100 mil habitantes, cinco são pernambucanas: Cabo de Santo Agostinho (5ª), Vitória de Santo Antão (27ª), São Lourenço da Mata (30ª), Garanhuns (39ª) e Jaboatão dos Guararapes (42ª).
Por enquanto, só o nome do programa é de conhecimento público: Juntos pela Segurança. Foi divulgado ainda na campanha eleitoral e, recentemente, passou a adesivar as viaturas da Polícia Militar que substituíram veículos antigos da frota. Foi durante a participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 26 de junho, que Raquel Lyra se comprometeu a apresentá-lo ainda em julho. Antes, em abril, ela já havia prometido lançar o programa na “próxima semana”, como se pode ver no segundo vídeo abaixo:
“Vai ser a construção, coletiva, do nosso plano de segurança pública estadual, envolvendo a todos”, descreveu a governadora. Até agora, porém, a sociedade civil não foi convidada para integrar o processo de construção do Juntos pela Segurança. “O que nos foi passado é que o momento de participação será depois que o governo apresentar, de forma unilateral, o embrião do programa”, relata a cientista social e especialista na área Edna Jatobá. Ela é coordenadora-executiva do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares), organização que integra o Conselho Estadual de Segurança Pública. A última reunião do colegiado foi no final de junho.
No plano de governo apresentado pelo PSDB à Justiça Eleitoral, o tema ocupa três das 68 páginas (26, 27 e 28). Nelas, há um breve diagnóstico e cinco propostas sem estabelecimento de metas, previsão de orçamento e prazo para implementação: requalificar a gestão por resultados, prevenir a violência e promover a cultura de paz, combater crimes contra a vida e patrimônio, valorizar os profissionais da área e estruturar o sistema prisional e de ressocialização.
Viver e morrer no Cabo de Santo Agostinho
Há quase dez anos, o município da Região Metropolitana do Recife onde está localizado parte do Complexo Industrial Portuário de Suape, é destaque negativo nas estatísticas e estudos sobre violência letal. Em 2014, a cidade foi considerada a mais perigosa do Brasil para jovens, principalmente negros e pobres. O Cabo apresentou o pior índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, da Secretaria Nacional de Juventude do governo federal.
No município, entre os anos de 2012 e 2015, os jovens compuseram 69% dos “crimes violentos letais intencionais (CVLIs)”, como são descritos nas estatísticas os indicadores de homicídios dolosos, latrocínios, feminicídios, lesão corporal seguida de morte e outros crimes resultantes em óbitos.
Em números absolutos, o Cabo de Santo Agostinho registrou 528 CVLIs nos últimos três anos (185 em 2020, 178 em 2021 e 165 no ano passado, quando a cidade ficou na 5ª posição entre as mais violentas). O 17° Anuário Brasieiro de Segurança Pública foi divulgado no último dia 20 e pode ser acessado aqui.
Na Assembleia, cobrança por diálogo
A Casa Joaquim Nabuco retorna do recesso legislativo no próximo dia 1º de agosto, quando o tema deve gerar debates. “A gente ainda não sabe o que o governo Raquel Lyra pensa para a segurança pública do Estado. Para traçar um paralelo, o Juntos pela Educação não contou com a participação de quem está no chão da escola, nem do Conselho Estadual de Educação. Foi um produto de uma consultoria prestada por uma instituição privada que virou programa de governo. Então, fica a pergunta: o que podemos esperar do Juntos pela Segurança?”, indaga a deputada Dani Portela (PSOL), líder da bancada da oposição.
A Marco Zero Conteúdo fez contato com a assessoria de imprensa do governo na segunda-feira (24). Mais de 24 horas depois, até o fechamento da reportagem, não recebeu retorno da solicitação de posicionamento.
Sucessor do Pacto
O Juntos pela Segurança de Raquel Lyra pretende substituir o Pacto pela Vida (PPV), lançado pelo então governador Eduardo Campos em 2007. Na tarde do dia 8 de maio, uma terça-feira, no Salão dos Banquetes do Palácio do Campo das Princesa, Eduardo apresentava o que viria a ser sua maior vitrine.
À época, do ponto de vista metodológico, o programa apresentava inovações, como confiabilidade das estatísticas e divulgação periódica dos números, a definição de metas, o acompanhamento de ações e o monitoramento de resultados. Politicamente, o programa colocava o governador como peça-chave tanto do processo de cobrança por resultados a servidores e operadores da segurança quanto na interlocução com a sociedade.
No início, o Pacto obteve o cumprimento de metas, atingindo a principal – de 12% na redução da taxa de CVLIs – por dois anos seguidos, o que fez o Estado ganhar prêmios internacionais, como o da Organização das Nações Unidas em 2013 e, no ano seguinte, do Banco Interamericano de Desenvolvimento. A partir de 2014, o programa passou a acumular resultados negativos e críticas. Além de não conseguir reduzir os índices de mortes violentas, o PPV gerou também uma explosão do encarceramento.]
*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.