É desgastante a luta dos que brigam por acessibilidade de maneira contínua em todos os espaços
[Audiodescrição: Em tonalidade azulada com um grande público abaixo assistindo, aparece o palco do Festival de Inverno de Garanhuns. Luzes brancas destacam a apresentação de uma banda. Ao fundo, é noite e aparecem alguns galhos de árvores. Fim da descrição.]
O 31º Festival de Inverno aconteceu em Garanhuns e, mais uma vez, a acessibilidade é um tema tratado de maneira subalternizada. Anteriormente ao evento, diante dos insucessos das tentativas do Conselho Municipal de Pessoas com Deficiência (Comud), o qual desde 2017 vem tentando estabelecer contato direto com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), para a disponibilização dos intérpretes de Libras e de audiodescrição em todos os polos, o Ministério Público de Pernambuco (MMPE) foi procurado.
Segundo informações do site do próprio MPPE, o Comud “instaurou procedimento administrativo e buscou uma solução extrajudicial para a falta de acessibilidade do FIG, porém na última reunião com a Fundarpe, realizada no dia 13 de julho, a entidade informou que as oficinas não teriam audiodescrição e que somente algumas das exibições contariam com essa possibilidade. Já no caso dos intérpretes de Libras, a disponibilidade seria somente em algumas apresentações”, limitando o acesso das pessoas com deficiência e surdas à programação do FIG 2023. O MPPE acionado pelo Comud, se reportou à Vara da Fazenda Pública de Garanhuns, a qual acatou o pedido pela garantia da acessibilidade em todos os polos e atividades, determinando ao Estado de Pernambuco a efetivação do instituído.
A prefeitura de Garanhuns, por sua vez, ao divulgar o camarote da acessibilidade como mais um recurso do evento, informou que devido a capacidade limitada, inicialmente, cada pessoa poderia escolher por apenas duas noites o uso do espaço, podendo ser ampliada a depender da procura. Finaliza o anúncio dizendo que o importante é que as pessoas com deficiência saibam que “suas limitações não são motivo para deixar de curtir o principal polo do festival”.
Posteriormente a todos esses episódios opressores, marcados pela negligência para com a população com deficiência – as conservando fora da vida pública e presas no campo doméstico, contribuindo com a imposição do isolamento material, social e cultural destas -, ao término do evento, foram divulgados em redes sociais, vídeos com o seguinte chamado: “o 31º FIG é para todo mundo”, veiculando a certeza de uma verdadeira inclusão.
O discurso de quem divulga a notícia sobre acessibilidade como um grande feito deveria ser considerado motivo de constrangimento, visto que ao anunciar em tom festivo como um “grande plus” que o 31º festival foi o primeiro a garanti-la em todos os polos, há basicamente a reafirmação das infrações explícitas realizadas nos anos anteriores, ignorando o fato de que estamos falando de direitos e não de caridade.
Aparentemente, é desgastante a luta dos que brigam por acessibilidade de maneira contínua em todos os espaços de Garanhuns, especialmente os que deveriam ser garantidos pela Prefeitura, tanto para as festividades da cidade, mas, principalmente, para as demais atividades sociais, educacionais, culturais, etc.
Aqui, o descaso com as pessoas surdas e com deficiência segue sendo uma realidade, portanto, é um desserviço a divulgação festiva de algo que deveria ser uma prática corriqueira, encobrindo o fato de que, mais uma vez, a Fundarpe, Governo do Estado e Prefeitura colocaram a acessibilidade em um espaço de opção e não de obrigação.
Além disso, devemos lembrar que pessoas com deficiência e surdas também produzem cultura, não apenas são consumidores daquelas realizadas por pessoas sem deficiência. FIG inclusivo é aquele que garante o acesso para que os trabalhadores com deficiência também se apresentem e garantam o seu sustento. O assistencialismo apresentado não configura justiça social, muito pelo contrário.
Isto posto, é urgente reafirmar que existem as presenças de outros corpos, outras formas de expressão, outras maneiras de estar no mundo e o festival precisa se atualizar, por isso, enquanto a diversidade de corpos não ocupar esses espaços, bem como, os produtores de cultura e fomento continuarem considerando a acessibilidade algo anexo, a notícia veiculada através dos aplausos da OBRIGAÇÃO realizada, continuará espetacularizando às vidas das pessoas com deficiência, as traduzindo como inferior e separando quem pode e quem não.
Compreendo que os gestores sem deficiência, fundações públicas e a maioria dos que constituem a política institucional entendem que a segregação é um caminho, porque não querem ter que mudar suas práticas. Quando se trata em recuar em privilégios, o que era para ser direito, passa a ser visto como gasto, problemática, sempre aberto a acordos, tornando portanto, uma importante e fundamental pauta pela vida das pessoas com deficiência, apenas, mais um recurso de apropriação, naturalização e esvaziamento de urgências.
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.
Edição: Vanessa Gonzaga