Porque a culpa é dela em ter bebido e não do homem em ter escolhido abusar dela?
Essa semana, uma jovem de 22 anos, foi largada desacordada e estuprada em Belo Horizonte. Depois de um show em um estádio de futebol, a jovem, que estava bêbada, foi colocada por um colega dentro de um Uber, que compartilhou a viagem pelo app com o irmão dela. No meio da viagem a menina ficou desacordada, o seu irmão dormiu, e não ouviu as ligações, nem o interfone tocar, então o motorista do aplicativo a deixou desacordada, encostada em um poste, na frente da casa em que ela vive, com a ajuda de alguém que passava na rua. De acordo com filmagens, após alguns minutos um homem que passava a carrega pelos ombros até um terreno, onde a violentou.
A história é aterrorizante, mas apenas para as mulheres. Por quantas pessoas essa garota passou, até chegar nas mãos de quem cometeu o abuso? 3 pessoas, e todos eram homens. O colega, o motorista e a pessoa na rua que ajudou, além do irmão que dormiu. Algumas perguntas que, provavelmente, toda mulher se fez ao ler a notícia foi: e se fosse uma mulher? E se fosse uma amiga junto com ela no show? E se a pessoa dirigindo o carro fosse uma mulher? E se quem estivesse passando na rua fosse uma mulher?
Não precisamos ir muito além e debater o feminismo de forma profunda, ou falar sobre a romantização da sororidade, nada disso, para pensarmos que a compreensão de ajuda, empatia, preocupação, que as mulheres têm umas com as outras vem de uma difícil e dolorosa vivência diária, que nos persegue desde a infância. Que a comum fala depois de uma saída, seja ela um cinema ou um barzinho entre amigas “avisa quando chegar” carrega muitas preocupações de possibilidades diversas de perigo dentro de o que deveria ser um simples trajeto até em casa.
No mesmo dia a internet traz outra notícia, desta vez uma criança de 9 anos, no Macapá, que foi estuprada pelo vizinho, ao ir à sua casa devolver o gato que havia fugido. Alguns comentários na internet -de homens- sobre o primeiro caso, questionavam a mulher agredida, e porque ela havia bebido. Nisso, uma outra problemática surge, e se ela foi sedada? Sendo esse mais um medo, dentre vários, comuns que as mulheres convivem. E claro, outra problemática: porque a culpa é dela em ter bebido e não do homem em ter escolhido abusar dela? Pensando agora nesses dois casos, o que essas mesmas pessoas diriam para justificar a culpa da menina de 9 anos? Talvez a roupa que ela estivesse usando? Teria ela se insinuado para o homem de 41 anos?
Ainda na mesma semana saiu outra reportagem sobre um homem, ex funcionário de creches na Austrália, que está sendo acusado de mais de mil crimes de abuso sexual contra menores, sendo a idade a partir de 1 ano. O que essas mais de mil crianças fizeram para merecer o abuso? Claro que essas perguntas vem com ironia, mas isso não é tão claro na mente de todos.
O problema não é apenas do nosso país, como pode-se notar pelas notícias, é um problema global, mas, aqui no Brasil, a taxa de violência sexual contra meninas e mulheres é alarmante. De acordo com um boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, em maio deste ano, no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração de Crianças e Adolescentes, 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes ocorreram entre 2015 e 2021. Desses, 41,2% foram contra crianças com idades entre 0 e 9 anos.
Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) , há uma estimativa de 822 mil estupros cometidos por ano no Brasil. A cada dez minutos, uma mulher ou menina é estuprada no nosso país. Esses números trazem uma realidade sentida por todas as mulheres, para uma esfera do real, do concreto, para aqueles que não sentem ou pouco ligam para a questão, mas, a realidade existe para quem a sente, e é cruel.
É necessário implementar políticas públicas que tratem da questão do abuso sexual, em todas as suas formas, assim como formas de conscientização e diálogo na sociedade. A raiz do problema é facilmente identificável, dentro da sociedade patriarcal e machista, e se traça desde o período de acumulação primitiva do capital e como os corpos das mulheres sofreram uma objetificação dentre desse mesmo processo, ceifando-as de sua liberdade e sedimentando a mulher dentro de um espectro de sujeição ao Outro -o homem-, além de todo o aprofundamento devido a colonização do nosso país, trazendo características próprias ao tipo de sociedade aqui existente.
Apesar da rápida identificação da origem desse problema, a solução não vem de forma tão simples, dentro da sociedade capitalista em que vivemos, já que a sua base de sustentação é a manutenção do papel da mulher como inferior e submissa, portanto, seus corpos são vistos como meras coisas que os homens têm direitos sobre.
É necessário que se cobre as esferas do governo medidas que tratem, de forma profunda e direta, desse tema, o que nos dá um destaque especial ao papel e importância não apenas do Ministério da Mulher, mas também das Secretarias da Mulher, que em Pernambuco, vem sofrendo um desmonte por parte governadora Raquel Lyra. Além das exonerações, é sabido que a ouvidoria da mulher conta apenas com uma pessoa trabalhando. Como as mulheres podem denunciar casos de abuso e procurar ajuda do Governo do Estado nessa situação?
Além do papel central do poder público, é necessário cuidarmos umas das outras, promover formas de conscientização que venham da auto organização, rodas de debates e outras formas de acessar a sociedade sobre o tema. E nunca esquecer de pedir que a amiga avise quando chegar em casa, já que é no cuidado diário também que se constrói o feminismo entre nós.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga